quarta-feira, abril 26, 2006

(Mudanças) AVATARA

(...) Era espantosa a sua capacidade de mudar, de se transformar, de se redescrever. A vida nele tinha vários sentidos e direcções, todas elas faziam parte de uma realidade, que tomava bifurcações meio estranhas.
A sua cabeça espartilhava-se, redobrava-se, fazia filmes.
O seu corpo mudava, a sua alma crescia, a sua preciosa vida, não era mais que isso mesmo, um conto, ou vários contos.
(...) Na sua secretária tentava escrevinhar qualquer coisa, sobre o que acontecia sobre o que via. Por ali nada mais que um ou outro casulo de uns animaizinhos que se acumulavam por ali, não sei ao certo, se seriam larvas de... não sei mesmo porque as aranhas não se transformavam. As aranhas essas sim eram uma excelente companhia, gostava de as observar, fascinava-me ver como elas produziam aqueles fios, por onde desciam, a uma velocidade estonteante, fascinava-me ver como aquilo acontecia, mas a verdade é que nunca conseguia ver nada. Os meus olhos acabavam por vidrar, desfocavam e entrava em processo de imaginar coisas,de imaginação extasiante, como: uma aranha enorme que andava por ai e fazia mal a todas as pessoas que eu não gosto e depois aparecia eu para os salvar.
Os seus pensamentos, eram muitas vezes despropositados, pensava sempre que era um super herói, que salvava toda a gente, quando afinal ele é que precisava de ser salvo.




Eram pensamentos, que se transformavam em realidades, que pareciam mais virtuais do que afinal eram. Complicada esta linha de pensamento, mas nem por isso os filmes, as comédias, os dramas, as ficções, mudavam, eram pequenas mutações na sua cabeça, mas também na sua vida a sua personalidade ia-se toldando conforme assumia a sua nova personagem. Era uma mistura de sensações, não sabia grande parte das vezes porque lhe aconteciam coisas estranhas, como acordava, em sítios completamente disparatados e nem sempre dentro dos parâmetros normais.
Gostava de olhar com olhos de animais, geralmente só via a duas dimensões, a preto e branco, tudo desfocado, mas era essa a imagem que tinha da vida do que o rodeava do que andava lá fora. Gostava de ver as pessoas desfocadas e ouvir as suas palavras empasteladas muito devagar.. como se fosse uma gravação avariada... ou em rotações erradas. As pessoas tinham-no magoado muito, por isso refugiava-se por ali, nos seus momentos, nas suas metamorfoses, eram gritos de revolta, que os transferia para o papel, para a sua tela imaginária, pinturas que ganhavam formas, cores e por vezes, grande parte das vezes vida. Era absurdo mas ao mesmo tempo fantástico, aquelas sensações, aquelas viagens alucinantes, aquelas amizades que fazia com a sua própria imaginação.
Gostava de ver os bichos de contas, com as suas múltiplas patas, que se fechavam neles próprios. Imaginava-os uma enorme avalanche, via-os a rolar, por um sitio qualquer...a crescer, a crescer, a ficar uma enorme bola cinzenta, grande, grande mesmo de meter medo. Depois abrir-se e com aquela panóplia de patas, começar a esmagar tudo e todos a sua volta...
Mas afinal, não passava de um pequeno bicharoco que brincava com a ponta da caneta em cima da secretária... de um lado para o outro.
Adorava ver aquela borbeletixas, que voam a volta das lâmpadas, para mim passavam logo a grandes pássaros que vinham do espaço que esvoaçavam perto da lua e faziam voos picados até a terra, entravam a velocidades loucas dentro dos oceanos onde pescavam baleias... os seus dejectos destruíam parcialmente cidades, mas eram animais pacificos, que sabiam viver e não se deixavam abater.
(...) naquele dia, não sabia bem o que tinha acontecido, mas não foi simples de assimilar, sentia dores pelo corpo, e tinha a face com sangue, a face e não só, escorria-lhe ainda pelos canto da boca algo esquisito era um pedaço de ti.


