sexta-feira, junho 26, 2009

Ódio (Inveja)


(…) Rebentou com o último sorriso passava pouco das cinco horas da tarde. Não era o sorriso que a preocupava, mas a falta dele – pensava. E se não voltassem mais? E se tivessem partido para longe, tão longe – na terra de «coisa» alguma – onde ninguém os conseguisse resgatar. A vida prendia-se num «Se» demasiado pérfido, quase intolerante. Afinal era isso que lhe consumia o brilho do seu corpo, de todas as palavras que se iam rescrevendo naqueles pequenos silêncios. Era o dia mais longo, daquele próprio dia.

(…) Fixou por um breve instante a expressão da sua face. Estava em agonia – num conflito – com o próprio espelho. A insegurança que se foi acomodando em si ao longo dos intermináveis meses. Estava representado naquele olhar. Numa tela sem cores, sem desenhos, sem representações, apenas ela mesmo em tons pastel. Inviolável e impenetrável pela surdina dos comentários recheados de malevolência e cobiça.

(…) Semblante fechado, naquela imagem quebrada há segundos atrás. Estilhaçada em milhares de cacos, produzindo um puzzle mental sem resolução aparente. Um dia apenas é o necessário para tudo se perder. Um apelo reproduzido no seu próprio eco penetrava lentamente na música do seu corpo. Na fronteira entre a indiferença e o passo em frente, ou as duas juntas num linha paralela. A culpa é um vicio.

(…) Apenas um minuto depois das cinco, o sorriso voltou como sempre. O Sol ultrapassava a teimosa nuvem que se acantonara na sua frente. O passo era largo, mas pausado. Os pensamentos desconexos de uma realidade que não a sua. A coerência da sua vida era suportada pelo seu respirar. Havia porém uma nuvem branca, onde sentado, descansava a vista sobre a cidade e que cidade.


Apeteceu-me


“Que importam as pessoas se não te importas contigo mesmo!” Charles de la Folie

domingo, junho 14, 2009

A Morte (nem sempre) saiu à rua

(…) Recordo aquele sentimento de morte. Da própria extinção do meu respirar. Agoniante apesar da calma, desesperante apesar do silêncio. Não me ocorreu uma ponta de medo, embora o escuro e a solidão. Até na morte nos sentimos sós. Seguramente triste pela indiferença. Suavemente agoniado com o protelar de um destino, se é que ele existe. E nós, onde fica a verdade de um «nós», tanto Universal como personalista. Vazio entre homens.

(…) Esteve presente – ela – enquanto cambaleava à procura do ar que me faltava. Enfrentei-a com dignidade, entregando-me. Venci-a. O ranger da porta numa madrugada amena, não despertou a curiosidade alheia. Nem nesse momento em que me deixei prostrar, sem forças para lutar, soltou-se-me a violência do desespero em forma de lágrima. O sufoco não me deixava gritar, nem podia. Estava em agonia.



(…) O cinzento da noite recai-me sobre o tronco. Ergui os braços ao Céu até soltar a vida e protelar a morte. Mesmo só, numa solidão imensa e intensa, a vida reerguia-se. Do alto o som dos passos que se iam escondendo numa impudência volátil. As portas trancavam-se, as luzes acendiam-se e voltavam a uma escuridão pérfida. Restava-me a minha esperança, aquela que se deita todos os dias comigo e me abraça num sufoco intenso. A mesma que me faz recordar a saudade.

(…) Sinto os pulmões a encherem-se de ar. Sinto uma brisa a entrar como a Primavera a chegar. Há vida, mas foge o momento. Há um segundo que se esvai numa hora inteira. Como o mundo que rodopia sem que ninguém se aperceba. Como o desejo ultrapassa o medo e nunca mais regressa. Hoje estou vivo, apesar de a Morte me ter rondado sem que eu fosse uma personagem.

Apeteceu-me

“Nem sempre uma resposta antecede uma pergunta” Charles de la Folie

sexta-feira, junho 05, 2009

Um dia na Cidade que me viu crescer

(…) Pernoito no desejo de crescer, de mostrar um lado diferente daquele que a Lua conhece. Não me lembro dos rostos, somente dos contornos. Do halo provocado pelo calor que nos liberta e molda – de uma forma simples –, apenas isso. Há um sorriso como muitos, metediço e leviano. Há um medo. Solta-se a palavra, de um momento para o outro liberta-se. A ansiedade reduz-se ao mais pequeno ponto dentro de nós, esse mesmo que nos vai construindo, num ensaio constante. Desmorona.



(…) Num pequeno trago de água, encontro os teus lábios perdidos na perspicuidade do desejo. O vocábulo reencontra-se com o espaço, indiferente à verborreia desenfreada de sentimentos que se abatem na saudade. Os cheiros misturam-se com as imagens de outros tempos. As muralhas do condomínio de outras épocas, abatem-se sobre – uma visão escurecida pelo – medo. A música que se esconde entre dedos, num tamborilar quase enervante, fala-nos de nós [gente].



(…) Aquele respirar ofegante que se solta em pequenas taquicardias, preenche o peito de dor, até rebentar vazio. Os olhos permanecem fechados à procura de sinais, pequenos vestígios irresolutos do ser e do não ser que se emprega na frase que ainda medeia a vida e a vontade de a ter. Fixa-se a imagem plana de um tecto alto, falso de preconceitos, sólido e robusto no seu recorte. Sobram os sussurros do meu «ponto» que continua sem me dar uma resposta. A pergunta é letal, a réplica de uma angústia fatal e sem retorno.



(…) É apenas a minha cidade, Santarém, não é Macondo, do Coronel Aureliano Buendía – repeti em desespero. Percorri a pergunta naquele silêncio que nos mata e alivia. Não havia ninguém na sala, ficou vazia no segundo momento em que a olhei nos olhos. Tinha que estar vazia, como a minha alma – minto. Estava elevada, sentia-me e sentia. Não era em vão que ali estava, as palavras iam ficando submissas à minha paixão e tornavam-se poderosas. Como poderosas são as que percorrem as páginas de «O Ladrão de Livros».



Apeteceu-me
“Não acredito nos passos falsos que não nos levam a lugar algum” Charles de la Folie