quinta-feira, março 31, 2005

(Fogo) Cruzado IV

(fogo)Cruzado

(...) pois é mesmo aquele “gajo” que deve ter desfalecido já algum tempo por ali e só de pensar que ele saiu de dentro de mim, ai que horror um aborto, áh as coisas que eu pensava, aliás as coisas que eu adorava pensar. Pensar mantém-nos vivo e de que maneira naquele momento bem precisava de estar vivo, mas não era o único que precisava de mim vivo, não vai faltar muito o Vasco vai irromper por ai aos gritos, ai vai, vai ele é que ainda não deve saber, quando a dona Henriqueta lhe der aquela carta.
O que eu precisava agora mesmo era, um bocado de alma, de espirito, para poder vislumbrar o que se vai passar neste sábado que já arranjaram maneira de, pois ia dizer que estragaram, mas acho que não , que não estragaram mesmo acho que vai ser uma daqueles dias 5 estrelas, mas tenho mesmo que ir a casa de banho. Deixa cá ver o que terei ai para ler... mas a Palmira também ia ter uma bela surpresa se não a teve já, pois será que ela já teve? Não acredito que a mãe fosse capaz de abrir a carta e contar a filha o que lá está escrito, mas nunca se sabe, mas se isso acontecesse já havia por ai gritos, e quem sabe uma ambulância a porta do prédio.
Bom, vou a casa de banho, sentar-me no trono, aquele frio fazia-me estremecer o corpo, o frio do... qual do... da peida a assentar na sanita, provocava-me aqueles arrepios na barriga, quando uma pessoa cruza os braços e dobra-se sobre o abdómen, a espinha parece amolecer para depois fazer de mola e catapultar os nossos olhos para fora da orbita, e depois, e depois olhamos para o espelho que fica logo ali para ver o ar de estúpidos que temos ali sentados no trono, é mesmo ar de estúpidos e de quem não sabe o que fazer, é quase como quando achamos alguém muito giro, e estamos durante dias a preparar um discurso todo pomposo e depois chegamos ao momento da verdade e bloqueamos e ela diz-nos tudo aquilo que nos deixa com aquele ar de casa de banho, um ar desconcertante, talvez dai aquela expressão “foi uma ar que lhe deu” é um ar de casa de banho. Ficas com aquela cara de quem comeu e odiou, mas enfim tinha mesmo de ali ir, e é inútil pensar que conseguimos outro ar, ou sobreviver sem termos de lá ir, temos mesmo de lá ir que ninguém duvide disso. Mas o ar também não melhora, quer dizer o ar de Ar, oxigénio, hidrogénio ou coisa que nos valha, esse melhora quando vamos a mata ou temos que ir a mata, ao campo, mas o nosso ar esse não melhora nada, quer dizer acho eu não é que por ali haja espelhos, mas estou a ver e a lembrar-me, primeiro a busca incessante de uma belo esconderijo para a obra de arte, depois ver e sentir se há alguém por perto, depois descobrir como se pode fazer a coisa sem acontecer nenhuma desgraça, puxa-se as calças para baixo, os boxers desvia-se cuidadosamente os pés, ajeita-se bem o cenário dá-se mais uma olhada em volta, sempre com alguma ponta das calças na mão caso apareça alguém para as puxar-mos rápido, depois dessa ultima olhada, os sentidos tem de ficar alerta, atentos, baixa-se, a posição é a de cócoras, o equilíbrio tem de ser perfeito, os pé tem de ficar desviados do centro de despejo, ali do raio de acção do alvo, tem de ser num sitio de ervas rasteiras para evitar cócegas desnecessárias, depois é só, é só, revermos estes passos todos e vermos o nosso ar, é mesmo um ar que nos deu, mas se revermos bem vemos que o nosso ar vai ser bem pior quando virmos que falta qualquer coisa, claro que falta, agora imagine-se o nosso ar, a pensar:- e agora onde vou limpar?
Claro, claro, alguém conhece uma ar mais idiota que este?
Claro que conhece, o ar de andar com as calças e os boxers puxados para baixo, a prenderem os pés e andar por ali, a procura de folhas decentes que não se desfaçam na mão. Pior mesmo só quando aparecemos depois ao pé de alguém com aquele ar meio encolhido, meio envergonhado, meio enojado, que só falta termos um letreiro, na testa a dizer fui “cagar” à mata e não tinha papel.

Apeteceu-me

Há 20 anos quando desci à capital deparei com esta "Mulher", com um "M" muito grande
fez-me voar muitas noites, quem sabe se não lhe devo alguma das minhas "coisas" boas.
Uma mulher sem preconceitos e com uma vontade muito grande de viver, pelo menos num mundo a parte.





20 anos depois, precisamente no dia do Pai fui encontra-la a vaguear por ai, onde se cruzou novamente comigo, encontrei a mesma "Mulher" com a mesma vontade de sonhar, viver e ensinar, uma mulher sem preconceitos e que não se queixa.
Chama-se Teresa Ricout, os amigos chama-lhe, Tété "manda" no Chapitô há muitos anos,foi a primeira Mulher Palhaço e é a unica que conheço.

"Adoro viver cansado de sorrir"
Charles de la folie

quarta-feira, março 30, 2005

Cherchez le Garçon

Cherchez le garçon

(...) Tinha uns olhos penetrantes, negros, escuros muito escuros e ainda os sombreava para, os realçar mais, o seu cabelo escorreito e da cor da noite, deambulava pelo seu pescoço, era uma “Miúda” sensual, directa e... pouco mais se sabia dela só que era enigmática, um bocado indecifrável, mas como todas as mulheres... implacável, segura de si, doentiamente segura de si, mas havia nela algo que a perturbava, não se sabia a razão ao certo mas por vezes os seus olhos pestanejavam, havia algo dentro dela que não batia, não correspondia, a sua fé inabalável estava a ser traída por algo, alguma coisa mais complicada, mas que aos olhos do mais comum dos mortais, não tinha qualquer solução.
(...) Triste, mas com uma fé inabalável, seguro como o aço, percorria todos os caminhos possíveis da sua mente, na sua missão de vida ou da sua maneira de estar na vida. Quem o conhecia via nele alguém sempre com uma solução, um desenlace, tinha sempre algo de inesperado na sua manga, fazia magia á sua maneira.
Na sua busca de soluções eliminava as suas duvidas mesmo que fossem, dolorosas, mesmo que fossem um massacre, era como um comboio em andamento, já nada o fazia voltar atrás, a sua espera estava preste a terminar.
(...) Afinal Luxuria era o seu nome, orgulho o seu sofrimento, era um problema de grave solução era um choque de vontades, aquilo que a sua mente dizia, não tinha nada a ver com a sua vontade, mas a sua vontade também colidia com a sua mente e assim sucessivamente, até se formar uma espiral que obrigava a paragens progressivas, mas sem motivação aparente, mas a sua graciosidade não se esvanecia, parecia imperturbável, mas magoava e a solução não parecia perto.
(...) Ele, protegeu-a sempre, nunca lhe quis mostrar a realidade, não era mentira, mas a realidade podia ser muito mais dura, que alguma vez se podia imaginar por isso meteu mãos à obra, mas ninguém o entendeu, ninguém percebeu porque ele fez isso, mas era obvio, por pura protecção, pura vontade da busca de soluções, para que ninguém soubesse o que se passava, nada que fosse incompreensível, mas a vontade de complicar muitas vezes desfazia outras vontades outros saberes e desejos.
(...) Ao fim e ao cabo ela com aquele olhar, com aquelas certezas apesar do seu ar frágil, terno e meigo, continuava a procurar o seu rapaz, talvez fosse isso que procurava, aquela “Miúda” de ar frágil e personalidade forte.
(...) No meio daquele turbilhão de emoções , banalidades, frustrações, vários padrões de energias subsistiam por ali, eram duas auto estradas de velocidades estonteantes, que se cruzavam vezes sem conta e nunca se encontravam. Até que um dia um grave despiste fez o inevitável um encontro com o imprevisível, afugentou as mortes e aproximou os desejos, naquele dia os corpos encontraram-se em fusões múltiplas, mais uma vez o amor vencia as barreiras de coisa alguma, as fronteiras da insensatez e da ilusão, afinal aquelas duas personagens nunca existiram eram apenas... isso mesmo. Naquela altura o rapaz já era um homem.


Apeteceu-me

"A procura é como o desejo, chega sempre em forma de sonho" Charles de la folie

terça-feira, março 29, 2005

Sobre(aviso)vivência II

Sobre(aviso)vivência


(...) Estava um dia solarengo, com uma claridade fora de normal, mas estava um frio incomum, muitos graus negativos. A luta ali pela sobrevivência era barbara.
Estávamos nos confins do mundo, onde os peixes, os pobres peixes lutam contra a corrente, o salmão que luta rio acima para desovar e morrer, uma morte descansada depois de deixar a sua marca,é o seu ciclo de vida, onde depois tudo volta a acontecer, descem ao oceano, para voltar rio acima, desovar e morrer, mas nem todos sobrevivem aquela caminhada constante.
Aquele não era um dia especial, nem tinha nada que fosse digno de realce, mas era um dia... mais um dia, todos os dias eram mais um dia, mais 24 horas, mais uma série de minutos, de segundos, mas nada com que fizesse que a vida parasse, que o ciclo de vida deixasse de funcionar assim como ele era.
Não sei se era uma pradaria, se seria uma estepe gelada ou se seriam ambas a mesma coisa, eram e era um local, onde se podiam ver as alcateias de Lobos lá ao fundo, sempre juntos em perfeita união com... e naquele espaço, mais perto do rio podiam-se ver dois ou três ursos de grande porte com um ar simpático, podia-se imaginar o cheiro nauseabundo que deviam emanar, um cheiro a peixe podre amadurecido com o cheiro normal que um animal deita, se juntarmos a esta formula o seu tamanho, o seu notável e distinto tamanho, imagina-se o cheiro, o bafo que a “ Besta” emana. Mas não seria por certo aquele cheiro que ia deitar por terra a esperança daquele espaço, nem o cheiro, nem o frio, nem a luminosidade, de 24 horas sobre 24 naquela altura do equinócio, também ninguém sabia, se aquela terra iria se prostrar perante algo ou alguém, talvez fosse esse o mal, ninguém saber, ninguém se importar, nem saber, nem querer ou quererem saber, a indiferença, a indiferença da humanidade de se importar com qualquer coisa, fazia-me lembrar os cilindros que acalcam a terra e endireitam as estradas por onde passam “pisam” e “repisam” tudo.
Mas naquele momento pouco importava, até porque o ocaso, o crepúsculo, por ali durava pouco, mais que uns minutos, uns infindáveis minutos e maravilhosos minutos, uma contradição imensa, como aquela vida que por ali perfilava, era uma contradição imensa, a natureza é contraditória, mas isso faz parte do ciclo da vida, ao contrário das contradições humanas, o homem não devia contradizer-se ou por outra, a duvida devia fazer parte constante do homem, é na duvida que se chega a certeza, ao ritmo de vida, ás palavras que se ordenam em forma de poema, a vida é isso, a natureza não é mais que um enorme poema cheio de contradições.
Naquela estepe, ou pradaria, onde os lobos não tinham noite para uivar, onde os ursos não tinham arvores para trepar, onde os peixes subiam o rio para morrer, a vida passava num suspiro, enquanto os murmúrios do vento frio, do vento que enregelava qualquer humano pela forma gélida de agir e de pensar, pareciam dizer aqueles murmúrios que ali o tempo não queria parar, mas também não conseguia avançar, estava atravessado, entalado, não emperrado, a engrenagem movia-se ao ritmo normal, mas o tempo esse parecia não fazer mossa, mais uma contradição, mais uma daquelas contradições, que ninguém se importa.
Mas naquela pradaria, naquela estepe, tudo se movia com uma graciosidade, a antiga luta pela sobrevivência, entre seres mais fracos, onde nem sempre o topo da cadeia alimentar acaba por prevalecer, onde os predadores também se abatem, era bonito ver as lebres de pelo quase branco, onde se confundiam com os milhares dentes-de-leão a espreitar sobranceiramente e atentamente como quem dança a espera da luta final. Também os lobos, que em quatro passos paravam para observar tudo a sua volta, mais quatro e mais quatro, infinitamente mais quatro, assim como os ursos, como os salmões, como os esquilos, os castores que faziam enormes represas de fazer inveja a qualquer contradição dos humanos.
A vida ali era levada ao estremo, ao estremo do dia a dia, a milhares, milhões de anos de dias que sobrepunham a dias, estranho mesmo, porque eram sucessivos quatro passos e depois observavam tudo a sua volta, a vida modificava-se, a paisagem crescia, mudava, moldava-se e aqueles quatro passos... mantinham-se.


Apeteceu-me

"Sinto o peito rasgado de tão perto que estive do fundo" Charles de La Folie

sábado, março 26, 2005

Esquina (PONTE)

Esquina (Ponte)



(...) Era o método, talvez, talvez fosse o medo afinal que o levasse a fazer aquele tipo de coisas, até porque não eram coisas banais do dia a dia, eram mais que isso, eram afazeres, afazeres normalissímos que o mais comum dos mortais faz, ora agora, ora mais logo, mas ali parecia metódico, não havia desvios das suas tarefas diárias o que tornava um ser enfadonho, sem vontade própria, sem ponta de auto-estima. Num daqueles dias, mais um que passava de uma série de dias infindáveis, revoltou-se com ele próprio, chutou contra qualquer coisa que estava pelo chão escorregou, caiu, bateu com a cabeça na esquina de qualquer coisa. Nada melhor que uma esquina para se parar, encostar e ver os vários ângulos do que por ali se passa, a visão periférica torna-se mais aconchegante, mais certa, mais verdadeira, mais qualquer coisa, ou seja menos rectilínea.




