terça-feira, abril 27, 2010

Vidas (Em)cruzadas) - Ressacas II


Aquele cheiro, cheiro não, mau cheiro, não me é estranho, seria… seria… ora que Porra, pois não seria… É mesmo cheiro a comida de cão comprada no X-super ou no Mini-super…

E que cheiro aquilo deita, bolas… afinal não é uma ela, muito menos, ok… ok… ok… admito, admito sim que pensei que tinha morrido e ido para um lugar qualquer… Céu não seria certamente e qualquer coisa não bate deste modo… ai bate, bate, tanto que bate que estou com uma ressaca filha da mãe…

Olha, afinal o cão em quem tropecei e que não me lembrava que estava ali, é o Cão Guru, o cão do meu amigo Pilitas! Um moço fabuloso que me acompanhou sempre nos maus momentos e nos maus momentos, pois…porque bons nunca tive, ter tive, mas não me lembro lá muito bem deles, mas também lembrar para quê?!

Lembro-me quando li a primeira Gina, lembro-me, como se fosse hoje, a primeira leitura da Playboy. Ahh! E mais importante que isso tudo, lembro-me como se fosse hoje, do meu primeiro beijo…claro na boca de alguém, alguém não, da minha prima Celeste. Foi lindo! Fui gozado por toda a gente, não é que aquela desgraçada meteu a língua dela na minha boca!? Fui logo, mas logo mesmo sem hesitar, e muito indignado, contar aos meus amigos, colegas e afins… e como devem calcular, fui o gozo de toda a gente na minha escola. Passaram-me a chamar o «Linguado», não é que fosse mau, quem não me conhecesse era enganado pela “alcunha”, porque eu dizia logo: sou o Rei do Linguado, o maior linguarudo da minha rua e transversais e mais uns apeadeiros que não vale a pena citar.

Bom, mas a questão aqui, agora, e no meio desta ressaca não é o Linguado ou mesmo a solha, o problema é o Cão Guru do amigo Pilitas. O que vou eu fazer com esta bestinha, um Grand’anoir, num T0?! Não é bem um T0, mas com ele aqui até que passa a ser um T1… e além do mais é meio complicado, para falar com franqueza, se é que eu tenho alguma - falo de franqueza - acho que comprei ontem 2 quilos da dita… Não me lembro a que propósito o Cão Guru veio parar a minha casa, é que eu e o Pilitas, de vez em quando, passam-nos coisinhas más pela cabeça. Quem sabe pode muito bem ter sido um jogo de lerpa, ou da lerda, ele perdeu e eu ganhei o cão… Pode ter sido uma troca, uma grade de minis ou mesmo um maço de cigarros, quem sabe? Mas quem quer saber? Além de mim!?

Pois, a mim dava-me muito jeito saber, dava-me imenso jeito descobrir. Acho que vou ter um ataque de… pânico.

- Pânico?

E isso é lá coisa que se tenha a uma hora destas? Pode ser, mas hoje não é dia disso, por isso, nicles batatóides, fica para outro dia.

A grande verdade que também me atormenta é que a minha cabeça continua a girar, parece que estou mareado, parece o carrossel da feira ali da aldeia do antipático do carteiro, parece que me enfiaram um capacete cheio de formigas e que me deram pauladas com um taco de basebol ou será de softbol?

Estas minhas dúvidas existenciais matam-me.

Que se dane, a minha cabeça está demasiado gasosa para pensar.

A minha busca pelo “guronsan” vai começar:

- 3, 2, 1… acção!

A cozinha está um nojo, nojenta mesmo…pizza com 3 semanas, ou mais, isto é ser bonzinho, dizia eu, pizza em cima da bancada…

- Olha o que eu descobri no meio do fiambre, a minha querida meia, a minha querida peúga, do meu único par e que já leva 15 dias de uso!

Mas dos «guronsan» nada e da minha cabeça tudo.

E o que faz isto aqui?! Não é que descobri um preservativo? Não me parece que tenha sido usado, mas está aberto, o que se terá passado?

Bom, o meu objectivo é outro. De descoberta em descoberta até à descoberta total, ou procura total, ou final. E ela, pois ela…a minha cabeça está uma confusão, está aquilo a que podemos apelidar de uma grande Merda… Merda?! Não propriamente, mas no estado em que se encontra assim entre o gasoso e o liquido, diria que lhe posso chamar mais de… diarreia… deixemos para lá estes pensamentos de Merda.

É isso… P… preservativo, descoberta, Eureka, Alberta...

