quinta-feira, janeiro 29, 2009

Nunca te esqueças que a Morte anda aí tão perto.

(...) Resgatava-me à minha própria preguiça, sem que ela desvanecesse no seu essencial. Não me lembro ao certo as horas pelas quais se regula o teu corpo, procurava-te. Só isso. Dentro de ti vivia a vontade e o desejo que nunca iria compreender. Afinal era o teu. Não me lembro do teu sorriso, senti isso como o maior dos meus pecados. Corri ligeiro pelas pregas da minha mente e não te encontrei. Fiquei tristemente alegre, quando do alto daquele banco retirei a corda que me «abraçava» o pescoço.



(...) Dois passos bastaram. A queda foi mortal, numa descida vertiginosa - relembras - procuraste o teu papel dentro de mim. Ainda hoje - voltaste a relembrar - mantens-te nessa descida, perdida num silêncio em que percorres o meu rosto lentamente, deslizando nas entrelinhas com que vais revestindo a minha pele. Nem sempre de cordeiro.



(...) Jamais poderei pronunciar o teu nome. Bani-o de circular por perto daquele destino que todos nós conhecemos e não ousamos pronunciar. Ontem balbuciei-o. Entrei lesto num Mundo que não é o meu, numa dimensão dividida da minha. Metade do meu corpo ficou de um lado que não conheço, com uma visão dividida e um destino des-traçado entre a tua e a minha ilusão.



(...) Regresso daquela pequena fatalidade. A água saia em catadupa do mutismo da noite. Chamam-lhe chuva. Escondido segredava-lhe metonímicas em sentido proporcionalmente inverso àquele que queria. Sorri com o destino que levava o meu cogitar. Ganhava o objectivo do tempo. Ouvia o soluçar das nuvens a desabar por cima de mim. Como um beijo húmido numa noite longa de amor. Voltei a olhar, nada vi. Regressei embalado pelo teu olhar. Desculpa, pareceu-me que era teu.



Apeteceu-me "Nem sempre o destino dos dedos, pronunciam o que vai na alma" Charles de la Folie

terça-feira, janeiro 20, 2009

És o meu (A)mar


(…) A tua violência contrasta como a enorme capacidade de seres sempre belo. Hoje numa veemência incomensurável, ontem doce e meigo. Hoje a espuma branca cavalga no ímpeto do teu cinzento, que no horizonte se confunde com a melancolia do empíreo. Ontem um prado azul, cheio de sal e decididamente como tu mulher. Destróis-te no ribombar de um trovão, quebras-te para voltar a resnascer. Mas nem sempre és assim.


(…) O gélido pensamento, cruza um emaranhado de rumores sem importância alguma. Na quietude desse pensamento surge o nada e deixo-me cair no seu vazio. Há um mutismo relativo. Respira-se com dificuldade os sorrisos de quem nos acode. Num lado levanta-se a alma, no outro regride o desejo. Firme, assim fico à espera do seu vaivém.



(…) Saltam de ti, desordeiramente, ínfimos seres. Percorrem-te, como os dedos que varrem o meu cabelo. Audazes, velozes, num brilho que percorre toda a vastidão da tua curvatura. Do branco do sul ao branco do norte. Entre ventos, marés e marinheiros. Entre vergonhas, saudades e lágrimas. É profundo, confunde-se com o sentimento, com a nostalgia da tua partida, mesmo que esteja sentado na areia a olhar para ti.


(…) Perco-te entre dedos, desafiando a memória de coisa alguma. Ensino as minhas mãos a sossegar perante a tua constante fuga. Num deserto que me acompanha pela vida fora. É o retrato imaginário dos meus pensamentos, ora impetuosos, ora afáveis. Suspiro, naquele olhar de anuência, em que tudo é grande, tudo é belo, tudo é infinito, perante a tua grandeza. És meu, eu sei, pelo menos enquanto por aqui estou.

