quarta-feira, outubro 29, 2008

Não me lembro de ti, nem de mim

(...) Qual papel de donzela, limita-se a ser, somente isso. Na vida os papeis são distribuidos por nada de concreto. São simplesmente e por aí não há discussão. As sombras perdiam-se numa imensidão crua, sem que o destino tivesse nelas mãos. Isso provocava uma cegueira controlada, não se vê o que não se quer. Da mesma maneira que te escondes quando passas por mim, hoje deixaste que o dia te visse e não te perdeste, nem te refugiaste dele.

(...) Foi um salto felino aquele que vi na escuridão, da tua mente. Pregou-te uma partida, eu sei. Como sei que a verdade que me escondeste não sabia a nada, como a àgua. Só não percebo porque dentro de mim ainda sinto sede. Não só também medo. Continuas nessa sombra escondida, vejo o teu corpo transversalmente cortado ao meio, pela luz. És tu eu sei. Como sei o que é olhar para nada e desejar-te.

(...) As unhas cravaram-se no chão, foste puxada para um além distante – em ti tudo é distante é verdade. Confessas que estavas lá, só não me lembro desse local geométricamente desenhado por ti. Também não me lembro de ti. Desculpa, também não me lembro de mim. Choro pela minha alma que nem sequer sei se existe.


(...) Segredaste-me que afinal te lembravas. Só não me lembro do que te deverias recordar. As tuas palavras souberam-me a silêncios perpétuados em pequenos quadrados, recolhidos de lugares nenhum. No meu mundo já não há lugares, deixaram de existir. Nada existe o mundo ficou branco, provocado por uma espiral de desespero. Afinal lembro-me que o que querias dizer, pediste-me para partir e eu quebrei o silêncio e gritei.


“As palavras proferidas nem sempre têm o mesmo significado quando escutadas:” Charles de la Folie

quinta-feira, outubro 09, 2008

Canto de mim

(...) Quando descobri o teu lado vazio, dormia pelo menos há mil anos. Não me recordo do teu aspecto, da cor dos teus olhos, do teu cabelo, nem sabor dos teus beijos. Lembro-me apenas do teu cheiro – uma pequena brisa de volúpia em tons carmim – diferente de todos os outros que alguma vez presenciei olfativamente.

(...) Aquelas mãos macias não podiam ser minhas – as minhas estavam atadas –, tinham que pertencer a alguém perdido entre a vontade e o desejo. Suaves e doces como o mel, recolhido da sua própria vontade. Mantive dentro de mim a vontade de lhes tocar, não tive coragem de lhe pedir que me acariciasse no meu leito de morte.

(...) Vi nitidamente a cor do teu odor – uma transparência irreal, presa na minha imaginação -, um tom pastel, sublinhado a carvão. Na realidade não me recordava de ti. Sentia a tua presença naquele vazio transposto por mim. Nem sequer entendia esse vácuo, a diferença entre o mutismo gerado à volta do que eu pensava sermos nós, puro engano. Estavas sozinha.

(...) Não consegui prever a minha morte, mas ali estava estático perto de ti. Sentia o teu respirar, como um ciclone que transpunha a minha barreira ilusória. A lágrima que se desprendeu do teu rosto, tocou-me fundo e ecoou durante uma eternidade. Muito mais que aquele ranger de dentes durante a paralisia do meu fenecimento. Irreal dentro de um mundo real e fingido. Será sempre assim, mesmo que não me lembre.

(...) Percebo agora a tua mensagem quando escreveste: “Leio-te pungentemente, até que a morte nos separe”. E depois lembrei-me, e se lesses as mensagens ditadas pelo meu corpo. São telegrafadas em pedaços de satisfação. O corpo rasga-se delicadamente sob a incidência do teu olhar e ali fico. Posso perguntar por ti?


Apeteceu-me

“Nem sempre o sonho é corrompido pelo acordar mais longo da nossa vida”. Charles de la Folie