Ai que horror, nããã… nem eu vou acreditar nesse número. Não é que seja uma má ideia, mas para o preservativo estar ali, sem ter sido utilizado, quer dizer que a Alberta saiu daqui com uma péssima impressão minha. Pois, ai “jasus”, estou a ficar com afrontamentos, a minha reputação está a ir pelos meus pensamentos abaixo, mas estes pensamentos podem estar, falhados… É isso mesmo, são os perdedores, mas não pode ser! Onde está a minha auto-estima, hum… onde anda a dita, e a impressão da outra!? Com o preservativo assim, acho que a impressão nem foi imprimida, mas sim deprimida, nem quero pensar neste cenário. Nem neste, nem em mais nenhum, não quero pensar, ponto final, mas acho que tenho de o fazer. Será?

Vamos lá continuar a busca… Hummmm… deixa-me pensar, lá tenho eu de pensar, no meio… pois nesse meio mesmo lá está o tubinho cinzento, com letras a branco, que dizem “guronsan”, mas no meio de quê? Agora, ai, ai… imaginem se estivesse vazio, imaginem, mas não imaginem muito, porque não está! Boa, viva, viva… agora meio copo de água, dois comprimidos efervescentes e zuca… para dentro da dita cuja…

- Que maravilha sentir aquelas bolinhas a bater-me na cara… como dizem os Xutos “amas a vida e eu amo-te a ti (guronsan)”.

Mesmo com aquelas bolhinhas milagrosas a entrarem diabolicamente por mim dentro, ou por dentro de mim a uma velocidade alucinante… - imagino-as como se fossem aquelas carripanas que andam no gelo, nuns túneis a velocidades alucinantes até pararem no estômago. Penso que se chamam tabogans, eu disse tabogans e não talibãs, não quero dúvidas sobre isso, não vá atirarem-me com alguma coisa à cabeça, ou talvez fosse melhor que o fizessem. Pois a minha cabeça não pára de rodar, mas mais uns segundos e esta injecção de cafeína que só o “guronsan” tem, torna-me num homem quase novo, quase... Pensando bem, é um alto flash, como diria uma amiga minha – “tu pensares pensas, mas não pensas grande coisa, já que o Tico e o Teco não são muito de se esforçarem”. Tico e Teco, os meus dois e únicos neurónios, segundo ela… pois e quem sou eu para a desmentir?! Digo eu aqui baixinho que ninguém me está a ouvir, quer dizer, digo eu em Grego.

Assim como quem não quer a coisa, o que eu gostava mesmo agora era de um cafezinho, aliás eu injectava-me com a seringa das farturas atulhada de café, mas….

Mas continuo intrigado… se estou com aquela ressaca medonha, se tinha estado ali alguém comigo e eu não tenho muitas bebidas em casa, onde fui eu agarrar esta tremenda bebedeira?

