quarta-feira, março 17, 2010

La vie en Rose V

(...) No meio da escuridão há sempre uma luz que brilha, bem como na solidão há sempre alguém que nos guia. Perco-me nas metáforas neste espaço curto onde me prenderam, agrilhoado pelas palavras e pelas mentiras que dizem sobre nós. Sobre mim. É o que sucede quando me encontro às escuras só; aparece sempre uma sombra que vagueia na luz amiga e protectora que me vai acompanhado e alumiando caminhos tão dispersos como a minha alma que se concentra em ti. É uma vida ingrata, mas batalho contra a intempérie com o conforto que essas armas me dão. Claro. Quem é essa luz e sombra? És tu na tua intermitência, nos teus receios. Sabendo que estás sempre perto também sei o longe que estás. Sei o que o meu coração diz e lembro de como batia o teu. Só isso. Mesmo assim és a única alegria que tenho. São os meus monólogos eu sei mas servem para ir separando os meus medos, as sensações vãs e cruéis que me abafam a respiração e me obrigam a verter lágrimas. Dizimo o ânimo dos meus inimigos no meu subconsciente e vou vencendo as batalhas que me aparecem. Sei que é tudo tão frágil, tão impossível, tão volátil, mas acredito que lá chegarei.

Acompanhas-me nos pensamentos. Ficam mais racionais, mais autênticos com a tua presença. Deixam de ser apenas espirais e círculos que terminam sempre no princípio perdendo-se na sonolência que criam. Basta o vento soprar-te para te ter naquele teu jeito de menina rebelde mesmo que isso signifique apenas o desejo de te ter sempre ao meu lado. Nessa impossibilidade tenho-te em mim. A tua sombra desvia-me da mortandade do meu raciocínio pérfido e repetitivo. Levas-me para longe. Para sítios que acredito que não saibas que existam nessa perfeita ingenuidade. Só sei que me empurras para bons caminhos. Nem a arma carregada que se encontra perto da minha cabeceira me provoca tentações. Um dia sobrevoarei o desejo de mão dada contigo, agora apenas compadeço sonhando-te. Há sempre um braço amigo que me ampara quando me sinto perdido nos momentos mais sombrios. A escuridão da vida pecaminosa que me imputam vacila perante o teu braço. O braço da tua – minha – lei. Esse sorriso dá vida a um moribundo. Essa solidariedade não me deixa sucumbir perante a escuridão onde a tua sombra se move só para me libertar.

Não sei como te agradecer. Como pagar numa moeda plausível e indistinta o alento que me sopras. O pensamento mantém-se longe das mandíbulas que nos trituram o cérebro. Delicadamente afasto esses pensamentos para não te desagradar e assim evito-me. Leio nas nuvens que me envias que o tempo se esgota. Leio que é preciso aproveitar e alimenta-lo com amor. É preciso sentir. Paro de escrever para observar no reflexo da janela esta palavra: sentir. O sentir é mais forte que tudo. Está em nós, na nossa carne, nas nossas cogitações. No choro, no rir, na raiva e na angustia. O sentir aparece como uma flor na palma da nossa mão. Reaparece nos lábios nas palavras de cólera que arremessamos a quem se intromete. Reencarna no silêncio das pequenas agruras existenciais. Na música que nos anuncia a Primavera. No suor de quem trabalha a vida. Mas gosto de sonhar que um dia encostarei a cabeça no teu peito e vou sentir o teu pequeno coração a bater o meu nome. Sinto-o e pressinto-o. Não é só um desejo é também uma vontade. Tem a força de mil homens.

Nestas minhas palavras que se perdem neste papel que um dia irá amarelecer. Vejo-te na imensidão de todo o vazio que varro com o olhar. Apenas te recordo, o pensamento foge, galga barreiras para poder estar junto a ti. Essa saia recortada, essa blusa justa, os caracóis no negro do teu cabelo. Os olhos que sobressaem desse bonito rosto, coroado pelo veludo dos teus lábios. As mãos unidas. Os pés fincados num chão que não vejo. Pois a tua imagem está suspensa no meu respirar. Não te peço – mais – que tenhas confiança em mim. Sei por intuição que sabes quem sou e o que sou. Tens medo e o mundo está a desabar-te em cima. Respiro fundo por ti. Lembro-me do que me disseste um dia: “És pobre materialmente, mas rico de sentimentos e com um coração enorme”. Ainda hoje as sinto aqui dentro de mim. Funcionam como combustível na esperança do dia-a-dia. Sobrevivo com elas. Dedico-me a ti. Suponho-me num precipício onde abro os braços como Cristo na cruz. Pés juntos na fímbria do vazio. Na linha do olhar apenas nuvens que não consigo agarrar. Saboreio o frio que me toca no rosto. Os joelhos flectem-se com o peso da vontade. O corpo eleva-se num tremer descontrolado. Os olhos fecham-se. Flutuo agora numa descida vertiginosa. É minha. És minha. agarro-te antes de acordar desse sonho que avassaladoramente se queria tornar num pesadelo. Apanhei-te e acordei antes de me estatelar no chão. (...)



Apeteceu-me
"Um dia vou descobrir que o fim-do-mundo vive em mim" Charles de la Folie

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