São as esquinas da vida que nos despertam, que em vez de nos afunilarem os sentimentos, dão-nos alternativas, basta encostar-nos e ver as soluções que ali se tornam de múltipla escolha. Aquela esquina deu-lhe vontade de dormir, desmaiou e adormeceu, um sono profundo. Estava deitado no mármore frio, estupidamente frio, de um chão limpo, estupidamente limpo, acabado mesmo de limpar. O seu corpo inerte, estava de lado enroscado como quem está a dormir, parecia de propósito, mas não. Tinha mesmo caído, estava mesmo magoado, tinha mesmo sangue, tinha, mas estava deitado com uma tranquilidade impressionante, as mãos estavam unidas puxadas até ao cimo da cabeça que despenteada assentava sobre elas, que faziam de almofada, os lábios estavam com um vermelho intenso de sexo, de quem está perto de um orgasmo, os olhos fechados, tranquilamente fechados, as suas pálpebras não estavam tensas, sentia-se actividade cerebral, porque notavam-se pequenos movimentos por dentro daquelas membranas finas e tão especiais, o corpo estava curvado, aconchega-se a si próprio. Aquela queda, aquela prostração, parecia mais um aconchego, que um qualquer desastre doméstico que vítima milhares de pessoas por ano.
Parecia ali abrir-se uma janela nos seus pensamentos, que corria a velocidade alucinante dentro do seu Cérbero, espirais de luz, fluxos de pensamentos, histórias que corriam estonteantemente por ali, os seus lábios vermelhos de sexo, esboçavam pequenos sorrisos, a sua face contraia-se levemente, a testa enrugava, e aconchegava-se como se os seus sonhos o estivessem a levar para sítios que só os predestinados tem direito.
Aquela janela levava-nos a imagens que corriam desenfreadamente, um desfilar de emoções que começavam desde que se conhece, desde a sua existência, eram imagens de todas as cores, formas e feitios, eram imagens de vida, da sua vida dos seus mais recônditos pensamentos, dos seus pensamentos mais clandestinos e mais obstinados, de uma beleza rara.
Uma imagem parou, focou e desfocou varias vezes, ficou côncava, depois girou 180 graus para um lado 180 para outro, parecia que se ia dobrar ao meiou até a imagem, centrar-se com nada, com porra nenhuma, com coisa alguma, focou-se, de lá saíram uns grandes olhos, os olhos de felino rasgados esverdeados e penetrantes, era uma entrada para uma viagem, uma inversão do tempo, do espaço e da realidade, o paradoxo da realidade e da oportunidade de se saber qualquer coisa, era despropositada aquela sequência de viagens, quase absurdas. As quedas eram constantes, os cadafalsos, emitiam estranhos prazeres, admiráveis sensações, que naquela altura ditavam imagens pouco concretas, a realidade era outra, aquela entrada aqueles olhos rasgados, de olhar penetrante aquela entrada, era um túnel de entrada única, em que a sua entrada dava lugar a uma estranha viagem em direcção ás emoções de alguém perdido numa esquina.

Apeteceu-me

BOA PÁSCOA A TODOS

quinta-feira, março 24, 2005

Sobre(tudo)vivência

Sobrevivência

(...) Era um dia difícil, um dia com uma densidade enorme de humidade, de árdua respiração, lá dentro o calor era abrasador parecia brotar, nascer, aparecer, por debaixo daquelas placas de zinco que faziam de telhado. De casa pouco ou nada tinha, a não ser umas paredes finas, feitas de pedaços de madeira que apareciam por aqui e por ali. Portas não tinha, muito menos janelas era um luxo demasiado grande.
Lá fora naquele imenso jardim de Deus, naquela terra que parecia ter mão divina, onde o calor, aquela humidade quente que entrava pelas narinas e queimava a traqueia, era como que se bebesse de um só trago uma daquelas mistelas feitas a base de aguardente de cana, tipo grogue, só que mais forte, aquilo a que os índios chamaram de água de fogo.
O cenário era paradisíaco, o mar batia levemente na areia, milhares de coqueiros pareciam acenar para o oceano calmo e azul, as nuvens estavam altas, a aragem quente quase que não se fazia sentir, ali estavam aquelas pobres casas no limiar do que alguém pode ter para sobreviver.
Mas ali o tempo corria de uma outra maneira, de uma outra forma, a um outro ritmo, ali, a sobrevivência tinha um outro significado, não queria dizer chegar vivo a um outro dia, não, ali sobrevivência, tinha a ver com dignidade, a dignidade de se estar vivo, de ser feliz, de que a natureza nunca lhes falte nem as suas dadivas. Os pensamentos corriam e escorriam poesia, formas de viver só possível onde a inveja, a ambição, a cobiça, a ganância, não estejam presentes no dia a dia, onde essas palavras se atropelem por si mesmo e desapareçam pelo infinito da ilusão.
Ali, onde agua desce escarpas magnificas e que corre na esperança de voltar ao processo inicial de nascer e transformar-se.
Naquele dia difícil, dia de difícil respiração, em que o horizonte continuava fora do alcance daquela gentes, onde o sonho comandava a história, uma história feita de pequenos nadas do dia a dia, onde os velhos passavam aos mais novos os ensinamentos, os antigos ensinamentos que passavam de geração em geração, de gente em gente, onde os mais pequenos corriam a praia de uma ponta a ponta, a explorar antigos esconderijos de danças mágicas, pequenos segredos que chegavam pelo mar e correspondiam a tentações enfadonhas.
Era ali que os dias corriam ao sabor da vontade e do prazer, fazer amor por ali, era um acto continuo de sobrevivência, bastava andar por ali para se fazer amor, ali naquele lugar, o acto de fazer amor não tinha a ver com o convencional, nem com o gerar crianças, tinha a ver com aqueles dias, com a maneira como se viviam os dias, bastava ver o sorriso de cada um, para entender o que é fazer amor ali, naquelas paragens, era um acto de sabedoria, um acto continuo de saber viver cada dia, cada vontade, cada prazer, era um grito continuo de liberdade de poder andar de peito aberto pela asas da nossa existência e voar com a insistência de quem sabe o que quer.
Havia ali, notava-se, naquele dia de difícil respiração em que as regras não eram ditadas mas sim saboreadas, porque as regras não existiam mas sim o respeito por tudo, pela própria existência, só se “roubava” a natureza o essencial para os prazeres da sobrevivência, nem um peixe, nem uma fruta nem uma raiz, nada era desperdiçado, o desperdício não era julgado, porque ali ninguém julgava ninguém, os julgamentos ficariam para outras “gentes” em que eles acreditavam, seres superiores que os tinham criado, gerado e ensinado a serem o que eram, a ter aqueles princípios dignos de um sobrevivente, era essencial sobreviver-se daquela maneira, como era fantástico descobrir aquela pequena ilha no meio de nada, onde poucos ou mesmo ninguém saberia da sua existência.
Naquele dia de difícil respiração onde o calor abrasador, fazia o suor parecer uma cascasta, em corpos bronzeados, onde o suor se confundia com óleos naturais. Naquele dia, quando ouviu a sua mãe a pedir-lhe gentil e suavemente para arrumar os bonecos e a sua ilha que estava na hora de jantar, descobriu o significado da palavra UTOPIA.


Apeteceu-me

quarta-feira, março 23, 2005

Apneia (Alma)

Apneia



(...) Respirou fundo, fechou os olhos, contou até 10 com os olhos revirados para cima, respirou novamente fundo, concentrou-se ajeitou o pescoço fazendo varias reviravoltas para um lado e outro, respirou novamente fundo e atirou-se.
(...) lentamente mão após mão ia descendo. A água estava fria mas límpida, aquele encontro, quase olhos nos olhos com o Mar, era amar o Mar levado... quase levado ao extremo.
É uma introspecção, o relaxamento levado ao outro lado do inenarrável, do indizível, uma aproximação aos limites, aos reais limites daquilo que se julga ilimitável.
Aquele corpo estava envolto numa auréola de paz, conseguia pensar em coisas, que nunca julgou existirem pelo menos nos seus pensamentos, uma serenidade de espirito, uma harmonia, um sossego, era uma união entre o silêncio e a paz de, e do espirito.
A sua descida continuava, e a sua hipnótica visão da vida mantinha-se em crescendo, a respiração mantinha-se suspensa, cada segundo que passava ele via tudo mais claro, e nem sequer tinha a ver com o que realmente estava à sua frente, aquele cenário...




(...) era um de uma claridade fantástica os raios de sol rasgavam pela a água a dentro, pareciam setas a cravarem-se na carne, mas sem aquele barulho diabolicamente desconcertante, ali reinava o silencio e a calma. Uma série de cardumes andavam por ali, peixes de todas as cores, de todos os feitios, achatados, redondos, piramidais, rectangulares, quadrados, hexagonais, até parecia estar lá um em espiral.
E as cores? Eram tantas, lindas, havia uns que pareciam ter néons, lá em baixo no meio daquela areia fina, plantas que pareciam dançar, à volta corais e mais corais, e mais cores, muito mais cores, os peixes fazem voos rasantes, deambulam por ali , por acolá, imprevisivelmente andam por ali e por acolá fazem linhas definidas, com ângulos, os peixes são geometricamente perfeitos na sua maneira de andar ou por outra de nadar.
(...) pensava na sua vida enquanto ia descendo, pensava como aquilo que estava a fazer podia ser um suicídio, mas não era, mas pensava que era uma forma de morrer linda, numa inebriante forma de relaxar, de descontrair, de aliviar a ou as tensões.
Mas pensava na sua vida, nos amores da sua vida, nas suas paixões, enquanto continuava a sua descida, lenta mas segura, pensava em tudo o que tinha feito, como bela pode ser a vida,como bela é a vida, como é fácil e linear o que se pode pensar ali, naquele sitio, naquele bonito e deslizante forma de (a)mar.
(...) o ar começava a faltar, o oxigénio começava a não chegar ao cérebro, começava a alucinar, sabia que ainda tinha de fazer o percurso inverso, lentamente, mas sabia que tinha ainda algum tempo antes de o fazer, começava a ver tudo desfocado, parecia um caleidoscópio, com imagens lindas coloridas a concentrarem-se para um ponto no meio de algo, afunilava as imagens, girava-as, via pessoas à minha volta, muitas caras de gente que nunca tinha visto ou que julgava nunca ter visto, parecia um buraco negro, luzes e mais luzes a irem em direcção a ele, enquanto a sua descida continuava, aqueles segundos que faltavam entre a descida e a subida, aquela espécie de limbo que fica por ali, ouve uma altura em que já estava, já estava consumada a descida, agora havia que começar lentamente a subida, uma subida calma, muito calma, era altura de ir buscar as suas reservas de ar, que o treino ao longo dos anos o ensinou a guardar, os seus olhos começavam a ficar raiados de sangue, a sua pele começava a enrugar-se o seu corpo a ficar ligeiramente azulado, mas não podia perder o controlo, ali o controlo era muito importante, era preciso saber controlar tudo, os níveis de ansiedade, os níveis de resistência, de sofrimento, era preciso não entrar em pânico, afugentar aquele pavor súbito.
(...) a vida é linear, assim como os pensamentos, que por vezes tem avanços e recuos, mas naquele dia, aquele mergulho era mais que suspender temporariamente a respiração, era mais suspender provisoriamente qualquer coisa que naquele momento não tinha qualquer importância nem sentido.