Apeteceu-me


"Foge-me entre dedos a esperança que nada aconteça nos dias que passaram" Charles de la Folie

sábado, janeiro 10, 2009

30 anos - Como cresceste irmão

(…) Resolvi ouvir-te na tua plenitude, fosse lá isso o que fosse. Eras tu, não eras? Então não havia mal. Não me lembro de te escutar a enunciar o meu nome ao longo de todos estes anos que vivemos juntos. Não é por isso que vais deixar de me acompanhar sempre que possas e a minha disponibilidade mental permita. Mas na nossa longa amizade tudo é permitido não é? – pergunto - isso mesmo, posso perguntar não posso, tenho margem para o fazer.

(…) Desejo a Lua, acreditas nisso? Acordei a meio da noite e senti um enorme desejo de te possuir – sim a ti Lua. Segui a linha ténue que nos afasta e verifiquei o enorme vazio em que me deitava. Foi assim que te conquistei no meio do nada, agarrei-me a meio do boléu a essa linha de traço fino, como a – tua – música. Percebi então que o rumo da minha vida tinha uma pequena direcção sem fim.

(…) Cresci numa pequena cidade à beira-rio. Não que ele existisse – o rio claro – a cidade ainda lá está. Era feito de pequenos sonhos que desaguavam em frente à tua porta. Já era grande quando ouvi pela primeira que tinha desfrutado os melhores anos da minha vida perdido sem nunca ter ouvido ninguém. Não era de um mutismo exacerbado, aliás não sou. Foi ai que me interroguei se afinal existia na realidade.

(…) Fecho os olhos e deixo-me cair na solidão da juventude. Preencho o vazio do canto mais apetecível do meu quarto. Sinto nas costas o frio de Janeiro, aqueço as mãos, com o vapor que vem de dentro de mim. Suspiro uma ou duas vezes, penso nela e o estômago remexe. Há um pequeno interlúdio antes do essencial – nota-se no silêncio o tremelicar do vinil – cresce a ansiedade antes dos primeiros acordes. O primeiro - acorde - da guitarra eléctrica eleva-me a alma, numa batida de vida. Parabéns.
Apeteceu-me
“Há um pequeno silêncio acompanhado que fere a solidão” Charles de la Folie

quinta-feira, janeiro 01, 2009

A mudança do tempo em pequenas nuances

(…) O ano passava por portas e travessas, através do teu olhar. Era com indiferença que ele – o ano - anunciava a sua chegada. Não era preciso dizer nada, até porque, aquele pequeno fitar não deixava marcas, como as tuas mãos pelo meu corpo. As carícias que tornavam húmido toda a minha imprevisibilidade, essas sim faziam-me olhar para ele como o melhor de sempre.


(...) O ruído da tua chegada perdeu-se numa imagem de solidão. O teu segredo não será nunca desvendado. Também não é por isso que te esperei impacientemente, só para ultrapassar mais um e ficar mais velho. É como despir um velho casaco, virá-lo do avesso e retomar o caminho. Não o meu, nem o teu, mas sim os vários caminhos que nos embalam no dia-a-dia, até chegar o momento em que te findas e volta tudo ao princípio.


(...) Olhar perdido, rosto sem expressão, corpo adormecido pelos dias que passam e não voltam. Nunca voltam, nunca são os mesmo. E ele ali parado, como o homem-estátua sem conseguir pará-lo – o tempo – intempestivo e sugestivo. Sempre novo, mas sem novidades, a não ser que ninguém o consegue inverter, nem abrandar. O rosto de pedra, também ele ficou gasto pela idade do tempo, mesmo sendo intemporal.

(...) As mãos unidas desfaziam as dúvidas que tinha sobre o dia-a-dia. Pouco importava a não realização de mais uma fogueira naquele ermo desconhecido de todos. O Grito surgiu por detrás da pequena vereda, não sei como ele foi ali parar, mas foi descoberto pela sua impaciência. Estava despido e berrava como uma criança acabada de nascer. Afinal era o renascer das vontades, mesmo que nós nos mantenhamos iguais a ontem. Nada mudou a não ser o ano em que nasceste.


Apeteceu-me


"Nem sempre o ontem tem sequência no amanhã". Charles de la Folie