quinta-feira, fevereiro 10, 2005

Renascer (de algum lado)

(...) caiu prostrado sobre si mesmo, curvou-se com um esgar de dor, pressionou com as palmas das mão voltadas para fora o seu abdomem. Estava curvado, de joelhos no chão a cabeça quase tocava naquela pedra de mármore fria, gelada, gélida, o seu rosto estava contraído, aliás como todo o seu corpo.
Aquele homem, aquela personagem era alguém, que passava despercebido a todos quantos por ali passavam, dos seus olhos quase negros, nem uma lagrima saia, mas encontrava-se muita tristeza, muita amargura, naquele momento não se percebia se era mágoa ou agonia, mas via-se que aquela dor não passava.
Do sitio onde me encontrava via-o parado na sua própria decadência, a sua volta o frenesim do dia a dia das grandes cidades, as pessoas passavam, indiferentes aquele Ser, aquele que estava em dificuldades, passavam e nem olhavam, era o desrespeito total por uma vida, pela vida mesmo, aquele homem representava uma vida aos olhos de quem olhava, era mais uma vida, será que se perdeu todo o respeito pela vida humana?
Mas não, não valia a pena estar por ali a preocupar-me, fixei novamente o meu olhar, ali, naquele homem, naquela vida que eu receava que se estivesse a esvair, que estivesse perto do estretor da Morte, estava vestido normalmente, de calças de ganga umas calças de ganga, normalissimas gastas do uso, de algum uso, via-se que era uma pessoa com posses, notava-se que tinha o mínimo cuidado a vestir-se e a arranjar-se, a camisa estava engomada, o cabelo estava esgardunhado, pelo momento, estava desalinhado pelo momento, imagino o que se passaria, ali naquele momento naquela penumbra, provocada por aquela floresta de pernas, que se movimentavam ritmadas, num passo certo em direcção a nada, ou a tudo ás suas vidas, mas uma ficava definitivamente para trás e ninguém parecia importa-se, importava-me eu, não conseguia deixar de pensar e de ver aquele Homem aquela pessoa, aquele ser.
O dia estava brilhante, brilhante do sol que estava sumptuoso, apesar de alguma brisa que fazia por vezes abanar as folhas das arvores que rodeavam aquela enorme praça algures por ai, adorava aquele bruá misturado com o som da folhagem que insistia em se digladear sem motivo aparente.
O sol, por vezes visitava o nosso amigo, na sua agonia, o meu olhar agora percorria todo aquele cenário, até voltar a centrar-se e a concentrar-se ali.
De repente o corpo começa a movimentar-se a sua cabeça, começa a erguer-se, os seus ombros a esticarem-se a alargarem-se, pareciam que os seus olhos quando se abriram deitaram laminas de luz pela indiferença de todos quantos passaram por ele, ergueu um joelho, depois outro e de cócoras, perante a mesma multidão que não deu por ele, ergueu-se sem esforço, com as mão ainda a segurarem o abdomem.
Terá percebido? Percebeu, via-se na sua face, que estava ali sozinho, mas o seu rosto abriu-se, como uma flor que desabrocha. Aos meus olhos, aquele corpo renascia das cinzas, cintilava, para trás tinha ficado uma combustão violentíssima, que ardia de uma forma desorganizada, aquela dor, serviu para se erguer ainda mais forte com mais vontade.
Os meus olhos estavam a ficar embargados de um turbilhão de emoções, mas aquilo que eu sentia, estava longe muito longe.
Lá de longe vi aquela personagem, aquele ser, olhar para mim, saiu de rota de colisão, daqueles seres banais, vulgares até mesmo ordinários, odiava aquela mesquinhez, odiava mesmo, parecia, que tudo estava a andar a roda a rodopiar, mas não. Que estranho parecia estar a ouvir Red Army Blues dos Waterboys, e ai vi aquela personagem abrir os braços, vi aqueles olhos quase negros ganharem a sua cor normal, esverdearem como a agua do mar, como o gotejar da floresta Amazónica, a cabeça com um leve impulso virou-se para cima o, olhos olharam para o céu e num movimento brusco entrou em mim.
Em mim que estava prostrado sobre mim mesmo, com um esgar de dor, a pressionar com as palmas das mão voltadas para fora o meu abdomem. Estava curvado, de joelhos no chão a cabeça quase tocava naquela pedra de mármore fria, gelada, gélida, o seu rosto estava contraído, aliás como todo o seu corpo.(...)


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8 comentários:

Anónimo disse...

Confesso que começo a ficar seriamente irritada com o "comment" no fim de cada texto... Porquê?!?! Ora... muito simplesmente porque começas a deixar-me sem palavras e sem nada a comentar... Começam a faltar-me adjectivos para a tua escrita, para o teu "tu"... surpreendes cada vez mais... mas eu certamente não surpreenderei se disser mais uma vez que está simplesmente divinal!!!

Micas disse...

Às vezes é bom morrer para se ter o prazer de um renascimento destes. Gostei imenso. Beijos

Unknown disse...

(re)nasce, com o (a)mar ressabiado de quem pouco ou nada tem para contar.
Kal...onde andas isso é muito Red Bull
bem vindos a este espaço...livre de moleculas nucleares hihihihh

Unknown disse...

Inconfidente, sem querer apaguei o teu Comentario, apontei ao comentario mas não, foi de proposito...por isso as minhas desculpas

isa xana disse...

tão denso. bem escrito. gostei bastante. :)
*

isa xana disse...

diz-me uma coisa, por favor.. conseguiste escutar a música? é que já me disseram que não conseguiram ouvir e sem a música não é a mesma coisa, é da música que deriva o poema. já tentei ver se tinha alguma coisa errada, mas não encontro nada, tá tudo certo, não sei porque não conseguem ouvi-la.
desde já agradeço.
beijo

Unknown disse...

Xana não consegui porque aqui não tenho placa de som no trabalho, mas imaginei a musica pq conheço muito bem a Craig....

isa xana disse...

brigada na mesma:)
conheci a sua música no filme Love Actually e fiquei apaixonada. comecei a procurar e cada vez gosto mais. a Glasgow Love Theme, a q está no meu post, é das minhas favoritas, mas a minha música favorita mesmo é a Portuguese Love Theme.
gosto muito muito das suas músicas.
é impossível não gostar, né?
beijao