quinta-feira, fevereiro 17, 2005

A Minha Rua ( Saudades da Minha Infância )

A Minha Rua ( Saudades da Minha Infância )



(...) Eu Carlos Barros me confesso, confesso que ia, a caminho da escola do meu filho, a pensar em tudo, fiz a minha paragem habitual, para olhar mais uma vez o Mar, e comecei por momentos a ver a minha rua, a minha rua de sempre, aquela que é minha, sempre foi e, sempre será, a Avenida António dos Santos em Santarém a avenida que para muitos não era mais que um sentido único para a sua ultima morada, mas ali pelo menos na “Malta do Pereiro” abundava vida.
Dei por mim a chorar compulsivamente, não é que seja maluco, acho que sou meio amalucado, mas maluco não sou, piegas, também não sou, mas deu-me uma saudade, ai que saudade, que me deu, o meu coração apertou de uma maneira, que não vos conseguigo contar, os olhos ficaram pequeninos, o meu corpo retraiu-se como se tivesse uma sensação de perda, fiquei por momentos num vazio, no vácuo, num emaranhado de emoções que nem eu sabia que existiam, consegui ver toda aquela avenida, a única avenida que eu conheço em todo o mundo que tem curvas e contra curvas subidas descidas, consegui vê-la direita.
Aquela rua, mas que rua, lembro-me da vista, abria a janela do meu quarto, e vou tentar, só tentar descrever o que via ( e ainda vejo), lá ao fundo no horizonte o Tejo, o Tejo no seu esplendor, com os seus bancos de areia, depois lezíria mais lezíria, o verde, muito verde, daquela que é considerada a terra mais fértil do planeta, a vista consegue alcançar Muge, pelo meio velhos e novos chaboucos que as chuvas e as cheias foram deixando, até lá um enorme vale, pelo meio, e de espaços a espaços o barulho do combóio, ele andava por ali, não se via mas sentia-se ouvia-se, só a noite as luzes das carruagens o tornavam visível.
No meio do vale um “ribeirão” que mais não era que um esgoto a céu aberto, a sua volta, silvas e mais silvas um enorme amontoado de picos e espinhos, que acompanhavam vale abaixo os dejectos de uma cidade.
Nas encostas, oliveiras, muitas oliveiras, algumas, atadas aos seu tronco, ovelhas, outras (ovelhas) a solta, burros, cães, gatos, também me lembro de ver figueiras, mas essas ficavam mais perto das habitações no bairro de baixo, nespereiras e laranjeiras, alguns limoeiros, no outro lado do sopé ficava o Campo do leões, outro Bairro onde as aptidões dos seus habitantes eram mais jogar a bola.
Ali no Pereiro, a farda era outra, joelhos em sangue, crostas sobre crostas, e explorar aquele vale até a exaustão, não havia buraquinho, toca, coelho, coelhinho, galinha ou galináceo que não fosse conhecido daquela tribo, daquelas Tribos, eram tribos, que vegetavam por ali, a Tribo dos Veludos, dos Branquinhos, dos Agostinhos, dos Quintinos todos os dias, percorriam aqueles incalculáveis e inclinados acres de terra, picos e dores de cabeça para os pais de cada um, era espantoso.
Ali onde a terra nos fazia crescer.
O ranho, as crostas, os buracos, as palmadas, tudo isso nos alimentou o crescimento, o mundo seguiu parado durante muito tempo, quem diria, que o homem teria chegado a lua, que havia os sprectruns, que o Jim Morrisson tinha morrido, quem diria!
Ali as “estorias” viviam ao nosso ritmo, eram alimentadas por nós: Quem estava de castigo em casa por ter roubado a tábua de passar a ferro ou o alguidar para poder surfar aquelas encostas, ali sim eram verdadeiras ondas de prazer, as velocidades estonteantes, os saltos os rasgões de pele, fantasias e mais fantasias, muitas vezes paradas por paredes de silvas e silvados.
o cheiro eras uma mistura de amoras silvestres, com o carrasco, aquele carrasco que teimam em não conhecer por estas bandas, que também dá bolotas, e que serve de esconderijo a inimigos figadais, como a raposa e o coelho.
Os gritos nas varandas dos pais ecoavam pelo vale, os nossos nomes a hora certa eram chamamentos sagrados perpetuados, pelo horizonte, eram guinchos míticos que ainda hoje os ouço na minha cabeça, na minha capacidade de voar e sonhar, navegam nas minhas saudades daqueles dias, percorrem lagrimas que teimam em não parar de cair, em cada lágrima um nome uma vontade de voltar aqueles tempos, aquelas gentes, algumas que já não existem outras que se consomem por ai.
Lembro-me que à frente da minha casa, existia um palheiro, sim um palheiro, lembro-me disso, ao lado vivia a Dona Manuela e o Senhor Sebastião, era ai que todas as noite, com um fervedor, ou uma cafeteira, lá ia buscar um litro de leite ainda quente, acabado de ser mugido , em plena Avenida António dos Santos, sim, porque aquela era, é, e será a minha Rua !


Apeteceu-me
Dedico este texto, a minha Irmã, (é nesta parte que ela vai chorar baba e ranho), que ainda hoje não entendo porque lhe chamam Tinuxa, nem entendo onde foi ela buscar o termo Ninito, que durante anos me chamou.(acho que agora me chama mais parvo, no bom sentido claro)

4 comentários:

Anónimo disse...

Charles isso não se faz...ao ler o texto tb voltei atrás no tempo...à a minha infância até aos meus 17 anos..à uma vida sem preocupações, de brincadeiras e mta alegria, de jogar ao berlinde, a mata, de atirar o pião, saltar a tapa..e as saudades, imensas, de um colo macio e quente..bons e velhos tempos esses!!!
Parabens, descreves situações e sentimentos como ninguém..revivi a minha infância mas vivi tb a tua
beijos

Anónimo disse...

espectaculo, eu passo o tempo com saudades do passado, não é que esteja pior, eu até tou feliz, quanto a minha rua...como cresci numa terra minuscula, tá tudo igual só já não há crianças para brincar, e eu tambem não tenho tempo, vim para a cidade...o que me causa muita tristeza é a minha escola primaria esta transformada em armazem, não me conformo.
obrigado por esta viagem

Anónimo disse...

O teu texto, fez-me recuar um tempo, em que eu apanhava flores na Primavera e sorria inocentemente... Adorei... ;-)

isa xana disse...

saudades da infancia... ate eu q nao tenho assim tanta coisa ainda para recordar tenho saudades de quando era bem pequena. a minha avó a ralhar comigo, os miúdos lá do bairro a baterem-me... ups, estas sao as coisas q nao tenho saudades=p

gostei do teu texto. jinhu