
(…) Quando terminou de subir as escadas com um gesto decidido pousou a mão sobre a maçaneta da porta, feita de madrepérola e com um gesto do pulso rodou-a para a sua direita. Devagar, muito devagar empurrou aquela enorme porta de carvalho maciço, pesada muito pesada. As suas dobradiças já com muitos anos rangiam como se gritassem uma ladainha de uma qualquer carpideira num pranto sem destino.
Era difícil, mas não impossível fazer com que aquela porta ficasse pelo menos com uma brecha com que a pudesse passar, transpô-la para o outro lado, um lado desconhecido e sem propósito aparente.
Estava escuro, sentia-se o cheiro a humidade, havia sons, pequenos sons num silêncio quase intransponível, a meia altura numa parede de caliça estava um interruptor muito antigo, feito de porcelana. A alavanca, não era uma alavanca, mais parecia um pequeno osso que se girava. Podia-se quase ouvir a electricidade em movimento naqueles fios antigos, um pequeno estalido naquele interruptor quando suavemente entre a porta e o desconhecido se dispões a rodar aquele interruptor. Não foi imediato, durou uma fracção de segundos, sentiu-se a electricidade a percorrer aqueles fios ainda feitos de um só bordão.
Naquele instante ficou um cheiro estranho no ar, um cheiro agressivo, que a velocidade da electricidade foi queimando até chegar ao seu destino depois de rodado o tal botão feito de cerâmica.

Era um balão enorme, transparente, cheio de filamentos, era uma lâmpada estranha, aquela que ali estava bem por cima da sua cabeça. A sua luz também era muito diferente das lâmpadas que conhecia, era uma luz amarelada com pouca intensidade apesar da imponência do seu tamanho, uma luz que pouco ou nada iluminava.
Demorou um bocado a habituar-se aquela luz, ou por outra, aquela escuridão, os seus olhos, de um castanho quase negro, brilhavam… brilhavam a procura de algo que não conhecia, estava a procura do desconhecido era a primeira vez que por ali passava ou que tinha curiosidade de ali ir, sabia que no cimo daquelas escadas havia uma porta, sempre soube mas ao longo dos anos nunca teve apetite de lá chegar. Os anos aguçaram-lhe a apetência. Sempre foi assim com tudo, só 10 anos depois é que descobriu que as broas da sua Avó eram angustiantes, como uma droga, imparáveis de se degustar, andou uma vida inteira para descobrir os deleites de andar de bicicleta.
Ali estava parado, entre as escadas, uma porta entre aberta e o desconhecido.
Deu dois passos em frente, enfrentou a escuridão, descobriu um novo interruptor feito de cerâmica com um botão giratório que mais parecia um pequeno osso, girou-o, sentiu um leve clique era ali que deveria parar, engoliu em seco, respirou fundo, fitou a escuridão que o desafiava, ouviu novamente o percorrer da electricidade, sentiu um enorme deja-vu…
(…) Estava enfiado num enorme corredor como quem está dentro de um colete-de-forças.
Apeteceu-me
"Ainda que em sobressaltos o desconhecido sabe bem". Charles de la Folie