Apeteceu-me
"Nem sempre se acorda no fim de um sonho" Charles de la Folie

quarta-feira, abril 21, 2010

Vidas (Em)cruzadas) - Ressacas I

Está na hora de acordar, são 8 e 30 da matina, este despertador teima em ranger, tinir-me aos ouvidos, tolda-me a pouca sobriedade que ainda me resta, se é que há ainda alguma, mas, mesmo assim, consigo dirigir-me para a casa de banho, mesmo com os olhos semicerrados.
Há aqui qualquer coisa que não faz sentido. Olho-me ao espelho e continuo a dizer que há qualquer coisa que não faz sentido neste cenário meio dantesco, sim meio dantesco, meio qualquer coisa estupidamente terrível. A cabeça parece que vai estoirar, os olhos ardem-me, as pernas bamboleiam, o cheiro a “sarro” parece o fundo de uma vasilha de vinho. É imundo, um cheiro que não dá para acreditar, nem aguentar, eu não aguento, não consigo aguentar o meu próprio cheiro!
Mas a imagem do espelho continua esquisita, mesmo muito esquisita e deturpada, enviesada, está estrambótica ou estrambólica. O que está na boca parece… não parece, é mesmo, uma meia, a mais sublime e proeminente “peúga” do meu pé sagrado, oriunda de uma noite sabe-se lá como… de dentro do meu humilde e sinistro sapato.
Hummmmm!!... Estranho, muito estranho mesmo, uma peúga na boca!? E a outra?! Bom, a outra terei de a procurar se não quiser ir sem meias para o emprego. Emprego?! Será trabalho?!
O que quer que seja não estou na disposição de ir trabalhar neste sábado (mentiria se dissesse primaveril, com muito sol e os passarinhos a cantar), mas… sempre um mas… nestes dias de ressaca. Não sei se trabalho, se tenho um emprego e muito menos se o faço ao sábado, aliás nem sequer me lembrava ou lembro a quantas ando ou andava, a minha gramática não está a jogar na perfeição, tal foi a “tosga”... Nem as janelas abri, nem as persianas levantei, nem os olhos.
Aliás, nem sei se ainda estou a sonhar!
Apetecia-me urgentemente um café, mas antes terei de usar sabiamente, manipular… sei lá bem a definição para esse acto, de usar o bendito “guronsan”. Chamem-lhe o que quiserem, eu vou apelidá-lo de um acto divino capaz de me dar uma visão da realidade que por momentos me parece assustadora, por vários factores.
Primeiro, não encontro a cozinha, segundo, tenho de encontrar os ditos “guronsans”. Porra, o que é isto!? …
(Eis que tropeço no cão que nem sabia que tinha, bato com a cabeça na parede que não sabia que estava ali, e acordo dois dias depois no hospital.)
Era uma sala branca, meio esquisita. Naquele hospital sentia-me nauseado e estranho, aquela sala era demasiado esquisita mesmo para ser uma enfermaria, demasiado “familiar”.
Hmmmm!!… Realmente não me sai da cabeça que já tinham passado dois dias. Descerrei os olhos com uma dor de “cachimónia” infernal, estes olhões verdes, meios esbugalhados a olhar para mim, são uma imagem divina, será um anjo, uma fada, é assim, como se costuma dizer lá na minha terra, “dos Deuses”, mas ia-se fazendo luz, faz-se luz, talvez se faça alguma coisa, será mesmo!? Ao que me discorre destes neurónios tão maltratados, muito mesmo, não me lembro que anjos ou fadas tenham olhos verdes, lembro-me sim que os anjos não têm costas e que não se pode dizer qualquer coisa sobre as fadas, porque morrem, ou será bater palmas?! Devo andar a ver muitos filmes para adultos de meia tigela, pois, porque os adultos de tigela e meia são, pois são, não duvidem mas são, o quê… é que já não me lembro… talvez um dia o descubra.
Há aqui muita coisa estranha, uma delas é, como é que acordo dois dias depois… ainda por cima num hospital, e ainda estou de ressaca? Estranho não?! Até podia ter uma carrada de coisas meio partidas, ou partidas inteiras o que é difícil, mas eu sou o rei dos impossíveis, mas de ressaca ainda…eu apanho ressacas, algumas ainda em andamento, mas assim!?
E esta enfermaria, ou esta sala de operações tem algo de comum com a minha cozinha. Curioso… um bocado de casca de ovo colado no tecto, igualzinha à decoração lá de casa! Como costumo dizer, aqui só falta mesmo o Calimero.
Estou maldisposto, enjoado também, terá sido quiçá de alguma anestesia experimental, terei assinado algum documento que dissesse para fazerem experiências comigo?! Meu Deus, sou um zombie, ajudemmmmmmm-me… calma, calma… vou respirar fundo. Seja anjo ou lá o que lhe valha, a portadora, ou portador daqueles olhões verdes tem um mau hálito, de bradar aos céus, danado mesmo… como diz, alguém que… ok eu já me lembro!(...)

Apeteceu-me


"Os dias apenas passam por nós, não nos matam" Charles de la folie

sexta-feira, abril 09, 2010

"La vie em Rose" VII

(...)Faltava uma prova de fogo: entrar na casa de sempre agora desabitada dela. Pela primeira vez não estava na varanda à nossa espera. Pela primeira vez a sua silhueta – debruçada no ferro que dividia o vazio do ar com o betão do segundo andar – não estava lá. Pela primeira vez engolia em seco aquele desespero que é recordar que nunca mais a vemos. Pela primeira vez aqueles quarenta degraus me pareceram inultrapassáveis. Eram demasiados. O folgo descontrolava-se, o oxigénio parecia escassear naquela subida ao tecto do Mundo. Nunca me tinha apercebido como o mármore podia ser frio. O corpo emudecido e dormente pela gélida subida resgatava todos os detalhes que dela se podiam tirar. Os nomes cravados na parede apenas escondidos pela tinta branca já envelhecida pelo tempo recordavam-me a infância que ali passei. Os amigos com que ali brinquei. Os amores – os primeiros – que nunca sobressaíram. Estavam ali gravados naquela penosa subida. Como sempre a minha irmã desbloqueou o momento na sua simplicidade e na sua eterna grandeza de ver as pequenas coisas, os pormenores. Na caixa onde está guardado o contador da água – recordou-me ela – o que lá costumava guardar. Sabes – disse naquele tom jovem que mantém e que o mármore fez ecoar – aqui guardavas as cobras que apanhas por aí – rematando – eras mesmo parvo. O sorriso libertou-se mesmo sabendo que o dizia há mais de trinta anos da mesma forma e no mesmo local. Era bom sorrir, sentir que juntos podíamos ultrapassar aquele medo do escuro. A chave cravou-se no segundo andar direito daquele prédio da Avenida António dos Santos. Um som cavo e metálico libertou as trancas. A porta abriu-se e uma escuridão abateu-se no primeiro pestanejar. Doeu. (...)



Apeteceu-me

"A ruptura em si não surpreende apenas nos mostra o caminho" Charles de la Folie