Apeteceu-me

terça-feira, março 22, 2005

Paparuca

Paparuca


(...) Era livre sempre foi, chamavam-lhe “Estaline”, por pura ignorância, era livre, adorava ver pessoas livres, adorava sentir-se liberto de tudo.
(...) Chamavam-lhe “Estaline”, por dizer tudo o que lhe ia na alma numa altura em que só o facto de pensar servia logo para tentar acorrentar a dignidade de quem pensa, naquela altura em tempos idos o despotismo imperava, mas os homens, os homens mantinham-se livres e fiéis a si próprios, não corriam contra o seu espirito, apesar de parecer atordoados e adormecidos.
Mas aquele homem nunca se calou, mas tentaram cala-lo, naquele tempo dizem, a sua voz erguia-se em discursos intermináveis, por becos e travessas, muitas vezes ajudado por néctares que abundavam daquelas terras do Ribatejo.
Era um homem baixo, cabelo branco, escorrido e sempre penteado para o lado, pernas arqueadas da idade, bigode branco, não tão pequeno como o que celebrizou outro Ditador de outras paragens, mas era no género, maçãs do rosto bem definidas e roborizadas, não muito, levemente roborizadas, assim como o seu nariz. Os olhos, a parte mais dificil do seu corpo de explicar, era um Arco Íris de emoções, sempre brilhantes, muito brilhantes, como os olhos de um sonhador, eram verde, cinzentos azuis, mas as emoções, aquele Arco Íris de emoções, o que aqueles olhos diziam e transmitiam, ficam guardados para sempre, serenos, tranquilos e Hábeis a esquivarem-se, escondiam amarguras de outros tempos de outros espíritos.
Toda a sua força residia nas suas mãos e também no seu caracter, mas nas habilidade das suas mãos.
Nada lhe resistia, tinham o poder de nada lhe resistir, eram mágicas, atraiam as dificuldades para depois as superar, era um a habilidade incomum, fora do comum, não havia mãos como aquelas.
Tinha um Dom, Um dom que nasceu com ele, um presente uma dadiva, aqueles dotes naturais simplesmente revelaram-se, os Dons aparecem ninguém sabe como, mas tinha-o e sabia-o usar como ninguém.
Quantas pessoas são predestinadas e nunca os descobrem? Quantas pessoa, nunca imaginaram, nem descobriram que têm um Dom? ( não falo daquelas pessoas que tem o dom de irritar e de nos revelarem pouca seriedade)
Aquele Dom revelou-se, não havia fechadura nem cofre que lhe ficasse indiferente que não se curvasse perante tanta habilidade e respeito por aquilo que fazia, o prazer de o fazer até aos fins da sua vida.
Conta-se, que uma família falida, de terras de abundância agrícola, de gentes de outras de outras esferas e aparências, um dia sem eira nem beira chamaram-no, tinham um cofre, um cofre de pé que devia de pesar mais de 500 quilos, feito em sândalo que deitava para fora aquela fragrância tão peculiar e apetecível.
Era um cofre que só por si era uma obra de arte precisava de ser aberto para ser vendido, os donos sabiam que não tinha nada dentro até porque o cofre já estava na família a 4 gerações e nunca ninguém soube o seu segredo, era altura de o despacharem para poderem usufruir de mais uns dias de aparências, quem sabe se não se alimentavam mesmo de aparências.
Hábil com as mãos e de pensamento rápido, porquê perder tempo ali com aquela, família de aparências, comprou o cofre para poder conversar com ele para o poder saborear, para saber os seu segredos bem guardados, ele sabia que era uma obra de arte, bastava tocar-lhe, sentir na ponta dos dedos, passa-las suavemente como se adormece uma mulher, passar lentamente pelas arestas, sentir os seus recortes, redescobrir a entalha daquela madeira que se reduzia aquele brilho e a dignidade de voltar a ser compreendido, ele acreditava que aqueles objectos tinham vida, que se juntavam a ele.
Foi colocado religiosamente na sua oficina, as cores que abundavam eram o vermelho ferro, aquela cor de ferrugem, o chão sujo de muitos anos a levar com limalha, saltava a vista uma pequena fornalha de manivela, que ao ser accionado fazia com que milhares de fagulhas ateassem o fogo ao carvão, para assim poderem moldar o ferro, tornea-lo. O cheiro era uma mistura de ferro com pó, de sabão azul e branco entrelaçado com serradura, havia também um enorme berbequim, que ao perfurar o ferro , vertia um liquido branco parecido com leite.
Mas naquele dia com os óculos, na ponta do nariz , olhos prostrados, naquele enorme cofre, mais uma vez acariciou-o, os botões que continham o segredo eram de abecedário, 24 letras cada um dos 4 botões, giravam no sentido do relógio, não ouve preparação nenhuma, nem nenhum ritual especifico, começou a girar os botões, como quem sintoniza um radio, não demorou muito tempo, 4, 5 minutos por botão, deu a chave calmamente, meteu a mão na alavanca, uma alavanca dourada, grande e pesada, a sua mão robusta, mas sensível, agarrou-a firmemente, puxou-a para baixo, ouviram-se as 6 trancas de aço a destrancarem de uma só vez, puxou a porta, aquela porta pesada. Lá dentro estava uma das maiores fortunas que há memória naquelas redondezas e paragens.
Foi entregue, não a quem de direito, mas a quem de moral teria direito, até hoje sabe-se, que nem uma gratificação nem um obrigado, as aparências devem ter levado a gratidão exigível.
Com ele foi o Dom, foi o segredo de abrir seja o for, ele acreditava que esse Dom era meu, mas faltava-me uma coisa, talento e acima de tudo paciência, o truque estava na paciência, na espera constante do momento exacto, de ouvir o que mais ninguém ouve.
(...)Lembro-me de ouvir uma ultima vez, era domingo o meu avô acabava de acordar de um longo sono, um coma profundo que durou 4 ou 5 semanas, perguntou-me:
Qual é o resultado do Sporting ( foi a primeira e ultima pergunta)
Nesse dia o Sporting ganhou, mas perdeu (Sporting) um amigo.


Apeteceu-me

Entrei em Apneia.

segunda-feira, março 21, 2005

Foi há tanto tempo

Foi há tanto tempo

(...) Há muito tempo ainda atrás, nos tempos da peste negra, no tempo onde o Sol girava a volta da Terra e a Terra não era redonda, há tanto tempo que ninguém se lembra do cheiro que emanava da “nossa” Terra, dos corpos que caiam prostrados na terra barrenta que abundava por ai, foi há tanto tempo que ficou esquecido para sempre a vontade de mil homens que salvaram a terra de mil agonias, mil homens que deram a vida pela loucura que revoltava a terra naquela altura, foi a tantos anos que ninguém se lembra quem era a bela donzela que enganou mil homens e caiu fulminante na sombra do mal.
Claro que ninguém se lembra nem ela quer ser recordada, a não ser por mil homens, que de 10 em 10 anos se reúnem num castelo abandonado, lá para os lados da colina sombria, um local temido ainda hoje por muita gente, que provoca arrepios, medo, pavor, terror, mas aqueles mil homens que há muitas gerações, muitas mesmo há tantas que ninguém se lembra, que passam de pais para filhos a sua sabedoria, a sua maneira de pensar e agir.
São esses mil, mil homens imaginem que de mente aguçada por muitos anos de gerações a pensar e a desenhar estes dias que correm de 10 em 10 anos, é aqui que se vão construindo imagens que não estão acessíveis a não ser a estes fieis depositários do mundo, do mundo assim como o conhecemos, neste 5 dias negoceia-se, promessas, promiscuidades, de outros tempos de outras historias também de outros rosários, se forem rosários o que eu duvido.
Ela é astuta, habilidosa, ardilosa, vive cada momento como se fosse o ultimo, sabe como ninguém negociar e não são os mil homens que a atormentam muito menos que a acorrentam, tornar-se-ia muito mais fácil se ela se rendesse, mas não tinha razões para isso, ela era o mal, uma bruxa, uma bruxa que como todas as bruxas se vendeu ao mal, foi conquistada pelo mal pelo diabo, ela que outrora, tinha sido a mulher mais bonita do reino, o maior reino que há memória, ela era linda era a princesa do reino do silêncio lá para os lados do nascer do sol, onde a vida começava e temia acabar, era a princesa mais bela e bondosa que há memória, era uma dádiva aquela bela mulher, vestia cetim de cima abaixo, nunca precisou de espartilho tal era a perfeição das curvas do seu corpo, feito ás mãos de Deus.
Sabe-se ou por outra recorda-se, que havia uma mulher linda, lá para aqueles lados, ninguém sabe ao certo quando foi, foi há muito tempo, há tanto que as pessoas ainda hoje tem medo de se lembrar, só se lembram de duas mulheres uma linda de morrer, outra a morte em pessoa, que sozinha enfrentou mil homens e derrubou-os a todos, ninguém se lembra ou não quer lembrar que as duas, são a mesma mulher, são fruto da mesma parideira, do mesmo sémen, do mesmo amor e vigor, da mesma felicidade.
(...) Havia um homem a quem ela havia jurado amor, amor eterno e terno, foi numa tarde, num dos jardins do palácio do reino, um daqueles jardins, que só o amor de quem os constrói os consegue edificar, um misto de cores cheiros e ruídos, chilreares, uma verdadeira colónia de prazeres à vista, aos nossos sentidos, vontades quereres e creres, um verdadeiro arco Íris, uma colónia de bem entendidos, algo que só a beleza da princesa podia igualar, mas foi naquela tarde, naquele dia e naquele jardim que os olhares se cruzaram as mãos tocaram uma na outra , ali naquele momento juraram amor, e como as juras não se quebram, até hoje através dos tempos, naquele dia, precisamente de 10 em 10 anos durante 5 dias, ouve-se um chorar violento e continuo.
Foi naquele dia há muito, muitos anos, há tantos que ninguém se lembra que o Diabo procurou a sua alma em troca da humanidade, ela a bela e linda princesa sem saber matou mil homem de desgosto que lhe tinham jurado fidelidade, entre eles, o seu amado, o homem da sua vida, o único homem que amou, e hoje de 10 em 10 anos, onde mil homens que de geração em geração a seguem, encontra-se ele, o seu amado, foi sina sua, só a poder ter de a possuir, de a sentir, de a arrebatar, enfim de a amar de 10 em 10 anos durante 5 dias protegidos por mil homens.
Foi há muito, muito tempo, há tanto que ninguém se lembra, ou por outra ninguém quer lembrar-se.

Apeteceu-me

domingo, março 20, 2005

"Ela" ai está !

Ai está ela



(...) Era mais que evidente, que aquele grito tinha sido sentido, sentido de dentro, veio de dentro dele e sentido por todos os que o rodeavam na altura, era impressionante a revolta que lhe ia na alma, ao certo nunca ninguém percebeu bem o que se tinha passado, mas aquele grito ficou dentro de todos aqueles que lhe queriam bem, bem e mal, a bom da verdade.

(...) Naquele dia de março, já quase no fim, estava sentado numa cadeira feita de palhinha, daquelas cadeiras que abundam por ai, em qualquer mercado, feira, hipermercado ou casa da moda de mobiliário e afins, em que o preço varia consoante a o sitio onde se compra sendo que o material é sempre o mesmo, mas adiante esta parte não interessa, estava sentado numa cadeira de palhinha ou vime como queiram.
O sorriso abundava no seu rosto, um rosto jovem, sem rugas de quem nunca esperou por grande coisa, mas que esperava grande coisa da vida e de tudo o que ainda tinha pela frente, como disse tinha um rosto jovem, olhos rasgados, quase “ achinesados” uns lábios de traço fino assim como o nariz , um pouco pontiagudo mas nada que desse para assustar, a sua compleição física era pequena, pequena para os seu 15 anos, mas a sua inteligência, o seu raciocínio e a sua forma de estar demonstravam ter muito mais idade do que afinal tinha.
Naquela, tarde, fim de tarde lembrava-se de um livro que uma vez tinha lido, qualquer coisa muito avançada para a sua idade, mas que lhe encaixou muito bem, era um livro de Gabriel Garcia Marquez , “ Ninguém escreve ao Coronel ” uma história de um Coronel que esperou uma vida por uma carta, uma simples carta que lhe dava a reforma, uma pensão, uma indemnização, uma vida toda a espera dessa carta.
E ali estava ele sentado naquela cadeira de vime, com um olhar brilhante, cintilante, reluzente de quem espera alguma coisa, de quem quer mesmo ver o que se espera, mas de quem ainda não sabe o que é a assunção da espera, como quem não sabe que esperar é a ultima forma de esperança, mas afinal aquela era a sua primeira espera a sério por algo que assumiu como sua luta.
A concentração era muita, estava desconcertadamente concentrado, enquanto cantarolava velhas canções de embalar, que a sua mãe lhe cantava, ainda hoje as ouve cantar quando anda descontraída na lide da casa, enquanto esfrega aquele chão de tacos de madeira, para a seguir o encerar, naquele movimento circular com as mãos e panos macios.
O lusco-fusco chegava, naquele dia quase perfeito, uma temperatura amena a roçar o desejo, uma brisa que se sentia como um beijo, um por do sol alaranjado como os pêssegos que se derretem na boca.
Quase imóvel, com os pés puxados para cima, os joelhos encostados ao peito, os braços a abraça-los e queixo prostrados neles continuava na sua espera. A sua mãe que conhecia a sua persistência, levou-lhe um copo de leite e uma sandes feita do melhor presunto que havia lá em casa tinha sido curado pelas suas próprias mãos fazia questão que ele se embriagasse com os prazeres gastronómicos que abundavam lá por casa. Durante algum tempo ficou imóvel com o leite de um lado e o pão com presunto do outro, até que decididamente deu um trinca e ficou a mastigar como se estivesse a mordiscar algo que não existisse, estava vidrado, completamente absorto, abstraído na sua espera.
O cansaço já estava a espreita, até que o venceu. Adormeceu... vieram todos os que viviam na sua casa cá fora ver se descobriam alguma coisa o que se tinha passado, não havia indícios de nada, nada mesmo, não sabiam o que pensar o porquê daquela espera. Delicadamente o seu pai tentou agarra-lo para o meter na sua cama, quando ele acordou espantado perguntou se “Ela” já tinha chegado, ninguém percebeu a pergunta nem quem era “Ela”, ele irritado perguntou: a Primavera já cheguou?
Quando se apercebeu que sim gritou bem alto e de uma maneira que nunca mais ninguém esqueceu.

