terça-feira, setembro 21, 2010

Vidas (Em)cruzadas) - Pancada XI

Sinto-me cansada, com muita vontade de fingir comigo própria que estou a desfalecer, mas já estou aqui há algum tempo e só mesmo os olhos se mexem e movimentam… e de que maneira até parecem que saltam fora de órbita, devem estar prestes a chegar a Marte, porque a Vénus… nem de camisa! Andava mesmo traumatizada… agora hummm… comia uma chiclete, era mesmo o que me apetecia… para ver se tiro este hálito infernal a noite, a noite… e continuo a dizer que noite… algumas doses ou shots de cavalo, mas siga a marinha.

Estou aqui a pensar, quando fugi de casa, as coisas que eu fiz, mais uma de me envergonhar, tinha para aí os meus 17 anitos…

O que uma pessoa faz quando não pensa, tudo porque roubei no supermercado do Sr. Romão e fui apanhada, e depois o raio do homem disse que ia contar à minha mãe, foi uma vergonha. E logo eu que era considerada uma menina modelo, uma óptima estudante, ajudo toda a gente, muito simpática, sei lá… aquelas coisas que as pessoas te dizem quando estamos com os pais, e só te apetece grunhir, e ser mal-educada e dizer para irem todos comer qualquer coisa que os enfarte, mas vamos lá a mais uma das minhas histórias alucinogénicas.

Ora então, naquele dia, como nos outros, eu não sou, juro que não, cleptomaníaca, mas por vezes penso que devo andar lá perto… Adoro roubar, quer dizer, roubar por roubar, gamar, desviar dos donos, apossar-me do que não é meu, na prática é meu desde que lhe metesse a vista em cima, um papel invisível a dizer que é meu. Nesse dia a coisa correu mal, é que filei um chocolate daqueles enormes e prendi-o entre a minha saia e a blusa, perfeito não se notava nada, só que… esqueci-me de um pormenor, um pequeníssimo pormenor sem importância, um insignificante pormenor, é que a blusa era ainda uma daquelas blusas aos “fuinhos” que se usavam naquela época, ora estava a pagar a minha chiclete diária, e o bom do Sr. Romão disse-me:

- Olá! Bom dia a quem é uma flor!

- Bom dia Sr. Romão, como está?! E a família, os meninos estão bons?!

- Sim Palmirita, estão óptimos!

- É para pagar a pastilha - disse eu.

- E a tablete também… não é Palmirita? - questionou o Sr. Romão.

- A tablete?! Está a brincar, não está?! - respondi irritada, mas a ficar aflita.

- Não, Palmira, a menina está a brincar comigo? - insistia ele furioso.

- Claro que não estou… - retorqui – claro que não!

- Então o que tem debaixo da camisola? (deitava fumo)

- Nada, claro que não tenho nada! (aqui já eu procurava um buraco)

Tentei levar a minha até ao fim, esse foi o mal, quando olhei para baixo e vi aquele cenário, nem estava a acreditar, mudei de cores 29 vezes, ia-me dando uma coisinha má e depois… pois… depois quando uma pessoa precisa de raciocínio rápido… fica-se com raciocínio estúpido e estupidez ainda mais rápida, bom se não é assim, é parecido… ou seja, fui uma completa idiota.

Ele apercebeu-se da coisa e vai daí, começou aos gritos e aí a coisa quase deu para o torto, pensei o pior… quando agarrei numa banana com o propósito de o atacar, ainda apontei a banana à cabeça, mas depois arrependi-me, podia dar prisão e ainda era, na altura, muito nova e vai daí deixei a tablete e fugi.

Fugi da maneira mais idiota que conhecia… a pé, podia fazer como nos filmes e roubar um carro, uma mota ou uma bicicleta, a bicicleta era bem, eu era um ás a dar ao pedal, mas o pior, o mais frustrante da história é que eu ouvi o Sr. Romão, a dizer aos gritos:

- Agarra que é ladrão, roubou-me uma banana, agarra o “homem”, tirem-lhe a banana!

Ora fiquei um bocado… à toa. O homem tinha mesmo ficado possesso com a minha atitude e o pior é que não era pela tablete, era mesmo pela banana, que raio de homem se metia naquele histerismo no meio da rua por causa de uma banana?!

É verdade que fiquei abalada com o assunto, parecia que estava a ver aquela gente toda a olhar para mim e a apontar.

- Olha, foi aquela que roubou a banana ao Sr. Romão. Parecia um burburinho ensurdecedor que se tornava num grande “bruá” na minha cabeça.

E ali… tomei a minha maior e mais difícil decisão, fugir de casa.

A vergonha de enfrentar a minha mãe, mas acho que o pior não era isso, era a vergonha de enfrentar a minha mãe e ela levar-me em frente do homem, no meio de toda a gente que lá estivesse no supermercado. O que seria grave para mim, seria a humilhação total, e como não estava para isso, para enfrentar essa coisa, antes uma surra, era como se fosse 2 em 1, da surra não me escapava, talvez sim, talvez não e… pois claro, aí resolvi fugir. Foi horroroso, não me lembrava nem de sítio, nem de ninguém, quer dizer de alguém lembrava-me, mas havia sempre aquelas perguntas tipo, o que fazia ali àquela hora? Porque não estava em casa? E aí, então, resolvi meter-me ao caminho, procurar abrigo, até que… encontrei a minha mãe pelo caminho e, o resto é aquilo que já tinha descrito, a minha fuga foi mesmo só em pensamento, quer dizer ainda fugi, aliás, ainda guardo a banana religiosamente, mais ou menos, é uma réplica em plástico, um dia ainda a vai sentir, ai vai… vai… aquele Sr. Romão!

Mas, enfim, era novinha… mas já vivi uns bocados engraçados, engraçados agora… na altura não achei grande piada, mas com descontracção e estupidez natural tudo faz sentido, se bem que eu seja uma rapariga muito sentida.

Porra! Já são quase 10 horas da manhã e ainda estou aqui prostrada na cama. Que neura! Quer dizer, por um lado até sabe bem não andar por ali a passear pela casa, atarantada, sem saber muito bem o que ando a fazer, mas por outro lado estou demasiado intrigada, com a carta...

Apeteceu-me

"Nem sempre acreditamos que tudo o que sai de nós é verdade" Charles de la Folie


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