terça-feira, junho 26, 2007

1 Segundo (de mudança)

(…) Ali estava eu de braços abertos a espera que a vida se encaixasse em mim.
Sentia o tempo a passar, roçava-se pelo meu corpo, contornando as formas que ele me ia dando, cravava marcas cada vez mais fundas. Movimentava-se a minha volta sem conversar, sem dizer, sem explicações, sem nada. Era impotente para o parar, mas recordava-o dia a dia.

(…) Parava no momento, ali cravada no fundo azul e via, o que foi, o que era e o que tinha. Por muito que ele me deixasse no limite sentia cada vez mais afecto por mim, estava viva e em harmonia com os meus sabores, assustava-me com o definhar que por ai vinha. Um dia, esse dia viria, estava na altura de pensar nele, sabia porém como a minha mente era forte, por isso antes dele chegar teria de me percorrer com cuidado.





(…) Olhava para mim como nunca o tinha feito, tinha a sensação de ter herdado um corpo novo, com novas sensações, com novos limites, tinha na ideia os interesses simples que o meu corpo me ia segredando. Imaginava-o e só isso me deixava louca. O meu deleite, a minha volúpia, estavam descontrolados, sem regras, sem horários, sem personagens. Estavam simplesmente ao abandono da minha fértil imaginação que se ia erguendo cada vez mais forte.

(…) Naquele momento em que estava parada de braços abertos a espera que a vida se encaixasse em mim, revelava-me, defrontava-me, percebia-me sem entender o porquê de o ser, de o querer, de o desejar cada vez mais. Não havia duvidas a minha vida estava a mudar. Tudo que tinha conquistado, fazia parte de um passado longínquo, oblíquo, sem saudades, sem historias que me envergonhassem, sem me conhecer. No meu passado não havia rostos, nem sensações, só uma mão cheia de ilusões, que foram sempre ficando para trás, violando-me e violentando-me todos os princípios.

(…) Num segundo, redescobri-me, senti a aragem a percorrer-me pela face, senti o fresco da relva que pisava a entrar-me pelo corpo. A minha túnica dançava com espírito do vento, roçava-me os seios com a afabilidade do linho, com a candura de uma pele que se esfregava em algodão. Crescia em mim a vontade de me ter, de me consumir no tempo, que ia passando por mim e dava-me a oportunidade de me reaver.

Apeteceu-me


"Temo que o TEMPO não se aperceba da nossa existencia"! Charles de la Folie

domingo, junho 17, 2007

Duche

(…) Chegava cansada, vinha de longe, por vezes de muito longe. Uma mulher simples, de silhueta limpa, contornos perfeitos. É uma mulher sozinha, mas nem por isso só, nem amargurada, a solidão, a palavra e a acção, não fazem parte do seu vocabulário, é uma terminologia proibida mesmo do seu léxico.
A sua maneira de andar, a sua forma de ser, o seu contexto na vida era discreta, de uma discrição ilusória, porque por onde passava o seu perfume emanava sensações de explicação difícil, como o arrancar violento de uma pena ao sabor de um vento qualquer (claro que isto não quer dizer coisa alguma, mas demonstra o encanto qual modelo na passerelle).


(…) - Todos os dias chegava a casa e gostava de saborear, todos os meus pequenos momentos.
Prazeres como a comida, como a música, ou mesmo a simples contemplação de pequenos objectos que me recordavam viagens por mundos distantes que eu adorava. O meu maior prazer e aquele que mais gostava de retardar pelo gozo, pela satisfação que me dava, o banho, aquele duche que me fazia recriar, recriar-me e recarregar-me.
Adorava, fazer tudo antes de me poder abandonar naquele que era provavelmente a minha maior prova de culpa de não me sentir só.


(…) Adorava despir-me para mim, gostava de o fazer a olhar para o espelho, despertar-me e olhar-me como se fosse a primeira vez que me examinava, gostava de saber se tudo ali estava. Era soberbo como o meu corpo me excitava, olha-lo provocava-me sensações que não me lembrava de alguma vez as ter tido. Realmente são muito poucas as vezes que temos tempo para nos enamorar de nós, de nos enfeitiçar. Muitas vezes chegamos à cruel conclusão que o tempo se foi e nos esquecemos que existimos.


(…) Acendia uma vela, daquelas de fragrâncias distantes vindos de lado algum como se isso fosse importante. Procurava criteriosamente uma música que me levasse para outros locais a procura do meu cheiro, esse sim importante. Ligava o chuveiro. Estremecia sempre que levantava a perna para entrar dentro da banheira, o corpo latejava, sentia a agua aquecer junto dos pés, sentia que a temperatura do meu corpo ia subir para parâmetros muito superiores, só suportáveis pela minha imaginação.


(…) Gosto de abraçar o chuveiro contra os meus peitos e ficar ali alguns minutos no meu regaço a sentir a agua quente a embater bem perto do meu coração, e a escorrer como sangue a esvair-se pelo meu ventre até deparar com a minha vontade de me abrir. Fecho os olhos e deixo de sentir a água, são milhares de pequenas mãos a percorrerem-me. Devagar aponto o chuveiro a outras partes do corpo, a outros pedaços de prazer. Com a outra mão palmilho-me, afago-me, sinto o corpo a reagir, a arrepiar-se. Gosto de sentir o calor da água no meu umbigo.
Gosto de o (chuveiro) descer e sentir a agua, pura e quente a entrar dentro de mim.





(…) Penduro-o, deixo-a correr livremente sobre a minha alma quente como o prazer, e seduzo-me, mimo-me com “geles” de mil cheiros, que se fundem com o cheiro a natureza feminina que se liberta cada vez que me toco, que me esfrego, que dou conta de pensamentos que raramente se perdem.
Sinto que estou perdida, nos meus momentos de prazer, o dia esvai-se o cansaço já ali não coabita o stress de um dia foge em direcção ao esgoto.


(…) Passo as mãos pelo cabelo molhado sinto-o macio percorro-o, enquanto inclino a cabeça para trás e sinto a agua a bater-me no rosto. Passo-as depois pelos seios, sinto as suas extremidades na Palma das minhas mãos, esfrego o abdómen, acaricio as ancas e deixo-as deslizar pelas nádegas. Toco-me, sinto-me e desejo-me. Ao contrário da manhã quando acordo que desejo que o dia não comece, aquela hora desejo que nunca mais acabe.





Apeteceu-me





"Os dias passam e nós esquecemo-nos de nós". Charles de la Folie