quinta-feira, novembro 12, 2009

A existência de nada

(…) Tinha acabado de se deitar sobre o seu silêncio. Irracionalmente aqueceu-se em si, numa solidão acompanhada, mas consentida. A sua imagem projectava-se, no branco da parede, riscado pela luz que ultrapassava os estores entreabertos. Imóvel, apenas o pensamento circulava numa espiral indecisa e vertiginosa. O som do ponteiro dos segundos, crescia, num irritante compasso do tempo e da vida, cada batida era um momento que já não voltava atrás.


(…) O confronto corporal, decidido pela cobardia de que nada se passa, ocupava o raciocínio que se ia toldando por si só. O medo de envelhecer, não ocupava mais que o próprio dia, a noite ultrapassava em constantes transgressões. O sonho permanecia naquele sulco mais dividido da noite. Um respirar leve, um movimento melífluo, faziam com que o reflexo de si criasse uma espécie de siamesa. Um alter-ego que nunca se viria a revelar.


(…) O leve beijo que irrompe sem apelo nem agravo. O morder dos lábios que faz sentir o sangue quente do vazio. Rebuscam memórias que nunca irá recordar. A sombra permanece, esconde o movimento perverso das partículas que se suspendem no ar reciclado pelos seus pulmões. Os segundos ainda lá estão imperturbáveis, mas já não se ouvem. As mãos movimentam-se, o corpo ajeita-se, descola-se do lençol que nunca irá ser seu confidente.


(…) Há um regresso que não se sente. Um espírito que não se encontra. Um desejo que não se concede. Apenas o sombreado do sonho vagueia entre o murmúrio da sua mutabilidade. O revérbero apela para que se deixe a passividade do tempo para trás. Os olhos vibram. Há um movimento perdido dentro das pálpebras que persistem fechadas. Um primeiro contacto com nada provoca um suspiro, um segundo, um pensamento. O perímetro do dia foi aberto. A vida vagueia por ali e a morte também.



Apeteceu-me


“Percorrer o medo com os dedos não é sinal de cobardia, apenas disso mesmo”. Charles de la Folie