Apeteceu-me

sábado, março 19, 2005

Crise dos 40

(Esqueceste-te que eu havia de crescer e fugiste daqui para fora)

(...) Ouvia “I wonder” do meu amigo Gomo e parei no meu local secreto para ver o Mar, (de secreto nada têm fica no cimo da rua dos Pescadores) estava lindo revolto como eu gosto, desordenado, para ai com vagas na ordem dos 2,5 mts, espuma enorme muito mais apetecível que aquelas golas largas das cervejarias da moda a imitar (franchising), aquelas que outrora muito prazer me deram.
Este saudosismo anda me a matar, dizem-me que é a crise dos 40, aliás aqui em casa é a palavra mais usada e as minhas crianças não fazem a mínima ideia do que isso é, mas enfim tenho de admitir que pode mesmo ser, já ouvi falar tanto dessa crise e já vi o efeito dela em alguns amigos meus o que me assusta mas não me aflige, ou estão deprimidos, ou Divorciados, ou suicidaram-se, ou alcoolizados, ou em constantes pedradas quer de ansióliticos quer de heroina ou cocaína, ou então estão 20 anos mais novos.
Eu até à um bom par de anos, vivi a vida com uma intensidade assustadora, não gosto muito de falar nisso, mas por vezes necessito já que não tenho ninguém a quem falar, escrevo, pelo menos como me diz a minha comentadora oficial dos comentários a “BB” e a fazer fé nela, afinal há quem leia e escreva alguma coisa neste pais a beira mar plantado, e eu pelo menos aqui sinto-me assim é verdade que a maior parte dos comentários são pagos mas mesmo assim faz-me sentir bem ou fazem-me sentir bem.
Porra, estou à uma porrada de linhas para dizer o que quero e ainda não abordei o assunto, o Gomo, conheço desde pequeno, o Paulo era muito pequeno, o irmão mais velho o Gouveia esse era também para ai uns 5 anos mais novo que eu, talvez nem isso, mas quando se tem 10 anos, 5 anos é muita fruta mesmo, 15 para 10 ou 20 para 15 também, mas agora o Gouveia, o louco do Gouveia, é quase da minha idade é espantoso, e o Paulinho, o Gomo já é um homem, não é um orgulho ver uma pessoa que se viu crescer assim famosa a fazer musica brilhante ( só uma mente assim poderia dar o nome ao seu primeiro disco “Best Of ” ), telediscos fascinantes, estou como a minha irmã me costuma dizer... como cresceste irmão, apetece-me dizer a mesma coisa ao Paulo.
Pois o Gomo vi-o crescer mas olho para a minha vida e penso, penso não! Tenho a certeza que vi crescer muita e boa gente que ainda hoje considero amigo, a minha vida foi sempre uma caixinha de surpresas, mas por vezes tenho vergonha da abrir, porque foi mesmo tão intensa, com um ritmo alucinante que me custa falar dela sem que as pessoas se interroguem este “gajo” deve mentir ou então tem uma imaginação muito fértil .
Quando olho para os meus 40 anos, a única coisa que me faz mesmo espécie é que o meu pai já morreu a 31, que a primeira vez que vi os Xutos foi a 25 e assim uma série de coisas o 25 de abril já foi a 32 anos, o meu filho vai a caminho dos 6 quase a entrar para escola primária essas coisas são aquelas que me deixam um bocado com o credo na boca, mas em contrapartida lembro-me que fui campeão nacional de voleibol inter escolas, o volei que me deu a elasticidade e a impulsão que ainda hoje tenho, lembro-me quando fui chamado a selecção nacional de juniores em futebol, era guarda redes aprendi a voar no tempo que estava ali sozinho na baliza era fantástico e hoje que jeitão me dá, lembro-me quando fui campeão nacional de rugby, aprendi a ser leal, lembro-me quando fui vice campeão de karting, aprendi a respeitar os meus reflexos, lembro-me quando o benfica me convidou para jogar andebol, aprendi a importância da dignidade, deixei de jogar andebol.
Hoje com 40 anos ainda conseguia atirar-me de 120 metros de altura e bater o recorde europeu de budgie jumping, quando o fiz aprendi que não tinha limites.

.


Hoje ainda conseguia agarrar numa bicicleta e descer qualquer montanha a mais de 90 a hora, mesmo sabendo que as estatísticas jogam a meu desfavor, 60% de hipóteses de ir parar ao hospital, eram pelo menos essas as estatísticas, em 10 provas 6 ia até ao hospital, uma vantagem, podia gabar-me que tinha mais pontos que os meus adversários pelo menos no corpo.
Diverte-me pensar assim, que deixei o meu perfume por algumas da melhores discotecas do pais não como galã mas como DJ, DJ não isso é demasiado técnico um bom fazedor de barulho e algumas que nem vos conto, diverte-me saber que o Paulino Coelho é padrinho do meu filho e meu melhor amigo apesar de não o ver nem falar com ele a muito. Diverte-me também saber que o padrinho da minha filha é o Indigente do Nuno Calado. Diverte-me saber que outro dos meus melhores amigos ainda hoje me liga para conversar das noites de sonho que inventamos por esse pais fora, diverte-me saber que se partir uma perna tenho alguém que me vai visitar e foge com a médica. Diverte-me saber tantas coisas boas que se passaram na minha vida. Diverte-me saber que ainda consigo pensar em coisas que só eu consigo fazêr.
Gosto de ser divertido, gosto de divertir, mas confesso que ultimamente a minha disposição anda diferente, resmungo, grito, protesto, barafusto, falo sozinho, dizem que estou um chato, um velho e passo a vida com as malas a porta, não é bem assim é mesmo só um saquinho será isso a crise dos 40? será da crise dos 40?
Olhando para trás, desculpem lá não sou prepotente, não sou arrogante, não sou um duro, não sou uma serie de coisas que me permitiriam dizer o que Vou dizer a seguir, acho que sou único, que sou especial, não sou perfeito mas tenho partes de mim fabulosas, chego a irritar-me comigo por ser BRILHANTE. ( esta era desnecessária mas é para ver se a minha auto-estima segue para Bingo)
Qualquer parecença com a realidade é mera coincidência e lá em casa não façam o mesmo porque é meio complicado.

Este Texto é dedicado a Henrique Paiva Couceiro de Barros , que me deixou quando tinha 9 anos.

Apeteceu-me

quinta-feira, março 17, 2005

Guitarra Mágica

Guitarra mágica

(Do you Feel like we Do)

(...) Conseguia sentir-lhe o cheiro da sua música, era mágica, misturava-se com todos os sentidos, conseguia-lhe tocar, era de um sabor... de um paladar de um gosto... aquilo que se via nos seus sons levava-nos a pensamentos extremos.
Vivia no cimo de uma colina, numa casa muito antiga, era tímido, mas as suas mãos muito hábeis, dedilhava a sua guitarra como ninguém, sonhava com sons e de manhã interpretava-os, tocava-os como só ele os imaginara, nunca os repetia era melodias únicas, talvez por isso as grandes etiquetas nunca tenham reparado nele, mas aquela cidade que vivia à sombra da sua colina, da sua música que via nascer o sol por de trás de algo assombroso como aqueles estridentes e ritmados solos que saiam da sua guitarra.
Era mecânico, acordava, espreguiçava-se, esfregava os olhos, estalava os dedos, bebia em tragos curtos mas sistemáticos um copo de sumo de laranja, acendia um cigarro, puxava-o para o canto da boca, abria a porta do terraço agarrava na sua Gibson (guitarra), ligava o jack ao seu Marshall ainda a válvulas (amplificador), fechava os olhos, com a sua palheta, encostava-a às cordas de aço, onde saiam os primeiros acordes, nem eram acordes eram notas simples, um som metálico que descia a colina e ecoava por toda a cidade, eram um som magico que libertava sorrisos. As suas mãos ganhavam vida própria corriam a escala de baixo a cima emitindo sons, lindos, melódicos, aquela energia que o som transportava era magnifica, ele sabia que o ouvido humano só distingue os sons de acordo com três atributos: a altura, a intensidade e o timbre. Além deste três atributos sabia que era importante ter em conta a duração do som. Sabia na perfeição a duração do som, o intervalo de tempo que durante esse som é audível para o homem, para os homens para as pessoas, para a humanidade, mas essencialmente para si próprio.
O seu rosto, fechava por completo, para sentir o que lhe saia da alma, quando os dedos deslizavam pelas cordas, pisadas com prazer e sabedoria, puxava com toda a força a guitarra para perto do seu coração, inclinava-se para trás, o seu cabelo não muito longo, mas solto, esvoaçava, muitas vezes prendia-se na sua boca...



com uma mão enquanto fazia vibrar as cordas, girava o potenciómetro do volume, até ao limite
Os sons continuavam a libertar-se, continuavam a sair, livravam-se, ganhavam liberdades, que só mesmo os sons podem ter, criavam formas geométricas aqueles sons, eram quase divinos se é que isto se pode dizer de um som, mas parece-me que sim, apesar de aquele som estar mais perto do fogo, mas dava-me também a sensação de dilúvio, de uma enorme catarata a desabar e a espalhar-se por ai numa enormidade de notas de música, caiam e voavam, esvoaçavam, tomavam liberdades tomam sentidos, corriam milhares de metros até se tornaram em ecos constantes, uma magnifica sonoridade metálica.
Aquela, violência magnifica, quase que se comia de tanto prazer que dava, corriam suores e outros fluidos, os cabelos encharcados, aqueles dedos punham aquela guitarra a falar, ela falava, seduzia, corria, sentia, cavava prazeres, como unha a entrar pela carne, gemia, que som belo, estava-lhe na carne, no sangue.
É difícil explicar o hipnotismo daquela musica, aquele rasgar de sons daquela guitarra, era espantoso, era mais que tudo o que se possa imaginar.
Aquela ressonância que emprestava ao éter longas melodias, longas distracções de distorções, as cordas a vibrar ... os seus dedos pareciam doidos, a correr a escala, a seguir aquela panóplia do aço mais grosso ao mais fino, ora em dedilhado, ora com a palheta, daquela gibson diabólica, que mais parecia ter um pacto com o Diabo, era Brutal o som que sai dali... brutal e imortal, era da alma... levava o espirito, consumia o seu dono, rasgava-lhe a consciência do que fazia, de uma forma quase letal, dele quase pouco restava, banhado em suor aquele corpo, parecia brilhar cada vez mais, um brilho intenso que só as estrelas têm.

Apeteceu-me

"O som vive dentro de nós escondido sob vária formas, uma delas chama-se vida"
Charles de la Folie

quarta-feira, março 16, 2005

Fuga (Deserto)

Fuga (emaranhado)

(Sometimes you can't make it on your own)



(...) Não, não era quem ela pensava, porque seria ele assim? Porque o tentavam ver assim? Ele não era mais que uma pessoa vulgar, simples, claro que não passava despercebido por onde passava, mas devia-se há sua áurea, há sua maneira de estar, a sua maneira peculiar de ver as coisas, a maior parte das vezes via demais, muito mais do que é apetecível a qualquer ser humano, mas estava a ficar farto de passar a vida a ser acusado injustamente, de fazerem juízos de valor a todo o instante. E isso entristecia-o, fazia-o perder todo a chama, o charme, a sua jovialidade e o seu carisma.
Um dia, um certo dia fugiu, farto de tanto rancor, de tanta desilusão, de tanta decepção à sua volta, partiu em direcção a coisa nenhuma, queria mesmo perder-se, nem que fosse num vazio, num deserto, numa ilha perdida, onde ninguém o sentisse, onde ninguém soubesse dele, onde não magoasse ninguém, onde a desilusão e a frustração o abandonasse, ou abandonasse aqueles que o rodearam algum dia.
Partiu em debanda de forma a que nem os cães lhe sentissem o rasto, fugiu e no pensamento um enorme vazio, era assim que queria chegar ao deserto. Um deserto, um enorme deserto criado com a areia que vomitava, brotava da sua cabeça.
Às portas daquele enorme e recôndito ermo de solidão, assim que meteu o seu pé, ficou em perfeita indigência e penúria de actos, era isso que pretendia, ficar vazio sentir o vazio a solidão, a sofreguidão de não ter, de perda.
O caminho era longo, muito longo, demasiado longo um autêntico calvário, dizem que era quase impossível atravessa-lo sem sair de lá louco ou com uma enorme depressão, mas foi andando, com um trapo atado a cabeça, tronco desnudado, com marcas visíveis do tempo e do sol. Sol que queima, tempo que gasta e lá foi andando, com uns calções esfarrapados, pés desnudados, mas a pisarem firme a areia quente, nada que o fizesse parar a sua busca incessante dos seus vários porquês, fazia lembrar a história, sim fazia, mas também porque havia de contar aqui uma história, a vida tem tantas histórias e que histórias, ás vezes falta coragem para as contar.
Outras vezes nem sequer é coragem é estratégia, para que ninguém sugue o seu ser, é a protecção, colete a prova de estudos e minuciosas apreciações, porque razão abrir portas, se elas se fecham, estas eram certezas no meio de tantas duvidas.
A noite chegava, puxava do seu cantil provido de água, uma água especial, uma água desprovida de sonhos, quando o víamos de cabeça inclinada para trás a beber, a maçã de Adão a andar para baixo e para cima, era perceptível que aquela água era uma miragem, aquela água só existia na sua imaginação, aliás a sua imaginação alimentava-o, magoava-o, amava-o, mas também o matava lentamente, muito lentamente.
Meio caminho percorrido, um duro caminho, descobriu que, se queria continuar a viver, não podia sonhar, os sonhos não pertencem ao mundo dos homens, os homens tem de ser decididos, fortes, com soluções imediatas, duros, não podem sonhar, mas também é verdade que os sonhos são ficção, são fantasia, mas muitas vezes são uma aspiração.
Estava ali, naquela noite estrelada, com os olhos prostrados no horizonte, imóveis, quase sem vida, parados sem reacções ou reacção, mas a sua mente trabalhava a uma velocidade alucinante, processava informação, muita informação, muitos anos de informação, e ali estava, naquele deserto, com quase todo o caminho percorrido, muitos dias de viagens, de longas viagens, a procura de respostas, respostas e mais respostas, uma vida de respostas.
Por vezes a dado momento na vida tem que se parar e repensar, mesmo que a vida nos sorria, temos que nos enquadrar novamente, a realidade é ali, pode estar ali perto, muito perto, mas pode nos fugir rapidamente, o caminho foi percorrido, as respostas clarificaram, e no momento em que saiu do deserto e isto contaram-me.
Acordou, abriu a janela e gritou “ Bom Dia, a quem é uma Flor”.

