quinta-feira, julho 27, 2006

Simples

Seria fingido!?
- Não sabia ao certo quem era! Nem se seria real.
Naquele vaivém de melodias entre ventos calmos, calores racionalmente fáceis de suportar e um sem numero de cores. Descobria-se entre o fim e o princípio, um risco colorido onde poisava um pequeno pássaro com um enorme chilrear. A sua penugem, uma sinfonia de cores, ali estava naquele risco, onde muitos não ousam pisar.
- Lá longe uma enorme silhueta, a contra luz obrigava a ver aqueles contornos, com uma margem de erro não muito superior ao instante entre o abrir e fechar de olhos.
Uma silhueta fingida, bem que podia ser, talvez fosse – Para
Mim era o que eu quisesse, nada mais simples, via o que queria, o que me apetecia, simplesmente porque me apetece ver coisas.




Não era uma imagem aleatória, era simplesmente uma imagem, como se é simplesmente uma alma. As ervas que desciam aquele socalco tomavam a direcção do vento, as muitas direcções que tem uma vida, mesmo que simples. São direcções sem remetente, ou simplesmente em direcção a nenhures, vidas que nascem, que vão brotando aos nossos olhos. A todas as horas, todos os segundos nasce uma nova vida para nós, basta para isso ser um simples desconhecido, um simples ninguém aos nossos olhos, passa a ser alguém nesse momento, mais uma vida, mais um sem numero de rumos, de direcções.
Bastava olhar, para ver – claro basta olhar para ver, apesar que nem sempre se vê quando se olha. E quando se quer ver o que não está!? E quando não se vê o que está!?
Aquela pedra em forma de banco, parecia esperar, esperar há uma eternidade por alguém que nunca havia de chegar e se chegar?! Pois o que se pode fazer a uma pessoa que chega e se senta num banco de pedra, ou numa pedra que parece uma banco?! Que se conversa com uma pessoa que chega vindo de onde ninguém sabe e fica? Quantas conversar se pode ter com essa pessoa?
- Ontem vi-te, Sabias?
- Claro que não podias saber!
Um dia descobri que tudo o que me rodeia é fruta da minha imaginação, eu vivo algures entre o nada e o nada mesmo.
E ai não acredito que haja espaço para te ver.
- Mas eu sinto-te?!
Foi a demasiado tempo que percorri todas estas imagens que perduram por aqui, mas afinal, naquele dia, naquele momento estava sentado a escrever coisas demasiado simples e sem sentido, por isso acredito que “palavras leva-as o vento”… só assim te imagino naquele risco colorido. Um pássaro um pequeno pássaro com um enorme chilrear.

Apeteceu-me


"Choro o Rio que começa na minha alegria". Charles de la Folie

segunda-feira, julho 10, 2006

Mágoa

(…) O grito feria a Alma sensível que se prostrava por ali.
Era sensível, não de uma forma vincada, ou profundamente marcada, mas era.
Todos os dias, passava por aquela rua e sentia os cheiros que corriam porta a porta, os silêncios que trilhavam as janelas, o acordar daquelas emoções que se escondiam por entre quartos, salas ou mesmo por assoalhadas sem nome e sem função aparente.
Ao olhar para o céu, conseguia ver-se por entre aquele emaranhado de fios, o azul do longínquo infinito, entre uns e outros, nuvens, brancas como o algodão, brancas como nada e como tudo.
Gostava de sentir os meus sapatos a bater naquele paralípipedo, cinzento e já tão gasto de tanto por ali passarem ao longo dos anos. Aquele barulho seco e cavo, fazia-me pensar e repensar que a minha passagem pela vida tinha algum significado, porquê não sabia, mas fazia. Aquela hora, gostava de pensar, gostava de sentir e de me sentir.
Mas aquela rua além dos cheiros, dos silêncios, de esconder emoções tinha outros significados. Manifestava uma mão cheia de imagens, de saudades, de dias passados por ali a espera de outros dias, que chegavam sempre cheios de surpresas e de vivências, dias cheios de tudo e de nada, mas dias que ajudavam a crescer e a envelhecer uma alma ainda demasiado tenra e terna. Eram dias em que os pensamentos voavam verdes e sem maldade, apesar de todas as tormentas que fazíamos todos passar. Eram dias, que por muito cinzentos que fossem, faziam com que as cores do arco-íris … andassem sempre por ali, sempre presentes naqueles sorrisos que escondiam feridas diferentes da de hoje, eram feridas simples mesmo que os golpes fossem profundos, mesmo que a carne estivesse rasgada, eram de cura elementar, demasiado simples, o próprio ar as sarava.




Por vezes ao caminhar por ali fechava os olhos e lembrava-me dos gritos, dos sorrisos de outros tempos que davam outro colorido.
Hoje vejo com alguma amargura, que a rua envelheceu. Os corpos escondem-se por debaixo de trajes escuros, muito escuro como a alma que os enclausura. Aquelas vestes, aqueles lenços fazem lembrar um tributo a gente que partiu e nunca voltou… Voltaram… voltaram de um sítio onde ninguém acredita que existe, mas que prende e repreende. Esta gente precisa de uma revolta, da revolta de um povo que vive mal, que é torturado constantemente, por gente sem escrúpulos, que nem sequer sabe que aquela rua existe. Um dia acredito que esta gente vista roupa com cores, que grite a sua felicidade até a voz se perder num infinito de ideais… que há muito tempo os roubaram a troco de nada.

