sexta-feira, julho 24, 2009

O Perfeito silêncio

(…) Já nada o fazia prever, nem mesmo a acuidade do silêncio que se fazia sentir. Deixou soltar o corpo, numa expressão de prazer. Dançava ao som da exultação de uma vontade incontrolável. Não havia música, só o cheiro do dia, a luz do sol e o momento suspenso no ar. Não era importante, nada era importante e ao mesmo tempo as dúvidas desvaneciam-se. Os olhos fechavam-se e o sabor das partículas suspensas corrompia o sonho, alimentando a realidade.

(…) As mãos «pregadas» uma na outra, sustentadas pelo ritmo da vontade e pelo mutismo da água a percorrer-lhe o corpo. A brisa que sobressaltava a cortina, refrescava a realidade naquele impasse entre o tudo e o nada. As palavras – ali – só serviam para alarmar o sossego que se vivia, numa Alma gasta de tanto sufoco. Nada era ao acaso, assim como o decorrer da vida que se esvai a cada passo que se dá rumo a outra jornada.



(…) A porta bateu, desceu as escadas, os pés descalços sentiam o frio do mármore, provocando um arrepio na espinha. Havia um rasto do perfume que ele tinha deixado naquela manhã. Apesar de ter partido ela sentia a sua presença. Deixou-se ficar na fímbria do instante e sossegou a mente, respirou-o como nunca o tinha feito. O Corpo abriu-se, soltou um novo corpo – em chamas – que se reergueu num deleite inatingível.

(…) Dos seus olhos soltava-se a sua própria imagem, cheia de dúvidas e desesperos. Havia um sonho consumido pelos beijos que a unia naquele abraço terno a si. No silêncio somente ela existia, o seu desejo pertencia-lhe, assim como a sua vontade de viver. A sombra descolava-se da Alma, escondendo a insegurança do dia-a-dia. Os dedos percorriam a esperança desprotegida de si, no seu mais perfeito silêncio.

Apeteceu-me

"O silêncio é nosso, por mais que nos gritem" Charles de la Folie

quinta-feira, julho 16, 2009

Espelho (de nós)

(…) Sentia-se única, como a solidão, como o céu e como o desejo de ser horizonte. Ao certo revelava-se na sua ingenuidade, como se a noite nunca tivesse abalroado o dia e o dia nunca tivesse despertado perante o breu. O coração apertava nos silêncios e as borboletas esvoaçavam naquele espaço recôndito, escondido perto da Alma. Um respirar fundo que albergava nela todo o calor natural de um Verão antecipado. Uma cidade, o empíreo e o fervilhar de todos aqueles seres que a tornam o centro de tudo – única – como qualquer outro ser, daquele tumultuoso bem-estar.

(…) Parou no meio do nada. Pensava se a vida que vivia lhe pertencia. Porque não ao destino em que não acreditava! Era uma dúvida que lhe havia de persistir durante a sua existência, fosse ela curta ou longa. Lá ao fundo pairava a imagem perdida do nada, um principio de tudo. Talvez fosse isso o que procurava, a sua própria identidade. Mais longe, apartada do real ou tão-somente deslumbrada com a distancia, um pequeno sorriso, apenas isso.



(…) Rasgava o silêncio da água ao sabor do vento. Refrescava a paixão perpétua de se esconder para sempre ali. Nem por isso perdeu o sossego do momento, arrastou o pensamento com ela, naquela jornada indelével. O corpo dançava ao som de pequenas melodias criadas pelo seu espírito. O ritmo o mesmo de sempre, guardado no segredo da sua solidão acompanhada. À sua volta, somente o eco das suas barreiras.

(…) Esfregava os olhos, quando se apercebeu da realidade que a acompanhava. Bela a forma como a luz do dia lhe recaía, recortando o seu corpo numa silhueta perfeita. Cheirava ao fresco das pequenas imagens do dia. O sorriso nascia pela primeira vez enquanto acordada. O respirar entranhava-se nela, assim como o sangue quente que lhe alimentava o corpo. Descobriu os contornos do sonho que acabara de ter – o segundo sorriso do ainda recém-nascido dia -, era isso que lhe conferia a particularidade de ser única.

Apeteceu-me

"Revolta-me o medo da ilusão, assim como me revolta a ilusão do medo" Charles de la Folie

segunda-feira, julho 06, 2009

Cálculo cénico

(…) Permanece imóvel, por um segundo apenas. Um pensamento desequilibra toda aquela quietude orquestrada pela sua frieza. Uma lágrima percorre-lhe o rosto, como aquela nuvem melancólica que a sombreia. Refresca a garganta com a sua própria saliva, em pequenos movimentos de ansiedade. A respiração altera-se, o peito consome-se num movimento repetitivo – como o deslizar da água do mar sobre a areia fina da minha praia –. Mais um passo, mais um pensamento que se exclui da minha consciência. E por ali fico imóvel, como sempre.

(…) Quando descobriu que dia era hoje, descobriu também que toda a sua vida tinha passado sem – ele – dar conta. Mais um dia a juntar a um passado escondido pela ânsia de viver o próximo, esgotando sempre a possibilidade de permanecer no presente. Nada disso faz sentido, se não existirmos. Apesar da existência por si só, não representar nada, nem mesmo o enorme vazio em que a vida assenta.


(…) Estava pintado em tons alaranjado, e assim permaneceu, naquele fim de tarde, o empíreo! Tinha um cheiro diferente de todos, fundia-se pela imaginação. Os sons, acompanhados pela aragem – que corria e corre – emancipavam-se do desespero provocado por mais um sorriso encenado. Há um palco vazio, um ponto sem retorno e uma vontade de representar a sua própria desistência. Uma premonição da vida que se segue.

(…) A queda era evidente, a altura considerável – devido à sua não idade –, mesmo que isso representasse o tempo e não a celsitude. Suspirou antes de se mover daquela quietude perturbante. Pela primeira vez, naquele segundo, formatava um esboço de um sorriso. Contido, mas supunha-se que existissem outros seguidos, plenos de um vício que é sorrir. A dor, dava lugar a mais um vazio, agora pertencia-lhe a obrigação de o preencher.

Apeteceu-me

“Calcular o tempo entre a vontade e o querer além de utópico é impossível” Charles de la Folie