terça-feira, novembro 27, 2007

Cruzamentos Pacificos

(…) Percorria a cidade de uma forma pacífica. Gostava de olhar ao meu redor e ver o que me acompanhava. A imensidão daqueles prédios que se perdiam no céu. Um enorme manto branco estendia-se pela 5.ª avenida abaixo. Lembrava-me dos tempos em que na minha terra acendia a lareira, mesmo sem companhia abria uma garrafa de vinho e deglutia-a por prazer. Faltava o cheiro… o cheiro da lenha a arder, do meu corpo em ebulição. Caminhava perdida à procura de achar o que ali me levara.


(…) Num outro silêncio, num outro mundo, numa outra realidade, ali estava eu. Despida de mim. Mergulhava o mais fundo que podia para redescobrir quem eu era. Tocava-me, sentia-me, acariciava-me, o corpo revelava-se. A minha alma enlevava-se em novos horizontes. Tinham-me abandonado, mas cresci. Houve dias em que me odiei, foram muitos infelizmente. Num beijo diferente, num sinal perdido, numa mensagem estranhamente enganadora, redesenhei-me. Sinto o toque dos meus dedos, que me fazem companhia.


(…) Continuava a passear tranquilamente na companhia dos edifícios. Pareciam dobra-se em forma de cumprimento à minha passagem. A força do vento fazia-os murmurar-me palavras sentidas. Erguiam-se portas… enormes portas que me levavam a sítios luxuosos. Entrava, sonhava com o meu corpo despido. Lentamente colocava cada peça, das mais belas já vistas no meu corpo. Abria os olhos e lá estava eu, do alto de mim própria vestida de mim.


(…) Antes de me tocar paira um sentimento de desconforto na minha consciência. Desvanece-se ao primeiro percorrer. Trinco os lábios, saboreio o sangue, humedeço o indicador. Indico-lhe um rumo em direcção a Sul. Percorro lentamente, descubro como a minha pele é macia. Rodopio-o em mim. Há uma força incontrolável no meu estômago. Ouço o meu arfar, desejo-me. Deixo-me cair naquele chão macio, e por ali fico em posição fetal.



(…) Dois arrepios de frio, quando olho para aquele colar de diamantes. O seu brilho cega-me. Imagino-o no meu pescoço, só eu e ele, despida. Percorro-me no espelho da minha imaginação e toco-me com o olhar. Suspiro desenfreadamente. O bafo quente que sai da minha boca forma uma nuvem no frio que caminha por ali. O vidro embacia, mas nem por isso deixo de estar nua, só já não vejo o colar. E sinto percorrer dentro de mim a sensação de prazer.

(…) Deitada num outro mundo, numa outra realidade, sorrio. As minhas mãos tapam os seios que se erguem de desejo. Respiro fundo. Respiro-me. Regressa a mim o odor que se liberta das minhas vontades. Humedeço os lábios enquanto me vou percorrendo. Caminho em mim num percurso de desejo. Libertam-se pequenos sons, gritos surdos da minha imaginação. Quero-me. Quero-me cada vez mais nesta minha nova descoberta.

Apeteceu-me


"Nunca sabemos realmente o que desperta em nós as vontades". Charles de la Folie



Este foi o ultimo dos textos da série - A minha Alma de Mulher -

terça-feira, novembro 13, 2007

O Jogo

(…) Gostava daquele ritual, de se vestir confortavelmente com as cores de sempre. Domingo soalheiro, céu azul sem nuvens, temperatura amena, sem ponta de vento. Gostava de sentir o som crescente dos adeptos, o fervilhar a volta do estádio. Olhava à sua volta, via-se e revia-se. Passo largo para não perder 1 segundo fosse do que fosse. No pescoço o cachecol de sempre, oferecido há muitos anos pelo seu Pai. Grande parte das vezes fazia-o por ele.


(…) Adorava o cheiro da relva molhada. Aquela entrada, entre o nada e o tudo… entre o cinzento do betão e o explodir do palco, verde de contornos brancos. Tocava-me na alma e no corpo aquelas sensações. As vozes aclaravam-se. Nunca tivera grande timbre para cantar, mas a minha voz, aguda por vezes esganiçada, parecia sair de mim mais alta que todas. Os cânticos percorriam-me a pele, arrepiavam-me como as mãos de alguém que já não se lembra de mim.



(…) Os minutos de espera são horas, a bola não rola, não rodopia, não se movimenta. Dentro de mim crescem-me vontades. O aroma a impacienta é descontrolado, os movimentos de cor, são desfasados. Sinto-me cada vez mais mulher dentro daquele palco de homens. Olho à minha volta, poucas são as que mordiscam os lábios. Que sentem o calor intenso dentro delas. Estão ali obrigadas e sem vontade. Pensam noutras coisas.


(…) Soa um apito, meia dúzia de segundos depois o meu corpo liberta-se. Grito, salto, protesto, rio e choro. Os cânticos ecoam, fazem eco dentro de mim,. Percorrem-me como dedos sensíveis que me conhecem e repartem. Fico desajeitada, amparo com a palma das mãos, de peitos esticados a minha zona lombar. Relaxo, fico com vontade… sento-me e perco posição. Jogada perigosa –, levanto-me de um salto, e levo as mãos à face.

(…) Reprimo, mais uma vez o árbitro. A posição falta-me, sinto por perto os vários bafos masculinos. Quais predadores no seu habitat natural. Cordiais, nem sempre. Grande parte das vezes os seus olhares desferem estucadas de morte das quais me desvio subtilmente. O meu sorriso é pelo prazer que tenho neste jogo. Sou seduzida por ele. Gosto das reacções que são produzidas em mim durante os 90 e tal minutos.

(…) É emocionante, tentar perceber como a jogada se constrói. Imprevisível a forma como vai correr. Do outro lado o desespero, são tentativas e mais tentativas. Deixo de pensar, fico vazia. Solto-me e deixo só os meus olhos funcionarem. A bola está cada vez mais perto do objectivo. O meu corpo torna-se numa enorme mola, comprimida a espera que a soltem. O pontapé é mortal. Solto um grito lancinante. Naquele momento todos os meus medos, problemas, até a minha vida desaparecem. Abraço-me, pulo, dou palmadas nas costas deste e daquele. Sinto-me latejar de prazer. Mais uma vez apetece-me gritar voluptuosamente.



Apeteceu-me

"Há a vontade de percorrer o teu sorriso, nem que seja só com o olhar". Charles de la Folie