Apeteceu-me

terça-feira, março 15, 2005

Vida Dupla

Vida (cruzadas)



(...) Protegia-se da sua inevitável morte, tinha vivido a sua vida como um senhor digno, digno de uma vida principesca, não por ser abastado mas pelos princípios que sempre regeu a sua vida.

(...) Controlava as emoções a cada dia que passava era um turbilhão de sentimentos intensos, uma vida recheada de casos, todos os dias procurava novas conquistas, novas descobertas, novas visões de prazer. Dizia-se que a vida era bela e nem essa lhe escapava.

(...) Lembrava-se dos primeiros, se não do primeiro bailarico a que foi, cadeiras a volta do salão, todas as mulheres sentadas, mães e filhas, umas com olhares desconfiados, outras com olhares famintos, penetrantes e traiçoeiros à procura de carne fresca e de novos horizontes.

(...) A Igreja servia-lhe de território para a sua própria caça, era um predador nato, fixava, sorria, olhava e sentia a sua presa a sucumbir aos seus encantos e charme.
Nem a Paz da igreja apagava o ardor das suas paixões nem o despedaçar das suas conquistas.

(...) Olhar envergonhado, juntava-se ao grupo de jovens que se encontravam no bar do convívio que organizava o baile de debutantes que ali ocorria de 6 em 6 meses, ele era um alvo apetecível, tinha tudo, e ele sabia-o, por isso tinha medo que o amor que procurava para a sua vida fosse um amor interesseiro ou por outra de interesse.

(...) Na igreja já conheciam os seus dotes de predador (elas) sabiam como operava, o seu modos operandos , como se costuma dizer por ai em tertúlias de direito.
E não estavam pelos ajustes , colocavam-se como peixe em montra ou na montra, numa qualquer peixaria, mas não se lembravam que saiam sempre embrulhadas em papel de jornal.

(...) Olhava discretamente para as cadeiras enquanto a Banda da Moda começava a tocar as modinhas mais conhecidas da altura, tentava perceber quem teria um olhar mais decidido ou mais sincero, aquelas que olhavam e ao mesmo tempo segredavam as mães ou às amiguinhas, pouco ou nada lhe merecia a atenção a não ser a atenção de lhes não dar nenhuma.

(...) O seu fetiche era fechar-se no confessionário depois da missa. Sabia que o padre saia a correr sempre para a mesma casa com o mesmo convite, para a mesma ementa da viuva mais bonita da terra, diziam que ele (padre) não era nada de se deitar fora.

(...)Aquela lá do fundo consegue disfarçar o seu nervosismo, a sua insegurança, pernas cruzadas, mãos entrelaçadas sobre o seu colo, firme mas trémula isto para quem a esteja a observar atentamente e se prenda na sua graciosidade, até agora nem um olhar, nem um pequeno olhar nem sequer de esguelha. Aquela parecia uma mulher decente sem interesses.

(...) No confessionário o prazer era intenso aquele cheiro a sexo misturado com a paramenta e com a cera das velas e mais uns incensos, tudo era sol de pouca dura, mas enquanto durava, era forte intenso, penetrante.
Os gemidos ecoavam entre os santos, santinhos, virgens, velas em agonia a definharem com as correntes de ar, um perfeito encanto para amantes furiosos.

(...) Naquele baile de debutantes a escolha estava feita, era ela, não havia recusa possível, aquele baile funcionava como uma montra para o futuro dos pais das noivas, porque essas eram escolhidas como se fossem um pedaço de qualquer coisa.

(...) Naquela igreja onde escolheu casar com a única mulher que lhe jurou fidelidade e onde amores de pouca dura aconteciam todos os domingos é também a igreja onde iria ficar pelo menos uma noite depois de morrer.

Apeteceu-me

segunda-feira, março 14, 2005

ELA (sobrevive-se)

(...) Estava farta, fartíssima, há 20 anos que a sua rotina era aquilo, não mudava um milímetro (as rotinas são isso mesmo).
Levantava-se como se tivesse acabado de correr uma maratona, cansada, cansadíssima, sempre com aquele olhar triste, pele enrugada, de tanta indignação, prostração e conformismo, era um olhar vago, vago de ideias, de amor, de carinho, mas também vago por preencher, desocupado.
A vida por vezes é madastra, pensava ela muitas vezes, mas a sua auto estima era uma lástima.
Odiava, odiava muito aquele cheiro que todos os dias sentia, que saia do seu companheiro, todos os dias ter de abrir as pernas, sim abrir as pernas, era o que ela fazia, depois tornava-se doloroso, nem um carinho, nem uma ternura, nem um mimo, nem um beijo atirava toda a virilidade para cima dela, de uma violência aquele ímpeto ofensivo, sentia-se retraída, todo o teu corpo se tornava morto, o cheiro a suor, a álcool davam-lhe náuseas, sentia aqueles investidas dentro dela e ia adormecendo, o seu corpo a sua mente a usa vontade, gemia de dor não de prazer, esperava ansiosamente pelo final que durava uma eternidade. Enquanto aquele ritual trágico durava, o seu pensamento vagueava, por outras paragens, temia pensar noutros homens, temia pensar em gente, preferia sentir e ouvir o mar, fixar-se numa paisagem, num destino, num animal, mas nunca em pessoas, nada que a deixa-se triste, e voava, voava para muito longe, tantas vezes voava, que o seu companheiro, sai de cima e ela ficava ali até adormecer e acordar no outro dia estoirada, ressacada e ressecada, mas aquele tornava-se no seu melhor momento do dia, no seu refugio, no seu segredo, as conversas há muito que desapareceram.
Levantava-se como todos os dias preparava o pequeno almoço nunca o seu, preparava-o como o fazia há 5 anos, sempre da mesma maneira sempre com a mesma disposição na mesa, tinha de ser colocado metodicamente, se não já sabia que as primeiras e ultimas palavras que iria ouvir naquele dia seriam, um chorrilho de asneiras.
Enquanto ajeita a cama, aquele cantinho onde se anicha durante a noite para as suas viagens, ouve a porta da rua bater já sabe, que vai ficar sozinha nas próximas 12 horas, talvez só lhe dizendo um obrigado, 12 horas em que a vida tropeça em mil e uma duvidas, sentimentos que se embrulham, palavras que saem para os espelhos, vacilava muitas vezes, muitas mesmo perante ela própria, aquele amor que deveria ter, demorava a surgir, depois limpava a casa de banho, aquela era mesmo a sua rotina, limpava os cabelos, os pelos da barba, o mijo que ficava na tampa da sanita, era sem duvida um dia ou um começo de dia atribulado, sempre a fazer a mesma coisa, sempre com os seus receios, com as suas indecisões.
A mesma hora todos os dias, espreitava pela janela, tomava banho a pressa, mas um banho retemperado e retemperador, vestia-se arranjava-se, a sua cabeça parecia transformar-se radicalmente, aquela mulher cheia de duvidas, enfezada, enjeitada, com a auto estima em baixo, parecia outra arranjava o cabelo, pintava os lábios de um vermelho carregado, passava os lábios por cima um do outro, tinha uns lábios bem definidos, sombreava os olhos, os olhos escuros argutos, sagazes saia de casa discretamente como era seu hábito.
Aquela mulher que durante algumas horas do dia, parecia irremediavelmente perdida para a vida estava transformada, uma transformação quase hedionda, tal era a sua mudança, fez, 2 quarteirões a pé, num passo firme, parou ao pé de uma porta ampla, olhou para um lado e para o outro do passeio, respirou fundo entrou, dirigiu-se a uma porta fez um corredor enorme com gente de um lado e de outro, cabeça erguida ar seguro, meteu a mão na maçaneta da porta do gabinete do presidente da administração entrou, tirou o casaco e sentou-se a sua secretária, viu os papéis, e entrou o seu companheiro de sempre, que lhe pergunta.
- A Senhora deseja café?
- Não Obrigado(responde).

Apeteceu-me

domingo, março 13, 2005

Re-contruções

Re-Construções
Terça feira, um dia amargo, nada de especial a não ser uma coceira enorme no cocuruto da cabeça, a experiência era deliciosa, mas a chuva não batia assim.
Cocei a cabeça, com alguma insistência, até que me tocaram nas costas ao mesmo tempo que lhe saia da boca, uma série de pontos de interrogação, que se atropelavam uns aos outros e que atrofiavam a cabeça.
Aquelas interrogações eram um grito vazio de conteudo, o balão apareceu sem nada escrito, era um vazio de ideias, mas logo me lembrei que estavamos na era do cinema mudo... no tempo do rock and roll.
No tempo do sexo e do mentol. De homens que não largam o urinol.
Deprimentes de balões em riste... mulheres e homens, em despiste.
Calam-se vozes e gritam pensamentos.
Mas isso estava vago mesmo, até porque esses pensamentos eram demasido sérios para se poderem passar para o lado de cá. Aquela era uma dimensão unica, onde os pensamentos se misturavam com as vozes e quem gritava, logo ganhava, mas a vida, essa vivia-se a 100 à hora para poderem ter o que nunca tiveram
O que pensavam que queriam, numa ilusão desmedida. Uma loucura imensa, que vinha de dentro para fora, num vómito atmosférico imparável e contínuo. Um sentimento de vazio, de quarto vazio e cama vazia... de entranhas e corações vazios.
Mostravas o que querias, gritavas o que não tinhas, parecia uma alma, que não existia, a mania da tia, a vontade que queria, entrava, saia, vivia, mordia...
Ficava a tentação, o medo de não querer correr... só com uma perna
O monstro que vivia em ti, rasgou-te o peito impaciente, por algo que teimava em não chegar. Ficaste despedaçado, com o coração literalmente nas mãos, na condição inquieta e morta do ser... que tentaste ser, mas que não permitiram que fosse além do óbvio. Aquilo que vejo, pode não ser aquilo que os outros vêem, mas isso não faz de ti menos ou mais... faz apenas que sejas, aquilo que és, aos meus olhos e aos olhos do monstro que vive em mim.
Virei a esquina onde sons geometricos, andavam de ouvido em ouvido, crescia uma sinfonia, dentro da minha capacidade de levitar, era uma vontade, de te ver... de querer.
Coração prostado nas tuas mãos, serviram-me de mote, para uma noite de amor...
Mas da cabeça não saíam os sons geométricos e numa reconstrução inocente de um quadro do Escher, troquei a noite pelo dia e a verdade pela mentira, enterrei-me na cobardia assumida do ser humano.
Tentei pintar a minha vida no estilo Pollock... desprovido de planos, lancei-me no Carpe Diem, que me trouxe à tua porta numa tentativa desesperada de recuperar uma vida, que já não me pertence.
Uma alma que agarro junto ao peito, onde protejo com a vida tudo aquilo que sou, numa alma que pode parecer tão desumana, quanto invisível, mas que me aquece nos dias frios, de solidão e que me preenchem o corpo de expressões e de emoções, que no final podem ser construções ou destruições.

Escrito por Tânia Traquino e Carlos Barros ,dedicado (as always) ao nosso amigo Miguel M.. Este é o post it PLATINA, o mais sério dos menos sérios de todos os textos.

