
(…) Voltava para casa todos os dias a mesma hora, era sistemático, a sua constante era por demais evidente até porque todos acertavam os relógios a sua passagem.
Naquele dia apesar de tudo, era um dia diferente dos outros com chuviscos, com o arco-íris a espreitar, um vento fresco, um cheiro por demais a terra molhada, aquele cheiro que aparece uma vez por ano misturado com o cheiro a castanhas assadas.
Mas… claro mesmo com um dia assim vestido não ouve nenhum sobressalto, a mesma hora, nos mesmos sítios, de casaco comprido, castanho-escuro, com a sua maleta de pele bem curtida oferecida por um dos seus mais fiéis amigos no Natal. O seu filho era o perfeito daquela cidade, era um dos seus orgulhos, não o único, porque aquele era apenas um dos seus 3 filhos o primeiro da sua segunda mulher, uma Romena de um porte estupidamente robusto, mas ao mesmo tempo de finos traços, por onde ela passava, os rostos abriam-se, uma pequena e ligeira musica parecia evadir aquele espaço… era como um novo episódio do dia a dia de alguém, uma energia era solta. Ali contrastavam as cores da felicidade com o cinzento do pragmatismo da nossa personagem.
As janelas começavam a abrir-se as pessoas começavam a sua azafama do dia a dia, o burburinho das “gentes” fazia um efeito sonoro dentro da cabeça “dele” mas lá ia de passo certo e firme rosto cerrado, a sua passagem o barulho dos seus sapatos, uma imitação cara de um bom sapato italiano brilhantemente engraxado, para não dizer metodicamente, mas a cada passo o ranger da pele macia, com solas grossas daqueles tapa extremidades se isso se pode chamar a um par de sapatos, deixava um marca sonora, uma marca como muitas outras no dia a dia desta distinta mas minha personagem.
Aqueles óculos de hastes de casca de tartaruga, pois pele não podem ser, com uma lentes muito bem limpas. A cada dez passos olhava para um dos lados, penso que aleatoriamente, mas a juntar ao seu passo firme, a sua postura, uma postura de um homem elegante, mas desconcertante que olhava sempre para a frente para o horizonte do seu caminho. Os caminhos, esse caminhos que percorria entre a saída de sua casa e a entrada de onde trabalhava.
(…) Passaram dois dias depois, do homem das castanhas ter misturado cheiros com a natureza… dois dias… dois dias na vida de um homem, de um homem não da humanidade, na imensidão da nossa existência, sim passaram dois dias, até para o que não existe passaram dois dias, sobre… pois sobre e sob tudo.
Naquele dia o Tribunal ficou vazio, vazio de muitas coisas, mas ficou vazio do seu homem, lá em cima da sua tribuna, faltava pela primeira vez o juiz ou seja a nossa personagem, cá em baixo um burburinho enorme um diz que disse tremendo.
O que se teria passado, a noite soube-se que tinha sido violenta, uma enorme onda de assaltos a bancos de violações e assassinatos, sim morte a queima-roupa. Nessa noite a Romena, a enorme Romena estava e assim ficou deitada no seu leito, foi violentíssima...

... estava irreconhecível, a nossa personagem estava de cabeça perdida, não sabia o que fazer, logo na noite em que comemoravam os 25 anos de casados, as suas mãos estavam ensanguentadas, onde tocava o sangue evadia e corria, era uma noite de terror. O que deveria ter sido uma noite de festa tornou-se num inferno, num enorme inferno.
O desespero apoderava-se cada vez mais da nossa personagem, de um lado deitada inanimada a Romena do outro ele, a sua rotina tinha sido quebrada, todas as regras tinham sido fracturadas. De um lado a sua companheira em coma alcoólico, do outro ele o Juiz daquela cidade uma das figuras mais importantes daquele burgo, com as mão completamente cortadas quando caiu sobre uma garrafa de champanhe.
Apeteceu-me
“Muitas vezes as cores que saiem da nossa vista não passam do cinzento do dia a dia”
Charles de la Folie“Girl friend in a coma” Smiths é provavelmente a musica da minha vida, mas… tenho tantas que teria dificuldade em escolher só uma… mas por certo é a mais rápida a fazer-me verter lágrimas.