Apeteceu-me



"As mudança repentinas, mais não são que um movimento na nossa vida" Charles de la Folie

segunda-feira, abril 17, 2006

Ruído




(…) Era um pequeno barulho. – Esquisito, ninguém conseguia descobrir de onde ele vinha, um pequeno barulho que por muito pequeno que fosse, era, existia, estava ali.
Engraçado como um pequeno ruído, um pequeno carpido poderia incomodar tanto.
Sentado no chão com as mãos no rosto, os indicadores a pressionarem as fontes, o queixo sobre os polegares os restantes entrelaçados sobre o nariz, de olhos fechados, concentrava-se naquele estrupido.
O som, perante tamanha concentração, convergia como se fosse uma enorme massa para um só ponto, e não de um só ponto para a massa, para ser processado e conhecido, descobrir a sua origem e anulado, mas não.
Aquele pequeno som, aquele ruído, tornava-se agora num pesadelo que entrava pelos canais auditivos e inundava um corpo que tinha sido tomado, por algo insignificante. Agora conseguia quebrar toda a concentração, pior, agora quebrava-o, entrava a uma velocidade alucinante, percorria-lhe o corpo, derrubou-o.
Estava agora deitado no chão, com os joelhos junto ao peito, mãos sobre a face. Todo o rosto parecia estar a ser esmagado, por algo que não se compreendia, a sua pele parecia estar a quebrar, a abrir brechas e a expandirem-se rapidamente soltando raios de luz encriptados com gemidos de um corpo a rasgar-se.
Lentamente, algo se esvaía naquele centro de qualquer coisa, aquele corpo já não pertencia a nada, nem nada lhe pertencia a não ser aquele som que se transformou num enorme e poderoso ruído.




Num último esforço o corpo tentou repelir, todo aquele mal foi um acto de grande coragem, e sem destemor começou uma luta ilógica onde a coerência deu lugar a audácia e assim foi…
Numa fracção de qualquer coisa temporal, descobriu-se que o som nunca existiu.
Aquela imagem foi-se desdobrando vezes sem conta, multiplicando por aqui e por ali a velocidades nunca antes imagináveis. Talvez por isso um dia quando percorria aquele corpo fragilizado, percebesse que o prazer tem cores que se misturam com os sons.


Apeteceu-me

"Os sons muitas vezes não são mais que imagens de ilusões". Charles de la Folie

segunda-feira, abril 10, 2006

ESCURO





(…) Escuro, muito escuro. A escuridão que estava dentro daquele buraco contrastava com o dia, um dia muito claro, com o Sol bem espetado lá em cima a apontar para meio Mundo. Naquele buraco a opacidade cegava, como raios negros oriundos de um sítio onde ninguém lá conseguiria chegar.
Lá no fundo onde o homem não ousa chegar, os animais e o seu extinto não se atrevem a aproximar, há qualquer coisa de diferente.
Basta espreitar e lançar a força dos nossos sentidos, deixar o nosso espírito percorrer aquele caminho que ninguém conhece.
A velocidade a que percorre aqueles túneis é alucinante, as voltas, as espirais, corre, circula. Todos os palmos daquela escuridão sem fim a vista, são preenchido pela velocidade, pela rapidez e ligeireza de um pensamento.