Apeteceu-me

sábado, março 12, 2005

(Mente)Campo

(Mente)Campo



(...) Ninguém me disse ao certo de quem era, de quem era aquele pedaço de terra onde os cavalos corriam em liberdade, crina ao vento esvoaçavam pasto a dentro, de uma forma livre e expontânea.
(...) era um dia quase perfeito aquele em que cheguei, à terra da minha avó, corria uma aragem agradável aquela aragem de fim de tarde, quase magnifica.
Claro que faltava ali algo, tinha de faltar sempre qualquer coisa, a minha vida sempre foi feita meia coxa, quando pensava que algo era perfeito, dava por falta de... algo.
Mas o importante é que estava ali, ...ali naquele magnifico sitio estava a procura de respostas, aquelas respostas, que só o tempo nos dá ou o nos faz esquecer, não sabia o que pensar.
(...) Naquele momento não queria pensar em nada, bastava-me olhar para aqueles fabulosos quadrúpedes, e deixar-me seguir por aqueles prados verdejantes a velocidades alucinantes, com voos picados, razias pelos malmequeres pelas vinagreiras, que durante anos a fio durante o verão, deliciava-me a apanha-las e a sugar-lhes a sua seiva tal qual um vampiro da pradaria.
(...) sentia-me triste na busca das minhas respostas, o que importava assim tanto para te encostarem uma espada a garganta, ou uma pistola aos miolos, meterem-te numa cela e deitarem fora a chave, não fazia ideia, retirei-me para este pequeno mundo, este mundo que tão boas recordações me trazia, dava-me paz de espirito na calma toda do mundo podia descobrir todas as repostas.
(...) Lembro-me naqueles prados, que hoje não sei de quem são, de passar horas deitado por ali a sentir os cheiros, aqueles aromas, aquelas fragrâncias, que só o campo nos dá, aqueles cavalos, que passeavam por ali, ficava horas a correr atrás deles, para os montar à garupa e sentir as crinas a roçarem-me pela face.
(...) Não acreditava no destino mas era supersticioso, muito supersticioso, e pensava que pergunta, matutava naquela pergunta, o que poderia ser, o que faria alguém pensar assim, mas o que importava era a resposta era engraçado como uma resposta podia ser tão importante e tu não tinhas a pergunta, não me saia nada, não me lembrava de mesmo nada, estava num completo vazio de ideias, um deserto de qualquer coisa.
(...) Foi num dia, parecido com este que aprendi a nadar naquele lago , ali, lá bem ao fundo onde os cavalos agora estão a beber água, lembro-me de saltar lá para dentro como tinha vindo ao mundo e depois de algumas horas, já o atravessava sozinho, de um lado ao outro sentia as eroses, as enguias a roçarem nas minhas pernas, o campo era isso, lá na cidade, as nossas duvidas eram outras.
(...) Não entendia mesmo as minhas duvidas, ou por outra não entendia as pessoas, muito menos as mulheres que me perguntavam e nunca me respondiam às minhas interrogações, não entendiam porque vacilava, porque eu vacilava nas respostas, mas a essas perguntas podia eu responder, mas não era isso que me perguntavam, não, queriam mais, queriam saber respostas que não tinham pergunta.
(...) Aquelas imagens que percorriam a minha visão, eram como um dia azul, muito azul, sem nuvens sem aragem, eram um enorme suspiro.
(...) Aquelas duvidas sem pergunta e sem resposta eram uma agonia constante numa ânsia desmedida que me fazia percorrer todos os cantos da minha imaginação.
(...) Dois mundos chocaram um no outro, abriu-se uma janela, e a fuga foi possível, sem perguntas e sem repostas, mas que importa, do outro lado a porta está fechada e sem chave.

Apeteceu-me

sexta-feira, março 11, 2005

Que (raio) de dia

(...) Era um dia daqueles em que tudo corria mal, a chuva teimava em cair quando era preciso sol, a electricidade faltou no momento em que tentei atirar o secador de cabelo para dentro da banheira onde tomava banho, o sabão acabou, o champôo era do cão, a vida era minha não de uma estrela qualquer de cinema. Talvez fosse de uma estrela em plena decadência, só me apetecia fumar charros uns atrás dos outros, beber tragos enormes de uma só vez de absinto, aquela deliciosa planta, a minha vida era feita de plantas, artemísia absíntio mais conhecida por losna, adorava alucinar, plantas de cânhamo, se pensarmos que há roupa feita de tecido das fibras do cânhamo, de plantas, plantas de casas, casarios, casarões, prédios sei lá o quê mais. Naquele dia queria esquecer os 5 anos que andei a estudar arquitectura, aqueles trabalhos todos, aquelas noites sem dormir, o dinheiro gasto em tudo o que se possa imaginar, para ser visto e apreciado, analisado e jogado ao lixo.


*

Este não era mesmo o meu dia, o homem da minha vida, ou que era da minha vida, ou que foida minha vida, abandonei-o, que estupidez quando penso nisso, basta acordar um dia com os pés do avesso e as asneiras que cometemos que dizemos e que fazemos.
Talvez esta seja a história da minha vida, não aquele prédio que construi e que ganhei todos os prémios de arquitectura a nivel Mundial, claro eu sou uma arquitecta de renome e o que ganho com isso, que grande curriculum, Arquitecta de sucesso tem o maior gabinete de arquitectura que há memória, construiu 5 das melhores peças arquitectónicas do mundo, vive sozinha porque abandonou o homem que amava por ele não concordar com ela numa pequena coisa, numa pequenina coisa.
Este era um belo curriculum, estava desesperada, desesperada não era bem o termo alucinava de raiva por mim. A verdade é que ele de perfeito não tinha nada, mas tinha partes excelentes, aquelas mãos quando me tocavam, bastavam seguir as linhas do pescoço e começava logo a gravitar. Aqueles dedos tinham magia, tinham poderes, a sua respiração quando passava perto de mim construía alicerces de prazer de emoções e razões inexplicáveis, quando aquelas mãos percorriam-me as costas lenta mas firmemente, quando me faziam perder a respiração, sentia um encher, um percorrer de sangue a uma velocidade alucinante, quando ele as parava perto da minha zona lombar e as apertava ai e sentia os lábios a tocarem nas minhas orelhas, a mordisca-las depois a sua respiração a percorrer, a percorrer-me, aquele fôlego que me provocava combustões de satisfação, de volúpia e sei lá que mais, apetecia-me entregar-lhe o corpo de uma maneira que não tem explicação.
Ele tinha-me, possuia-me só com o seu respirar com a sua confiança, com a sua forma de amar, era estranho que em tantos anos não me lembrava-me de outra forma de fazer amor, não me lembrava de alguma vez o ter sentido dentro de mim, mas que o sentia em mim, misturado com o meu espirito.
Tudo era estranho, sentia-me angustiada, nada me corria bem naquele dia, nada, aquela chuva irritava-me, irritava-me olhar para o seu reflexo, via-lhe a silhueta, que coisa, porque o mandei embora, não consigo entender, só entendo mesmo de riscos e rabisco e que felicidade isso me traz, bem me parecia, alicerces, bases, os fundamentos ora que porra, faltava-me isso na minha razão, quando quis ser alguém na vida esqueci-me de muitas coisas e só agora me lembrei porque o mandei embora. Porque era simples, demasiado simples, puro, com mãos mágicas.
Mandei-o embora por ser simples, simplesmente por isso pela sua simplicidade de amar, que forma estúpida de me suicidar.

Apeteceu-me
* Esta é a minha imagem favorita de todas as fotos que conheço.

quinta-feira, março 10, 2005

(Fogo) Cruzado III

(...) É claro que não tenho que pensar porque havia de pensar, isso é lá coisa de homem, quer dizer, talvez seja, mas porque tenho eu de pensar, mas agora até que estava a pensar num cigarrinho que não fumo e num cafézinho que já bebia uma cafeteira dessa coisa, ai só de pensar nisso dá-me uma volta a barriga e que vontade, vou Ter de me arrastar até à casa de banho que é uma coisa que nesta altura não dava jeito nenhum, mas tenho duas hipóteses ou vou, ou tenho de ir, das duas uma, e o que tem de ser tem de ser, tem mesmo muita força, ai, ai, o melhor é!?(...) (depois de um estrondo, um enorme silêncio)
Chiça penico que esta foi dura, parece que alguém me empurrou da cama e a cama terminou abruptamente, que grande trolitada que eu dei nem a mesinha de cabeceira escapou, isto está lindo, a minha barrida dá voltas e mais volta, o melhor é ir de gatas, só visto que contado ninguém acredita, sendo assim ainda bem que estou sozinho que a Susana não quis ficar comigo esta noite, digo eu que não quis, por certo foi para não ver esta figuras, bom mais um esforço e estou lá, está quase, ufa já está, agora basta apoiar-me e subir para o poleiro, para a amiga sanita, esta amiga que deve ter sido tão maltratada, parece que a minha pontaria à noite não esteve grande coisa, não estava mesmo nada afinada, que se lixe, nada que um bom produto daqueles 28 em 1 não resulte, aquelas lojas dos chineses são mesmo “fabulásticas”, têm lá cada produto, que até estala, bom, mas ai estava eu no sitio mais estúpido que conheço, não pela necessidade de usar isso é mais ou menos sagrado e mais ou menos rápido, mas é o tempo que se passa por ali, além da força que fazemos, que se faz, estamos ali um bocado de braços cruzados, ou com as mãos nas calças para elas não caírem com um sorriso de orelha a orelha que ninguém percebe porquê, perceber percebe-se, mas nunca é do alivio geralmente é das coisas absurdas que se observam, aqueles biblôts de casa de banho que nos oferecem e que sabemos que foi uma oferta de alguém e que por sinal já tinha sido oferecido por outro alguém e uma pessoa resolve quebrar o elo para que não descubras o azar que tens na vida e o vir a receber outra vez, por isso fica ali.
Mas a casa de banho pelo menos a minha é assim um misto de coisas, úteis e muita coisa inútil, alguém me explica para que serve aquelas coisas para levar o sabão liquido? Claro que não ninguém se dá ao trabalho para encher aquilo, é como os afther shaves, alguém usa aquilo sem ser no natal, para demonstrares a pessoa a quem ofereces, que é um excelente perfume e que
não cheira a creolina, e aquelas revistas que já leste 45876 mil vezes e não dizem nada?
Ou por outra tem uns testes a personalidade fantásticos, tipo :
Parabéns você é o novo Einstein da Brandoa ou de Massamá.
Mas já sei esses testes de cor . Ou então o que fazer para ser uma grande Dona de casa, e eu ponho-me a pensar para ser uma boa Dona de casa, tem de ter dinheiro é uma coisa que nunca ninguém pensa nisso, como podes ser dona de alguma coisa se não tiveres dinheiro?
Se tiveres dinheiro ou se ela tiver dinheiro pode ser uma boa ou uma má dona de casa, mas má porquê? Por não pagar a casa a tempo e horas? Ou porque não gosta da casa e a maltrata-a, agride-a?
Bom testes e mais teste, outra coisa inútil na casa de banho é aquela cesta ou cestos de meter a roupa suja, se está suja vai para lavar e o lugar é na maquina de lavar, se não está sujas vestes, porque tem de ir estagiar até a um cesto, calculo e olhando para aquilo que tenha por lá roupa com mais de 5 meses de estágio, ela (roupa) vai para lá e depois esqueço-me é normalmente a Susana que faz a triagem, nada de especial, nada mesmo.
Mas a casa de banho é mesmo um mundo estranho de coisas estranhas umas bolinhas com imensos cheiros de todas as cores e feitios e para que servem estou farto de me interrogar, mas nunca chego a conclusão nenhuma, até porque se o objectivo é que a casa de banho cheire bem acho que não resulta, porque pelo cheiro devo ter um “gajo” morto dentro da sanita.

Apeteceu-me

quarta-feira, março 09, 2005

A Coisa Pública

A Coisa Púb(l)ica


(...) ultimamente não paro de ouvir falar da coisa pública, a coisa para ali, a coisa para aqui e tenho-me interrogado o que é a coisa, aliás eu sei o que é a coisa, sei o que é coisar, o que é o coisinho sei o que é uma serie de coisas com o coiso.
Agora a coisa pública, eu lembro-me de quando andava na escola, há muitos, muitos anos, na primária, há muitos mais anos, há tantos que já não me lembro, de dizer com um ar envergonhado:
- mostras-me a tua coisa?
E respondiam-me sempre:
- só se me mostrares a tua.
Mas esta era privada, era nossa não era pública não havia espectadores e lá mostrávamos, ela os cromos da Heidy o mais difícil e eu os do Vicky, por vezes quando éramos mais promíscuos, mostrava-lhe um cromo que eu tinha do Sandokan em tronco nú e ela mostrava-me a lady Diane em roupão era uma coisa que nem vos conto. Contar conto era uma coisa que não era pública.
Estava aqui a pensar se a coisa pública não será prostituição, bom talvez não ainda não vi em lado nenhum vender a coisa, mas há coisas que se vendem, vendem-se e de que maneira e só ficam mesmo os anéis, e o público que se lixe, mas mesmo assim resta a coisa, mas que coisa! Pois a coisa, lembro-me dos vendedores de feiras, com aqueles microfones muito fanhosos de fazer inveja a qualquer vendedor de karaokes, vendedores e cantadores, cantadores de grandes coisas, algumas públicas, claro neste caso é prostituição será se a musica pode ser uma coisa, se o público tem acesso e compra, bom mas isso é partindo do principio que a coisa é mesmo coisa e que é pública.
Mas o que será uma coisa, esta busca desperta-me emoções, sentimentos e prazeres, ai que prazeres esta busca incessante da coisa, a coisa da coisinha, a coisinha era sempre a vizinha que por sinal era amiga da prima, que era a tarada da rua, tarada no sentido, sim no sentido de taradisse, doida, violentamente apetecível, a primita claro.
Mas procurando a coisa no dicionário, diz lá objecto inanimado, lembrei-me logo de menopausa, não percebo porquê, deve ser desta mente conspurcada nascida nos anos 60( é a primeira vez que utilizo este argumento) já que os anos 60 são os culpados para os males do mundo por um lado, e uma dadiva de coisas óptimas até costumam dizer que a coisa ficou mais ao léu, com aquela história daquela invenção da Mary Quant da mini saia(uma boa invenção para a causa da coisa se bem que não pública ).
Bom mas continuando a minha busca, o dicionário também diz que a coisa pode ser um acontecimento ou um negócio, acho que não quero saber mais, se procurar o significado de pública, a coisa fica ainda mais complicada, fica tipo : acontecimento vulgar; negócio tornado público, já não quero saber mais com esta coisa pública ainda acabo deprimido de pensar nos milhares de pais e mães que conhecem os negócios da coisa pública das sua filhas, não, não quero falar mais da coisa, só mesmo com um advogado o melhor é levar a tribunal a coisa pública.
Não, não acredito o tribunal cível “não define coisa pública” ou por outra o Código Civil não define “coisa pública”, está tudo tramado, mas pior isto só vem piorar as coisas querem ver: Deve entender-se por “coisa pública” não só aquela que assim é qualificada por lei como aquela que está afecta ao uso directo e imediato do público.
Ora cá está a coisa, não pode nunca ser pública tem de ser um segredo muito bem guardado se não ainda nos levam a coisa, depois dos anéis há que guardar a coisa debaixo do colchão, já que no banco vale grande coisa.


