domingo, julho 02, 2006

O Jogo (de um dia)

(...) Que mais se podia pedir, o ambiente era fantástico.
Quando anunciaram a constituição da equipa, mais de 50 mil pessoas a gritar pelo meu nome, era um jogo especial de tudo ou nada, quem vencesse seria campeão! O sonho de uma vida, o sonho que não estava ao alcance de todos e naquela altura, naquele momento estava ao meu alcance.
Olhava em redor das bancadas, mil cores, mil sons, mil cânticos, mil diferenças, muitas mil, para apreciar sentir.




Tudo começou, lá dentro, lá em baixo no balneário.
Depois de sair da camioneta ou do autocarro, ou raio que lhe chamam... sair calmamente com os phones nos ouvidos... concentrava-me. - olhar vazio, vago mesmo a espera de outras entradas, de outras regras, ouvia uma musica da América do Sul com Flauta Pan, para ai “El Condor pasa”. - Não podia precisar naquele momento, naqueles minutos já muitas emoções tinham passado por mim, mas seguramente era musica que eu gostava.
Quando entrei no balneário, a adrenalina subiu, como subia em todos os jogos. Aquele cheiro, um misto, de pomadas, pomadinhas, mezinhas e bálsamos, um cheiro intenso, que fazia os níveis de confiança aumentarem. - Sentei-me no meu lugar, onde estava o meu equipamento pronto a ser utilizado, novinho como sempre naqueles grandes jogos, adorava o meu numero, o numero que me acompanhou uma vida - o dia em que nasci, era um numero magico para mim. Sentei-me ali, ouvia o burburinho dos meus colegas, as sucessivas tentativas de concentração, baixei a cabeça de uma forma calma, retirei de uma das bolsas do meu saco uma pequena pedra, um seixo que tinha um dia apanhado numa praia onde tinha ido com o meu pai, guardei-a e tornou-se o meu talismã, esse era um dos talismãs, o outro era uma bíblia muito antiga, que me fora oferecida pela minha avó e que me recusei sempre a abri-la, desde o dia em que morreu.
Mas ali de cabeça baixa, segurava a minha pedra, e murmurava, balbuciava pequenas cantilenas de infância, o barulho começava. - Os pítons das botas a roçarem pelo chão começavam a enervar-me, minto aquele barulho chamava-se nervos, os nervos que se apoderam de qualquer jogador antes de um jogo, não de um grande jogo, mas de um qualquer jogo.




O treinador, falava, falava comigo, a sua voz parecia distorcida, depois foi ficando melhor, mais nítida consoante a minha atenção. - O meu actual mundo, o meu estado, começava a prender-se a ele, naquele momento já sabia que poderia fazer história, que poderia decidir a alegria de milhões, mas também poderia ser a causa de uma enorme e frustrante tristeza de muitos, muitos mesmo seguidores.
O ritual do balneário começava quase a compor-se, eram as ultimas massagens, os últimos produtos, as ultimas ligaduras. - Por exemplo, eu... ligava sempre o pé esquerdo de forma a ter mais pressão, a senti-lo melhor, a ficar mais rijo, e a não se dobrar tanto, sabia que no final teria de ficar pelo menos mais 1 hora que os outros, para fazer gelo, para o desinchar.
Estava quase na hora, faltavam poucos minutos, estiquei os braços para vestir a camisola, ela deslizou tranquilamente até bater nos ombros, ajeitei-a puxei os calções para cima, meti a camisola para dentro, depois olhei para as minhas botas de futebol, eram brancas a estrear feitas a medida, pítons de alumínio para rasgarem a terra a relva, por vezes corpos, mas sem maldade, tempo para um grito quase tribal, que fazíamos em grupo para aliviar e deitar fora toda a tensão, batíamos violentamente com os pés no chão.
- Faltavam poucos metros para o relvado, para o jogo, para uma vida.
E ali estava eu, perfilado a ouvir cânticos, a ouvir-me por dentro e por fora, sabia que poderia ser a chave, os adeptos também depositavam toda a confiança em mim, na minha pessoa, os jornais não paravam de dizer e de falar nisso, mas não me importava, convenci-me que era só mais um jogo, apesar de o querer ganhar muito - a minha vida não dependia disso, a minha vida dependia de outras coisas mais importante, muito mais importantes que isso, a minha vida dependia das minhas “pipocas” e dos meus sonhos.
Estava na hora, cumprimentei, aliás saudamos todos os nossos adversários, o arbitro, perfilamo-nos pelo campo, olhei mais uma vez a minha volta, vi aquele espectáculo de luz, de cor, de sons.
Sustive a respiração, o arbitro, meteu o apito a boca e foi naquela altura, que o carro de trás apitou mais uma vez o semáforo estava verde, a botas de futebol penduradas no espelho retrovisor, pareciam acenar para mim.


Apeteceu-me

"A Vida joga-se muitas vezes borda fora sem se saber a importancia dela." Charles de la Folie

7 comentários:

Cherry Blossom Girl disse...

O jogo de uma vida...foi pura emoção, até fiquei rouca...mas valeu bem a pena. Vale sempre, qd a alma não é pequena.

Viva PORTUGAAAAAAL!!!

Beijinho gd
***

augustoM disse...

Desejar e sonhar o desejo, nunca fez mal a ninguém.
Um abraço. Augusto

Carla disse...

e hj... eu acredito!
beijos

Anónimo disse...

O sonho ficou no balneário, nada que um bom duche frio não trate.
Fica para a próxima!

margusta disse...

"Um ano depois"

Carlos...deixo-te um abraço intemporal....

Carla disse...

Beijos e bom fim de semana

Nathali disse...

Portugal abrilhantou a Copa do Mundo e lutou até as últimas.
Parabéns pelo 4º lugar.
Torci que nem uma condenada... ;D e até cheguei a sonhar com um primeiro lugar..

Parabéns!! Beijo! ;))