sábado, novembro 29, 2008

O Gosto a sangue dos meus lábios.


(…) Entranhava-se – vinda não sei bem de onde – uma sensação que se ia perdendo em detrimento daquele vazio perfeito. Numa mão a vontade de dar, na outra a vontade de tirar. Tornava-se demasiado perfeito negociar aquele pedaço de qualquer «coisa» parecido com nada. Um refúgio demasiado elegante para alguém o querer percorrer sem o saborear. Como um enclave, dentro das pregas da sapiência.



(…) Viveu demasiado tempo dentro da sua própria sombra, para se lembrar fosse do que fosse. Foi isso que lhe provocou a violenta metamorfose que o transformou na sombra que o perseguia. Os braços soergueram-se lentamente, a cabeça tombava em círculos e, tudo se manteve escuro. Nem os gemidos da sua própria erosão o demoveram, revelou-se e partiu.


(…) Um arrepio na espinha provocou-lhe aquele olhar perdido, sem expressão e sem chama. Procurava nas palavras que não saíam, a verdade. Caiu fulminado pela ilusão que se refugiava dentro de si. Alojava-se dentro de um parasita num local ermo dentro de si. Nem a melodia perdida dos sons graves da música lhe indicavam o caminho, era noite e chovia.


(…) Os dedos não paravam de baloiçar, numa energia sem precedente. Uma realidade cruel, ao mesmo tempo reconciliadora com o «processo»; reagiam assim, só isso. Estava cinzento o corpo tombado perto de ti, reflectia os pequenos silêncios que se acumulavam, como malmequeres tombados numa batalha longínqua e vegetante.


(…) Não me lembro do teu nome – e isso importa? Não me lembro do teu sorriso – isso parece grave! Como é grave não saber o sabor das palmas das tuas mãos. Nem a cor, nem de cor, do respirar que me mantém acordado, numa vida que se vai esvaindo, dia após dia. Reinvento-me, nada sobra dentro de mim, só o sabor a sangue dos meus lábios.


"Há sequências de nós que nunca chegam a existir". Charles de la Folie

7 comentários:

Anónimo disse...

"Os vazios" não se querem perfeitos e "Os malmequeres"
não se querem tombados.
"O sabor das palmas das mãos" é doce e quente e "A vida" está repleta de cor.
"Os meus, teus, seus lábios" têm o sabor a mel.
Estas tuas palavras são "sapiência" e "verdade".
um abraço

Anónimo disse...

Olá Carlos,

Parabéns !!!

"O esquecimento total é impossível...
as pegadas impressas na alma são indestrutíveis ... "

Beijinhos

Bi@

Anónimo disse...

Carlos,

Você tem um dom e o dom de nos fazer transpor uma série de fronteiras. Por vezes confesso que tenho alguma dificuldade em entender os seus textos, leio e releio e nada me dizem, porém acordo da minha letargia e tudo fica claro.
beijinho e obrigada por existir

Anónimo disse...

Gosto essencialmente das sequências que nunca chegam a existir...
e tu existes? ou és uma inconsequência?

Pringle

Aprendiz disse...

Entrei aqui por acaso. Sou novato nestas andanças, mas não noviço!
Descansa, não estou aqui para indagar as razões que te levaram a matar o ministro; não li o livro, desconheço o móbil... mas posso deixar a minha simpatia pela ideia! :D
Bom blogue, já te adicionei no meu.

Abraço

Anónimo disse...

FESTAS FELIZES, BOM ANO...

guvidu disse...

adorei o excerto dos "malmequeres tombados numa batalha longínqua e vegetante"...mt me diz hj, na sua tristeza e profundidade.

obrig
bj