Apeteceu-me

terça-feira, março 08, 2005

Cruzado II

Cruzado II




(...) Mas estas histórias do mixado, qual mixado qual carapuça, estava mesmo fu... fu... (parecia um gato) furioso, furioso? Porquê? Não tenho razões para isso, não quero pensar nisso só quero pensar, porque me dói tanto a cabeça, imagino que ontem a piéla deve ter sido jeitosa, e eu ralado se a mim me doi a cabeça e tenho a boca seca, ahahahaha alguém vai estar daqui a pouco muito pior que eu, hihihih com o mal dos outros estou eu mesmo bem, aliás com o mal dos outros, só me dá mesmo vontade de rir. Mas o melhor é não me rir muito porque diz o povo e parece que é verdade, o ultimo a rir é o que ri melhor.
A verdade é que estou mesmo desolado desta confusão na minha cabeça, não basta esta pertença ressaca, aquela revelação matinal e olhando para esta casa que até dá vontade de chorar, mas mesmo assim não está nem um terço parecida com a do Vasco, por isso acho que ainda se aguenta assim umas semanitas, bom os pelos do Cão Guru é que se acomulam por ai que nem sei. Por falar em não sei, onde anda o raio do cão, não é normal ele não andar por aqui, onde se terá metido aquele “gajo”? Como é pequenito, aqueles 80 quilitos de carne não devem estar muito longe, humh, a porta aberta, isto está bonito está, deixei a porta aberta? Bom será que o cão fugiu? Para longe não deve ter ido e se o virem por ai devem-no trazer, isto se ele não entrar por ai por casa de ninguém e começar a comer tudo o que for vendo, espero que não empurre ninguém pela escada abaixo que aquilo por onde passa parece um combóio, leva tudo atrás.
Mas o que se terá passado ontem assim de tão especial, para apanhar aquela bebedeira fenomenal, presumo que tenha sido, pois, mas também devo ter esfumaçado um charrito nada de muito especial, mas às vezes apetece-me, e que mal me faz, bom mas não quero falar nestas peripécias, vou fazer qualquer coisa de útil à humanidade, tipo uma coisa que me faz ficar muito mais bem disposto nestas ocasiões, vamos, lá, vamos já falta só um bocadinho, argggggggggggg, a grua, a grua, não consigo mesmo levantar-me, acho que vou trincar a minha almofada, acho mesmo.
O barulho lá de fora era ensurdecedor, mas porque não costumava ser assim há algo aqui que está mal, não estou a entender, isto a esta hora é que não, não, dá mesmo jeito nenhum, apesar da minha cabeça não estar a 100% também não está muito avariada mas assim vai avariar, ai vai, vai e eu não me apetecia ter o dia todo estragado, mas não conseguia deixar-me de rir, aquela carta, aquela carta ainda vai dar tanto que falar, parece que estou a ver o Vasco aos gritos, supositórios não, supositórios não, colam-se me ao céu da boca, hahaha, do mal o menos, o Vasco vai ter uma solipampa das grandes, ai vai, vai, e eu tenho de ir com a maca atrás, para ele cair no meio do chão, nem os cacos se aproveitam.
Mas também no fim de tantos aprontos o que é mais um. Eu tenho é de lá ir certificar-me que ele abre a carta, porque se está com a ressaca que eu penso quando vir o envelope é bem capaz de o comer, quem come meias com 15 dias de uso, um envelope nem a aperitivo chega, estou a ver abrir a porta aqueles olhos a desfocarem tudo, a pensar que é para ai a Ti Maria da Praia a vender aqueles guardanapos fabulosos, ou aquelas bolinhas de Berlin que tem um creme que mais parece massa consistente, mas sempre é melhor que supositórios, hahahaha só o Vasco para pensar numa coisa assim.
Bom vou fazer mais uma tentativa para sair da cama, 1, 2, 3 ufa, pelo menos já consigo estar sentado, vou meter-me em posição de yoga de pernas cruzadas e braços sobre as pernas, acho que vou meditar, ai acho que vou mas é me deitar qual meditar, que assim já não tenho de pensar grande coisa, nem grande nem pequena, não tenho mesmo que pensar aliás é sábado, porque será que tenho de pensar ao sábado, e ao domingo?
Porque será que tenho de pensar, ponto final paragrafo.

Apeteceu-me

domingo, março 06, 2005

Terrores (Mundo ao contrário)

Terror



Sentia-me longe de tudo, estava perdidamente sozinho, num ermo e sombrio casarão.
Lá fora chovia, era uma chuva forte batida a vento, mais parecia granizo, mas não era, era mesmo o vento forte. Cheirava a terra molhada, aquele cheiro que, nos corta a respiração, que nos sufoca, que nos alimenta as emoções e as tentações. E outras coisa que nós gostávamos de ter mas não conseguíamos.
A luz ora vinha, ora se ia. Acendi, ou por outra acendeu-se um velhinho candeeiro a petróleo que deixava um outro odor, sim, um antigo odor de quando nesta terra perdida bem longe de tudo, um odor que chegava com o petroleiro, o petroleiro que com a sua mula, traziam as mercearias a casa ,havia de tudo desde lixívia, a sabão azul e branco, a bolachas, eram velhas recordações que fugiam nos dias de hoje, mas que perduravam na memória e memórias de todos, que ainda sonhavam.
Como tudo e afinal ali era um dia difícil, a história também não ajudava. Começava a trovejar com a inquietude da chama, ou chamas, ou mesmo luz que produzia sombras num flash muito rápido, as sombras começavam a bailar lá por casa, estranhos bailados, nas paredes daquele casarão, com mais de 200 anos.
A lareira funcionava e estava acesa a funcionar, a trabalhar, ou mesmo a obrar como queiram, como gostem mais de ler e ver escrito, a lareira queimava e queimava, um enorme restolho de oliveira, o soalho rangia, deixava os sentidos de sobreaviso, caminhava-se e caminhavam, de um lado para o outro.
Com um enorme balão de Armanhac, a noite parecia perfeita para um cenário de terror naquelas terras que viram ensanguentadas batalhas.
Ao longe via e via-se descer uma sinistra personagem, ao longe era perceptível e notava-se que tal personagem tal sinistra personagem tinha um longo oleado vestido e um chapéu enorme que tapava a luminosidade do seu rosto, na mão um bastão ou um cajado que o ajudava a caminhar naquela altura.
Alí perto, estava uma janela, uma longa janela perfeita onde se via ou por outra onde se conseguia ver quase tudo alí á volta.
Por momentos perdeu-se o rasto à sinistra personagem, à volta nada mais havia, ou não havia mais nada a não ser aquele imaginários domínios, foram dadas varia voltas às varias janelas, não havia sinal de tal personagem, de tal sinistra personagem.
Bebeu-se mais um trago de Armanhac, começou-se a ouvir e a sentir barulhos mais estranhos, enquanto lá fora começava a trovejar ainda mais forte.
As sombras começavam a movimentar-se cada vez mais por dentro de casa estava realmente a ficar tudo apavorado, cada relâmpago iluminava a casa para depressa ficar o breu o escuro, muito escuro.
O soalho rangia, os quadros da sala pareciam observar todos os movimentos, atentos os olhares aquele movimentos menos atentos, estava cada vez mais assustado, o cenário parecia aterrador, muito aterrador, devagar tudo foi deslocado para a cozinha, roçando os ombros pela parede para sentir segurança, parecia que alguém perseguia o ribombar dos trovões onde se escondiam outros sons avassaladores de velhas utopias e magias. Havia medo, muito medo, terrivelmente agastado, frustado e aterrorizado com a situação.
Estava alí a cozinha, parecia o local perfeito para acontecer alguma coisa. Voltava para um lado e para outro, apetecia sentar no chão, fechar os olhos e adormecer rapido, uma sombra que parecia uma pessoa enorme, parecia alguém que tinha vestido um oleado, parecia a sombra também de um grande chapéu, queria gritar mas os sons não saiam, as cordas vocais não conseguiam emitir qualquer guincho, via-se na sombra, levantar-se um braço com uma faca pontiaguda na mão, sentia-se um respirar fundo e quando apareceu ou se ouviu uma voz arrepiante, sentiu a percorrer pelas pernas um fluido quente e descontrolado, aquela voz, aquela voz ... rouca e sôfrega que se ouviu antes de desfalecer, antes de abrir o frigorifico disse:
onde está o facalhão para meter a manteiga no pão.

Apeteceu-me

sábado, março 05, 2005

Suicídio (Coragens)

(...)Ali estava ele, o vento batia-lhe na face o frio era de cortar a faca
(...) O mundo parecia que lhe ia cair em cima da cabeça, estava prestes a estalar (a cabeça), sentia-se um incompreendido, não uma vitima ou mais uma vitima, mas um incompreendido, sem razão nem sentido, o seu refugio estava longe, os pensamentos refugiavam-se em linhas paralelas por aqui e por ali longe do imaginário do quimérico.
Raramente ele tinha oportunidade de dizer a alguém o que lhe ia na alma, raramente ele dizia a alguém quem era, o que queria e onde gostava de ir, ninguém sabia quem era, nem pareciam ralar-se muito com isso, conheciam-lhe a silhueta, pouco mais, mas ninguém conseguia chegar lá ao fundo. Ninguém se lembra de o ver cabisbaixo, não é, nem era pessoa de baixar a cabeça de se sentir humilhado, vexado, mas por vezes a vida, a alegria da vida parecia querer abandona-lo, momentaneamente fraquejava, mas voltava a saltar para fora, queria perceber o que a vida lhe oferecia, sentia a vida passar a correr, mas havia momentos em que a lucidez se sobrepunha a solidão, uma solidão controlada, uma solidão que servia, para controlar as ansiedades, as inquietações de espirito, aquela impaciência que tantas vezes parecia um turbilhão de emoções em sentido contrario.
Não era que isso fosse muito importante, não era mesmo nada, porque havia alguém de se importar com isso? As pessoas são egoístas, mas são o que são ou aprendemos a viver com isso ou então, ou então aprendemos a viver a vida de outras pessoas a não Ter vida própria.
Os pensamentos dele são :
ou fugimos dos nossos sonhos, ou caímos no marasmo de uma vida normalissíma, banal, igual a tantas outras, e tudo nos passa ao lado de certa forma a morte, uma morte não clinica, mas cínica e impassível.
Pensava, enquanto o vento lhe rasgava a cara com o frio, não havia dor, só mágoa, a dor essa era suportável ou talvez não mas era superada por outras dores, mas enfim era mais uma vida que podia terminar ali, ali quando a coragem assim o decidisse, sim coragem e não cobardia, coragem, é preciso coragem.
(...) naquele momento enquanto estava enquadrado com o horizonte a uma altura considerável da agua, pensou que a ponte é uma passagem e não um ponto de partida para outras viagens.

