terça-feira, agosto 03, 2010

Vidas (Em)cruzadas) - Pancada VI

Éramos umas espertalhonas, por exemplo, lá o nosso grupinho, tínhamos tácticas infalíveis para saber quem eram os rapazes que gostavam de nós. Tenho vergonha de pensar no assunto, tenho? Não tenho nada, quer dizer… envergonho-me do que andei a fazer, mas passa, é coisa de pouca dura… dura que horror… Mas que resultava a nossa minha táctica, resultava, era tiro e queda, então era assim: montávamos guarda à porta da casa de banho dos rapazes e íamos ver as portas das retretes, os escritos, o que lá andava escrito, tipo “Vasco Love Palmira”, ou a “Virgindade da Palmira mora aqui”, coisas deste género e com uma fluência literária que metia dó, de uma prosa e de um português, sei lá, será que se pode dizer vernáculo ou cavernáculo?!? Mas houve lá, naquele sítio digno de um Cervantes ou de um Marquês de Sade, uns escritos ou uns dizeres… hummm fabulosos… nunca mais me esqueço:
“Eu fodi a Camarão Diaz!”
“Eu fodi a Inona Radar!”
“Eu fodi a Catarina Fortuna!”
“Eu fodi a Fernanda da Serra!”
E depois, por baixo, estava uma piada medonha escrita com letras quase garrafais ou seriam… pois… mas estava assim:
“Tu fodeste foi a parede toda ao homem!”
Apesar de tudo, nas paredes da casa de banho dos rapazes, no WC, é tão giro dizer isto, liam-se algumas coisas interessantes, mas verdade verdadinha e que seja dita, quem não se sentava naquelas retretes, ai, ai, era a filha do meu pai, essa é que não era de certeza absoluta. Eu não me sentava pelo nojo que era e eram de uma imundice vergonhosa e assustadora. Engraçado ou sem graça, nem sei o que pensar, muitas raparigas…pois, já me lembro, arre!... com esta coisa nem raciocinar direito consigo, perco-me… ah!… haviam de ver como pensavam muitas raparigas… Naquela altura, ainda hoje infelizmente, quando aparecia alguma rapariga grávida, geralmente, era por contágio, sim contágio, tipo infeccioso, era sempre por artes mágicas do acaso. Aliás, havia por aí muito incesto virtual claro, ou era na toalha da casa de banho, ou na banheira, familiar portanto!
Hoje rio-me com isso, tem mesmo uma certa piada como se pensava antigamente, era fantástico, o problema é que os nossos, pois os nossos pais alimentavam-nos essas ideias, eram planos divinais que nos engendravam. Hoje, olhando para trás, vejo os atentados que fizeram à minha inteligência, mas não foram os únicos. Só de pensar na falta de informação, é inenarrável, como nunca ouvi falar do assunto, penso que deviam fazer abortos a atirar pedras às cegonhas… Meu Deus!
A grande verdade!... Tudo naquele tempo era tabu… o aborto, a pílula, a própria menstruação, nem maionese podia fazer menstruada, só comigo engolir essa tretas, histórias desse género, mas a culpa, não era nossa, era dos nossos paizinhos que parece que viviam na pré-história. Chego a pensar, deveriam querer que acreditássemos ter nascido de geração espontânea. Para que era tanto tabu… tanta Merda à volta das coisas, parece que andavam a criar flores de estufa. O que é certo é que elas aconteciam e se aconteciam, pois claro e depois é que eram elas.
Tive sorte na mãezinha que me tocou, quanto ao paizinho nem vou falar. Se ele não consegue falar, porque terei eu de falar dele. Assim à primeira vista nunca me bateu, também não me lembro de ele bater na minha mãe, mas gritava que nem… nem sei bem, era um misto de corneta, com bombos misturados com o som duma locomotiva a vapor, qualquer coisa assim do género. Felizmente que o meu pai está por terras Africanas, está lá debaixo da terra, já há uns tempos que deixou de nos chatear e de nos aborrecer com os seus gritos tipo Tarzan do raio que o parta, foi-se de vez, tanto para mim como para a minha mãe, é um alívio.
A Dona Henriqueta às vezes, por vezes mas não muitas, ainda chora, isto quando se mete a ler as cartas que tem guardadas. Eu não tenho grandes saudades, nem grandes nem poucas, claro fiquei com um belo carro, tenho uma casa só para mim, tenho muita coisa, imensas coisas, mesmo muitas… se ele ainda aqui estivesse, bem tramada estava, tramada não, mas sem coisas e que coisas!
É claro que às vezes tenho saudades dele, mas também pensar que ele ganha uma nota lá nas minas de Diamantes, e que é certinho aqui ao fim do mês, é pena não ser em diamantes, mas enfim não se pode ter tudo… Já agora, lapidados e enfiados num belo colar, claro e o cuzinho lavado com água de rosas?! Hi! Hi! Hi!
Mas também, lembrar-me agora do meu pai é um bocado tétrico, afinal coitado do homem, anda lá fora a trabalhar para me sustentar, ou pior, anda lá fora a trabalhar para não estar aqui dentro a chatear e não me sustenta só a mim, sustenta também, pois sustenta os meus vícios, já que a mãe não tem nenhuns.

"As palavras por muita alma que tenham, nunca deixam de ser palavras, às vezes basta ouvi-las!" Charles de la Folie

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