quinta-feira, outubro 09, 2008

Canto de mim

(...) Quando descobri o teu lado vazio, dormia pelo menos há mil anos. Não me recordo do teu aspecto, da cor dos teus olhos, do teu cabelo, nem sabor dos teus beijos. Lembro-me apenas do teu cheiro – uma pequena brisa de volúpia em tons carmim – diferente de todos os outros que alguma vez presenciei olfativamente.

(...) Aquelas mãos macias não podiam ser minhas – as minhas estavam atadas –, tinham que pertencer a alguém perdido entre a vontade e o desejo. Suaves e doces como o mel, recolhido da sua própria vontade. Mantive dentro de mim a vontade de lhes tocar, não tive coragem de lhe pedir que me acariciasse no meu leito de morte.

(...) Vi nitidamente a cor do teu odor – uma transparência irreal, presa na minha imaginação -, um tom pastel, sublinhado a carvão. Na realidade não me recordava de ti. Sentia a tua presença naquele vazio transposto por mim. Nem sequer entendia esse vácuo, a diferença entre o mutismo gerado à volta do que eu pensava sermos nós, puro engano. Estavas sozinha.

(...) Não consegui prever a minha morte, mas ali estava estático perto de ti. Sentia o teu respirar, como um ciclone que transpunha a minha barreira ilusória. A lágrima que se desprendeu do teu rosto, tocou-me fundo e ecoou durante uma eternidade. Muito mais que aquele ranger de dentes durante a paralisia do meu fenecimento. Irreal dentro de um mundo real e fingido. Será sempre assim, mesmo que não me lembre.

(...) Percebo agora a tua mensagem quando escreveste: “Leio-te pungentemente, até que a morte nos separe”. E depois lembrei-me, e se lesses as mensagens ditadas pelo meu corpo. São telegrafadas em pedaços de satisfação. O corpo rasga-se delicadamente sob a incidência do teu olhar e ali fico. Posso perguntar por ti?


Apeteceu-me

“Nem sempre o sonho é corrompido pelo acordar mais longo da nossa vida”. Charles de la Folie

8 comentários:

alfabeta disse...

Já tinha reparado que era o teu outro eu.;)


E quando disse mais ou menos, é porque eu não gosto muito de poesia, o que não é bem o caso, por isso disse mais ou menos. :)

Menina Marota disse...

A sensibilidade das tuas palavras.
Gosto de te ler.

Um abraço ;)

Anónimo disse...

Ler-te é sempre "um pedaço de satisfação". A delicadeza brota das tuas palavras.
Gosto deste teu misto de "irreal dentro do real", da profundeza "da cor do teu odor", da força de "leio-te pungentemente, até que a morte nos separe"...
Multum bene!
beijo

JC disse...

Gostei do texto e da forma como recreve. Voltarei.
Abraço

Maria Anjos Varanda disse...

Obrigada pela visita ao blog de apoio à Rita.

Gostei muito deste texto...muito. muito bom.
Tenho de passar por aqui mais vezes.
Bom fim de semana

Anónimo disse...

so para deixar um beijinho*

Anónimo disse...

Magia...eu diria que tens magia dentro de ti e que a consegues transmitir com a pureza e beleza das tuas palavras.
beijo

Hugo de Oliveira disse...

Bem... Gsotei do modo como escreve... Parabéns!


Abraço.