Apeteceu-me

"Nunca te libertes dos teus fantasmas, porque há sempre alguem para te oferecer os dela". Charles de la Folie

domingo, julho 02, 2006

O Jogo (de um dia)

(...) Que mais se podia pedir, o ambiente era fantástico.
Quando anunciaram a constituição da equipa, mais de 50 mil pessoas a gritar pelo meu nome, era um jogo especial de tudo ou nada, quem vencesse seria campeão! O sonho de uma vida, o sonho que não estava ao alcance de todos e naquela altura, naquele momento estava ao meu alcance.
Olhava em redor das bancadas, mil cores, mil sons, mil cânticos, mil diferenças, muitas mil, para apreciar sentir.




Tudo começou, lá dentro, lá em baixo no balneário.
Depois de sair da camioneta ou do autocarro, ou raio que lhe chamam... sair calmamente com os phones nos ouvidos... concentrava-me. - olhar vazio, vago mesmo a espera de outras entradas, de outras regras, ouvia uma musica da América do Sul com Flauta Pan, para ai “El Condor pasa”. - Não podia precisar naquele momento, naqueles minutos já muitas emoções tinham passado por mim, mas seguramente era musica que eu gostava.
Quando entrei no balneário, a adrenalina subiu, como subia em todos os jogos. Aquele cheiro, um misto, de pomadas, pomadinhas, mezinhas e bálsamos, um cheiro intenso, que fazia os níveis de confiança aumentarem. - Sentei-me no meu lugar, onde estava o meu equipamento pronto a ser utilizado, novinho como sempre naqueles grandes jogos, adorava o meu numero, o numero que me acompanhou uma vida - o dia em que nasci, era um numero magico para mim. Sentei-me ali, ouvia o burburinho dos meus colegas, as sucessivas tentativas de concentração, baixei a cabeça de uma forma calma, retirei de uma das bolsas do meu saco uma pequena pedra, um seixo que tinha um dia apanhado numa praia onde tinha ido com o meu pai, guardei-a e tornou-se o meu talismã, esse era um dos talismãs, o outro era uma bíblia muito antiga, que me fora oferecida pela minha avó e que me recusei sempre a abri-la, desde o dia em que morreu.
Mas ali de cabeça baixa, segurava a minha pedra, e murmurava, balbuciava pequenas cantilenas de infância, o barulho começava. - Os pítons das botas a roçarem pelo chão começavam a enervar-me, minto aquele barulho chamava-se nervos, os nervos que se apoderam de qualquer jogador antes de um jogo, não de um grande jogo, mas de um qualquer jogo.




O treinador, falava, falava comigo, a sua voz parecia distorcida, depois foi ficando melhor, mais nítida consoante a minha atenção. - O meu actual mundo, o meu estado, começava a prender-se a ele, naquele momento já sabia que poderia fazer história, que poderia decidir a alegria de milhões, mas também poderia ser a causa de uma enorme e frustrante tristeza de muitos, muitos mesmo seguidores.
O ritual do balneário começava quase a compor-se, eram as ultimas massagens, os últimos produtos, as ultimas ligaduras. - Por exemplo, eu... ligava sempre o pé esquerdo de forma a ter mais pressão, a senti-lo melhor, a ficar mais rijo, e a não se dobrar tanto, sabia que no final teria de ficar pelo menos mais 1 hora que os outros, para fazer gelo, para o desinchar.
Estava quase na hora, faltavam poucos minutos, estiquei os braços para vestir a camisola, ela deslizou tranquilamente até bater nos ombros, ajeitei-a puxei os calções para cima, meti a camisola para dentro, depois olhei para as minhas botas de futebol, eram brancas a estrear feitas a medida, pítons de alumínio para rasgarem a terra a relva, por vezes corpos, mas sem maldade, tempo para um grito quase tribal, que fazíamos em grupo para aliviar e deitar fora toda a tensão, batíamos violentamente com os pés no chão.
- Faltavam poucos metros para o relvado, para o jogo, para uma vida.
E ali estava eu, perfilado a ouvir cânticos, a ouvir-me por dentro e por fora, sabia que poderia ser a chave, os adeptos também depositavam toda a confiança em mim, na minha pessoa, os jornais não paravam de dizer e de falar nisso, mas não me importava, convenci-me que era só mais um jogo, apesar de o querer ganhar muito - a minha vida não dependia disso, a minha vida dependia de outras coisas mais importante, muito mais importantes que isso, a minha vida dependia das minhas “pipocas” e dos meus sonhos.
Estava na hora, cumprimentei, aliás saudamos todos os nossos adversários, o arbitro, perfilamo-nos pelo campo, olhei mais uma vez a minha volta, vi aquele espectáculo de luz, de cor, de sons.
Sustive a respiração, o arbitro, meteu o apito a boca e foi naquela altura, que o carro de trás apitou mais uma vez o semáforo estava verde, a botas de futebol penduradas no espelho retrovisor, pareciam acenar para mim.


Apeteceu-me

"A Vida joga-se muitas vezes borda fora sem se saber a importancia dela." Charles de la Folie