(…) Viveu demasiado tempo dentro da sua própria sombra, para se lembrar fosse do que fosse. Foi isso que lhe provocou a violenta metamorfose que o transformou na sombra que o perseguia. Os braços soergueram-se lentamente, a cabeça tombava em círculos e, tudo se manteve escuro. Nem os gemidos da sua própria erosão o demoveram, revelou-se e partiu.
(…) Um arrepio na espinha provocou-lhe aquele olhar perdido, sem expressão e sem chama. Procurava nas palavras que não saíam, a verdade. Caiu fulminado pela ilusão que se refugiava dentro de si. Alojava-se dentro de um parasita num local ermo dentro de si. Nem a melodia perdida dos sons graves da música lhe indicavam o caminho, era noite e chovia.
(…) Os dedos não paravam de baloiçar, numa energia sem precedente. Uma realidade cruel, ao mesmo tempo reconciliadora com o «processo»; reagiam assim, só isso. Estava cinzento o corpo tombado perto de ti, reflectia os pequenos silêncios que se acumulavam, como malmequeres tombados numa batalha longínqua e vegetante.
(…) Não me lembro do teu nome – e isso importa? Não me lembro do teu sorriso – isso parece grave! Como é grave não saber o sabor das palmas das tuas mãos. Nem a cor, nem de cor, do respirar que me mantém acordado, numa vida que se vai esvaindo, dia após dia. Reinvento-me, nada sobra dentro de mim, só o sabor a sangue dos meus lábios.
"Há sequências de nós que nunca chegam a existir". Charles de la Folie