(…) Nunca foi muito de pedir seja lá o que fosse. Naquele dia, naquela madrugada, saiu porta fora na esperança que o seu sonho se concretizasse.
Aquele cabelo desalinhado de quem acaba de acordar, os olhos ainda semicerrados, os cantos da boca ainda com resquícios de quem lambeu vários laivos de saliva que saíram com a emoção daquele sonho.
Os sapatos ecoavam naquele paralelo, naquela pedra de calçada em que as sombras pareciam tremer com o frio seco da madrugada.
O sol ainda estava escondido, muito longe dali. O casaco apertado com um cruzar de braços forte, contra o corpo que ainda escaldava da violência dos cobertores que apertavam naquela cama de casal ocupada por uma só alma.
O passo era decidido, um passo ritmado pela ânsia de encontrar, de ter de poder usufruir de um sonho, de uma vontade, por vezes um devaneio meio misterioso e incompreendido.
Os olhos começavam a abrir, as ramelas que se opunham começavam a quebrar-se tal qual gelo quando sente um whisky a encavalitar-se num a noite de copos.
Olhar fixo, começava a sentir os cheiros, os cheiros da madrugada, da labuta que ninguém conhece, mas todos sabem que existe. Dos homenzinhos incógnitos que apanham peixe e o levam para a praça, nos homenzinhos que fazem o pão e o metem nas padarias, os homenzinhos que transportam os nossos sonhos, em envelopes cravados a selo.
O seu sonho cheirava-lhe cada vez que se recordava, estava ali ao virar de uma esquina, começou a saborear aquela caminhada, olhou a sua volta, não viu ninguém que lhe fizesse frente ou mesmo que a fizesse esperar pelo seu sonho.
E… ao virar a esquina, quando descruzou os braços, e fixou o seu olhar naquela velha casa, descobriu que os seus são conteúdos de coisa alguma, são promessas adiadas no dia a dia… mas ali estava de frente ao que mais sonhava. O mistério dos seus sonhos poderia ser desvendado a qualquer momento.
Foi a i que percebeu, que no aconchego da sua cama aquele mistério duraria mais tempo, seria mais confortável, mais quente mais terno e que poderia acordar sempre que o desejasse.
Olhou mais uma vez e virou-se de forma repentina e foi sonhar novamente a espera que o seu sonho lhe revelasse a verdade do seu medo.
Apeteceu-me"Um dia vou-me cruzar com os pensamentos que se escondem na Lua" Charles de la Folie