Uma ideia sem razão está na origem daquele caos de entendimentos, mas é dado o máximo para chegar a um ponto. Mesmo que aquelas curvas, os loopings seguidos de curvas apertada a quase noventa graus, onde as subidas precedem as descidas e as descidas precedem-se a elas próprias, onde o ritmo nunca abranda, e os abrandamentos são constantes actos de cobardia. Os saltos sobre os precipícios são constantes e ininterruptos, vezes sem fim, onde o pensamento sai sempre iludido com circuitos fechados de imaginação, onde as alucinações são mutantes e rápidas e precedem sempre as vontades de nada acontecer.
A viagem continua, rápida e sem destino, em direcção a nada por enquanto, a rapidez é a palavra-chave, mas a chave de tudo continua ainda sem razão e sem gerência.
Mas a lá vai percorrendo aqueles corredores sem morte aparente, mas também sem vida alguma para poder perecer. Fogo, muito fogo rastejante como uma mecha, é a combustão de um espírito sem corpo, de uma alma, sem rumo de um pensamento sem dono.
As repetidas passagens deixam os rastos baralhados, quase que não se seguem nem sossegam, perdem-se em lado algum, perdem-se por ai. Esperam que algo aconteça mesmo que isso nunca aconteça. É tempo de parar.
E ai a calma fica, o silencio de nada, nada mesmo, parou…
Nada se sente, o próprio sentimento, está congelado, imóvel. Não há ruído, não há nada. Há paz de espírito, é nessa altura, que recomeça o salto no infinito a procura de um nova razão, de um novo percurso.



Apeteceu-me

"Nem sempre os caminhos são para serem percorridos". Charles de la Folie

segunda-feira, abril 03, 2006

Ela – Insónia





(…) Bastava olhar para Ela para perceber que, não era mulher para mim, mas lembrava-me sempre das palavras sábias de um amigo quando tínhamos 18 anos:

- O não é certo, esse é garantido.

Olhar para Ela provocava-me doses exacerbadas de sensações compulsivas, se é que isso se pode dizer. Era um misto de revolta que me angustiava e de um sentimento de perda, o corpo contrai-se e por vários minutos assim ficava. Era uma verdadeira tormenta olhar para Ela. Por varias vezes tentei traduzir o que via, mas era quase, para não dizer impossível.
O seu rosto não muito cândido, mas de uma enorme pureza, mesmo que aquele sorriso de difícil expressão pudesse ser entre o cínico e o ingénuo, era difícil estabelecer a fronteira, da mesma forma que é difícil entender e perceber uma mulher.
Os olhos, lembravam-me amêndoas doces, de um castanho avelã onde o brilho lhe acentuava a Alma. A definição do seu rosto era de alguma forma acentuada pelas maçãs de rosto, demasiado bem delimitadas, pelo contorno do seu nariz. Um nariz de fino recorte, um tudo ou nada levantado, umas narinas que abriam lentamente no seu expirar, eram pequenos sinais se quem sabe estar na vida e no amor. Uma boca de lábios delicados, carnudos mas de traço fino, de um vermelho prazer, de quem está prestes a ter um orgasmo. O cabelo de um castanho muito claro, que os sol realçava, cortado de um forma estranha, mas que lhe assentava de uma forma quase magnifica.
O pescoço, fazia-me sonhar, com noites de carícias, de poder utiliza-lo para meu belo prazer, para poder descobrir cada poro, cada sinal, cada milímetro de pele que espelhava, sentir-me naquele colo eternamente.
Tentava não sonhar com o que restava, davam-me arrepios só de pensar, que o poderia imaginar, aquele corpo despido só para mim. Mas era quase irredutível, não pensar que o poderia sonhar, desenha-lo na minha imaginação só com cores sóbrias de ternura, mas garridas de paixão.
Mas conseguia descobrir a sua silhueta através das roupas que usava, roupas sensuais, não muito justas, mas que pactuavam com a sua beleza e com a sua enorme ousadia de ser linda.
Ela, era tudo o que sempre sonhara com alguém, foi assim que a perdi e que me senti perdido.
Aquele não, que Ela nunca me dissera, também esse ficou perdido por ai, nalgum quadro pintado por mim numa noite de insónia. O sim esse casei-me com ele e com Ela, mesmo que ainda hoje não entenda o significado daquelas sensações compulsivas, de uma revolta angustiante.




Apeteceu-me


"A beleza pode ser um entrave" Charles de la Folie