Apeteceu-me

sexta-feira, março 04, 2005

(Falta) Tempo

(falta)Tempo



(...) Ninguém se lembra como apareceu, nem de onde apareceu, foi à muito, a tanto que ninguém sabe ao certo quando.
Apareceu rebelde, mas sempre calmo, ninguém se lembra de o ver olhar para trás, muito menos voltar para trás, não fazia parte dos seus princípios, nem dos seu desígnios, da sua determinação, porquê para trás, porquê parar.
Do passado só memórias, livros e livros de memórias, de histórias de passados, bem e mal passados, parecia a oposição à ideia da eternidade, complicado? Não, nem por isso.
O que passou, já lá está, aquelas memórias, os álbuns que ficam, o incumprimento dos nossos sonhos, se conseguíssemos materializar o nosso passado em pequenos espaços de nada, pequenos nadas, seria por certo um vazio, um buraco sem fim, como um embolo de uma seringa, quando se empurra, quando se carrega, vai saindo, o que está fica, e para trás nada, nada mesmo, nem resquícios.
O presente, mais não é que o passado, porquê olhar para trás, porquê parar? Passa a uma velocidade constante, parece um enorme incêndio por onde passa, queima arrasa, não perdoa, não para, um turbilhão de emoções, o presente já era, foi transformado em recordações, memórias, passado, muito passado.
O nosso amigo, que apareceu do nada ou por outra apareceu mas ninguém sabe nem quando, nem onde, nem porquê, não pára, não espera, ( por ninguém) é preciso acompanhá-lo, dificilmente, mas acompanhá-lho é uma dádiva de vida, de viver, de crescer, de sobreviver, de subsistir, de resistir, de estar de ver, basicamente de acreditar.
O presente, presente de prenda, presente de estar, presente aqui, 3 formas, diferente de estar, de querer, de sobreviver, de andar por ai, mas não se pode perder nada, nem mesmo ultrapassa-lo, ai a frente está o futuro, o desconhecido.
O futuro, o desconhecido, os passos são largos, são dados em direcção à grande incógnita, ao imenso vazio que se vai preenchendo consoante chega, parece uma passagem da cor para o preto e branco ou vice versa, são sensações que chegam perduram pouco e vão-se, esvaziam-se rápido e dão lugar a outras, a mais outras a muito mais outras, sempre em constantes mutações sempre numa grande espiral de emoções, desilusões, paixões, frustrações, amores, desamores, crenças, fés, deambulações pelo abismo, alegria, alergia, utopias, letargias, sei lá, o nosso amigo passa por aqui e continua sem parar sem querer olhar para trás,.
Quem está, está, quem não está estivesse, parece ele dizer a sua velocidade constante, enquanto estas palavras se soltam, ele passa por aqui, esvoaça, como o perfume, como a cor dos nossos pensamentos, leva-os, leva-os com ele, puxa-os, extrai-os, consome-os e não perdoa, parece rir, sorrir, um piscar de olhos a dor, as tormentas do dia a dia, do passado, presente em busca do Futuro, correr por ai a espera de nada, e a espera de tudo para dizer, que a próxima paragem fica algures por ai, e não têm retorno.
Porque o TEMPO não pára, corre que se farta, parece estar sempre a fugir de nós, e nós sempre a tentar fugir dele, e quanto mais fecham, os olhos mais ele passa, menos sonhos se realizam, mais silêncios ficam.
Esse o nosso amigo o TEMPO não volta mesmo para trás, que merda, não há emenda possível.


Apeteceu-me

quinta-feira, março 03, 2005

Game Over

Game Over

(...) A adrenalina subia, as mãos estavam trémulas, mas a verdade é que ele sabia que era possível, que naquele dia, poderia mudar a sua vida para sempre.
Estava nervoso sim, mas tudo porque tinha mentido a sua miúda, uma mentira descabida, despropositada, daquelas mentiras que soam a falso, que transpiram hipocrisia, ele sabia-o estava arrependido naquele momento, mas sabia que tinha deixado para trás uma imensa angustia a alguém.
Mas a verdade é que agora estava frente a frente com a maquina, aquela maquina tinha corrido o mundo, uma maquina de Flippers, de dois pisos, bem antiga mas que tinha um objectivo, bater aquele recorde, 1 milhão e 1, isso mesmo se batesse aquele recorde de 1 milhão e 1, ele alem da notoriedade, ganharia uma avultada soma em dinheiro, que daria para realizar o seu sonho, o sonho da sua curta vida uma casa com piscina.
De costas voltadas, para aquele jogo, que mais não era que a luta do homem, não pela sobrevivência, mas contra o plano inclinado, era impressionante o tempo que tinha que se aguentar a bola, ali em cima sem entrar em lado nenhum que fosse irreversível, mas de costas voltadas conseguia ver mentalmente todos os obstáculos da mesa de Flippers,
todos os pinos, sabia-os de cor, sabia onde devia colocar aquela enorme esfera de metal, todos os movimentos, continuava a mentalmente a percorrer cada canto, como se contornasse o corpo de uma mulher.
Ele queria que aquele momento fosse único, mas para o ser não deveria ter tido aquele acto irreflectido com a sua miúda, a sua adorada miúda, mas já estava feito e desistir, não fazia sentido, não naquele momento, virou-se, frente a frente com aquele plano inclinado, fixou-o, foi como uma espiral, os seus olhos sugaram toda a parte útil da maquina, ficaram em perfeita simbiose sem tirar os olhos, daquele vidro, onde por baixo figuravam imagens de inúmeras cobras de todas as forma e feitios, meteu a mão no êmbolo que ficava no seu lado direito, com os dedos sentiu os botões que comandavam os Flippers, lentamente puxou o êmbolo, sentiu a força da mola que lançava a bola, aquela imensa e pesada bola de metal, não puxou mais que metade do que podia, meia força, servia meia força, para a bola subir, até ao inicio do jogo, tinha direito a 3 bola, 3 bolas para conseguir bater aquele recorde que durava desde o primeiro dia da maquina, 1 milhão e 1.
A bola foi lançada, antes pensou só uma única vez na sua miúda, quem o observava susteve a respiração, sabiam que podia estar a testemunhar algo de espantoso, poderia durar horas, mas ele sabia os sítios exactos para a maquina dar pontos muitos pontos, sabia todos os túneis vielas, pontes pontinhas, onde dobrava a pontuação, onde ganhava milhares de pontos de bónus.
A bola subiu, foi alojar-se numa das 3 portinholas abertas, acendeu uma luz, ao fim de 3 luzes acesa a pontuação dobrava, e assim sucessivamente, de cada lado tinha dois batentes quando a bola batia saia de lá com toda a força, fosse qual fosse a posição, era automaticamente repelida, os pontos iam somando, ali logo de cada lado havia uma fila de 5 pinos amarelos de um lado e verde escuros do outro, de um lado faltava derrubar um do outro dos verde 3 eram das pontas tornavam-se mais difíceis tinha de dar com a bola na pontinha de um para ganhar efeito e derrubar o outro como se fosse bilhar.
Os pontos iam-se acumulando, já estava a quintuplicar, os bónus eram muitos, ele sabia o limite da maquina, sabia até onde a podia abanar, até ela fazer TILT e perder tudo o que tinha conquistado a bola veio disparada lá de cima e foi alojar-se numa das saídas laterais, ainda tentou com uma palmada seca no lado onde a bola, a esfera, saiu mas não conseguiu, pela primeira vez olhou para cima, viu o contador a rolar, pontos e mais pontos, conseguiu uma bola extra e 2 jogos novos só nesta jogada, mas os jogos não contavam, a bola extra dava muito jeito, o seu rosto já libertava suor, muito suor, escorria-lhe pela face caia-lhe nos olhos que lhe fazia arder, de vez enquanto piscava-os, mas passava-lhe rápido a concentração voltava depressa, no fim da primeira bola ele já tinha conquistado a sua maquina 70 mil pontos e uma bola extra além dos bónus, preparava-se para a segunda, com o seu ar circunspecto, concentrava-se, ouvia o que a maquina lhe tinha para dizer, pensava mais uma vez na sua miúda, soltava a t-shirt das calças, puxava as mangas para cima dos ombros o mais possivel, a segunda bola era lançada (...)
Já só sobrava uma bola, tinha conquistado 6 bolas extras e um sem fim de jogos, esta era a ultima era a décima era a bola que ia decidir tudo, já só faltavam 60 mil pontos para o milhão e 1, ele sabia que era decisiva, que estava ali o seu sonho tão perto de o alcançar, olhou mais uma vez para a pontuação, fechou-se entre ele e a maquina, puxou mais uma vez o êmbolo, a bola saiu enroscada, como queria, foi precisamente onde mais, já só faltavam 45 mil pontos, e sucediam-se jogadas de cortar a respiração, a bola parecia vir direitinha ao meio com um pancada ao de leve a bola mudou de direcção, quando parecia que ir dar com força para a bola seguir o mais possível para cima para aquele plano inclinado, o flipper ficou imóvel, a bola bateu e saltou para o outro e numa jogada de mestre derrubou o 3 pinos que faltavam, estava a 5 mil pontos do milhão e 1, naquele momento sentiu um cheiro doce, um cheiro que conhecia a muito era o cheiro da sua miúda, um cheiro que lhe dava um enorme bem estar, uma enorme vontade de gritar, estava a um pequeno passo de um beijo e de grande feito, parou a bola no flipper, olhou, então para ela recebeu um sorriso, um sorriso de tranquilidade, olhou para o contador, viu o que faltava, jogou a bola, o recorde estava quase ali, quando a sua miúda de um só gesto, desligou a ficha. Game Over .

Apeteceu-me

"Where did you sleep last night" dos Nirvana acompanha-me constantemente, é a musica que eu costumo trautear quando preciso de sorrir e quando tenho de "renascer das cinzas lembro-me de um reclame da Pepsi...a letra é mais ou menos isto(...) tenta conseguir o que julgas melhor anda para a frente e lá chegarás, junta-te (...) o segredo de vencer...lálálá tem pelo menos 22 anos.

quarta-feira, março 02, 2005

O Jogo (de um dia)

O Jogo (de um dia)



(...) Que mais se podia pedir, o ambiente era fantástico, quando anunciaram a constituição da equipa, mais de 50 mil pessoas a gritar pelo meu nome, era um jogo especial do tudo ou nada, quem vencesse seria campeão o sonho de uma vida, o sonho que não estava ao alcance de todos e, naquela altura naquele momento estava ao meu alcance, olhava em redor das bancadas, mil cores, mil sons, mil cânticos, mil diferenças, muitas mil, para apreciar sentir, mas tudo começou, lá dentro lá em baixo no balneário.
Depois de sair da camioneta, ou autocarro ou raio que lhe chamam, calmamente e com os phones nos ouvidos concentrava-me, olhar vazio, vago mesmo a espera de outras entradas, de outras regras, ouvia uma musica da américa do sul com Flauta Pan, para ai “o condor pasa”, não podia precisar naquele momento, naqueles minutos já muitas emoções tinham passado por mim, mas seguramente era musica que eu gostava.
Quando entrei no balneário, a adrenalina subiu, como subia em todos os jogos aquele cheiro, um misto, de pomadas, pomadinhas, mezinhas e bálsamos, um cheiro intenso, que fazia, os níveis de confiança aumentarem, sentei-me no meu lugar onde estava o meu equipamento pronto a ser utilizado, novinho, como sempre naqueles grandes jogos, adorava o meu numero, o numero que me acompanhou uma vida, o dia em que nasci era um numero magico para mim, sentei-me ali, ouvia o burburinho dos meus colegas, as sucessivas tentativas de concentração, baixei a cabeça de uma forma calma, retirei de uma das bolsas do meu saco uma pequena pedra, um seixo que tinha um dia apanhado numa praia, que tinha ido com o meu pai, guardei-a e tornou-se o meu talismã esse era um dos talismãs, o outro era uma bíblia muito antiga, que me fora oferecida pela minha avó e que me recusei sempre a abri-la, desde o dia em morreu.
Mas ali de cabeça baixa, segurava a minha pedra, e murmurava, balbuciava pequenas cantilenas de infância, o barulho começava, os pítons das botas a roçarem pelo chão começavam a enervar-me, minto aquele barulho chamava-se nervos, os nervos que se apoderam de qualquer jogador antes de um jogo, não de um grande jogo, mas de um qualquer jogo.
O treinador, falava comigo, a sua voz parecia distorcida, foi ficando melhor, mais nítida consoante a minha atenção, o meu actual mundo, o meu estado, começava a prender-se a ele, naquele momento já sabia que poderia fazer história, que poderia decidir a alegria de milhões, mas também poderia ser a causa de uma enorme e frustrante tristeza de muitos, muitos mesmo seguidores.
O ritual do balneário começava quase a compor-se, eram as ultimas massagens, os últimos produtos, as ultimas ligaduras, eu por exemplo ligava sempre o pé esquerdo de forma a ter mais pressão, a senti-lo melhor, a ficar mais rijo, e a não se dobrar tanto, sabia que no final teria de ficar pelo menos mais 1 hora que os outros, para fazer gelo, para o desinchar. Estava quase na hora, faltavam poucos minutos, estiquei os braços para vestir a camisola, ela deslizou tranquilamente até bater nos ombros, ajeitei-a puxei os calções para cima, meti a camisola para dentro, depois olhei para as minhas botas de futebol, eram brancas a estrear feitas a medida, pítons de alumínio para rasgarem a terra a relva, por vezes corpos, mas sem maldade, tempo para um grito quase tribal, que fazíamos em grupo para aliviar e deitar fora toda a tensão, batíamos violentamente com os pés no chão, faltavam poucos metros para o relvado, para o jogo, para uma vida.
E ali estava eu, perfilado a ouvir cânticos, a ouvir-me por dentro e por fora, sabia que poderia ser a chave, os adeptos também depositavam toda a confiança em mim, na minha pessoa, os jornais não paravam de dizer e de falar nisso, mas não me importava, convenci-me que era só mais um jogo, apesar de o querer ganhar muito a minha vida não dependia disso, a minha vida dependia de outras coisas mais importante, muito mais importantes que isso, a minha vida dependia da minhas “pipocas” e dos meus sonhos.
Estava na hora, cumprimentei, aliás saudamos todos os nossos adversários, o arbitro, perfilamo-nos pelo campo, olhei mais uma vez a minha volta, vi aquele espectáculo de luz, de cor, de sons.
Sustive a respiração, o arbitro, meteu o apito a boca e foi naquela altura, que o carro de trás apitou, o semáforo estava verde, a botas de futebol penduradas no espelho retrovisor, pareciam acenar para mim.

Apeteceu-me