sexta-feira, setembro 08, 2006

Desencontros

Já não sabia onde Ela estava. A verdade é que lá estava.
Chegou por volta das 2 da tarde, uma hora que pouca gente suspeitava! Era um argumento como outro qualquer. Poderia ser ou talvez não.
Era muito difícil de ajustar a hora, uma hora, uma qualquer hora. Era fiel aos seus princípios, talvez por isso ainda não a tivesse descoberto.
- Bastava-me recordar-me Dela, como eu a queria ver ou imaginar. Sim, Imaginar! Porque a verdade é que todos os dias sonhava, também não era mentira que todos sonham, que o sonho é uma constante, por vezes da vida (como dizia António Gedeão).
- Onde estava – continuava-me a interrogar-me.
Sabia que estava com uma blusa bege, com recortes nas mangas rematadas com tule.
Uma saia aos folhes com cores discretas de fim de estação, cintada com um lenço castanho claro.




Varias vezes, reli a carta que Ela me escreveu para saber se os pormenores eram assim mesmo ou se os teria inventado.
- Ah! Os Sapatos - dizia em voz alta.
Pois os sapatos eram afinal umas sandálias de pano com a sola de corda com uns atilhos nos tornozelos. Também eles beges.
- Os olhos, que olhos seriam?
Por certo seriam bonitos e expressivos a julgar pelas expressões que escrevera, o que é certo – lembrava-me agora – é que Ela nunca falou Dela, porque seria?
Para mim ela tinha rosto, tinha corpo, tinha alma e sentimentos… mas isso era o que eu queria que Ela tivesse, porque Ela, por enquanto era só parte da minha imaginação.
Sentei-me no chão encostado a um pilar de mármore, frio como a morte, duro como a vida. Foi ali que refiz todas as minhas ideias sobre a minha existência, e sobre a existência Dela, estava confuso e baralhado.
Cabisbaixo, com as mãos na face a tapar os olhos, fixo na luz que saia das brechas dos dedos recordava a minha infância. Lembrava-me dos livros que fui obrigado a ler antes mesmo de saber o que era um “pintelho”. Eça, lembrava-me do “Crime do Padre Amaro”. Foi o primeiro livro que li, talvez por isso toda a minha ansiedade, toda aquela vontade de que o tempo viesse rápido de encontra mim e me fosse dando fogachos de vida vivida.
- “Cum” caraças – respirei fundo, a camisa colava-se, daquele suor que saia a velocidade da ansiedade. O frio do Pilar arrepiava-me o corpo, as nádegas estavam adormecidas, a minha cabeça estava um caos.
Sentia-lhe o cheiro, só podia ser. O meu olfacto sentia aquele odor que fui imaginando ao longo da nossa troca de missivas. Aquela fragrância só poderia ser emanado por ela. Na direcção do cheiro, nada, apenas um imenso nada, um enorme vazio de coisa alguma. Havia esperança. Naquele pequeno horizonte havia um pequeno declive, que escondia a imagem Dela. Ela que fui perdendo ao longo de uma espera que realmente nunca o foi. Aquele encontro estava marcado, estava realmente marcado pela incerteza da realidade.
O cheiro mantinha-se, mas o campo visual não mentia, mesmo sonhando acordado aquele era o lado certo de uma historia que parecia com um fim errado.
Onde estaria aquele corpo, que vestia cores discretas, mas que o rosto não se revelava.
Foi um compasso de espera, uma longa espera de um encontro com a imaginação.
Uma realidade desencontrada.

Apeteceu-me

"Os passos podem ser seguidos pelo cheiro." Charles de la Folie

18 comentários:

Unknown disse...

Amigo,
Voltei hoje a blogosfera, depois de quase 3 meses de desncanso.
E volto hoje com festa... Gostaria de poder contar com sua presença nesta data duplamente feliz para mim...
Beijos, flores e muitos sorrisos!

Klatuu o embuçado disse...

Aos 40 o desejo transforma-se num livro.
Fica bem.

Anónimo disse...

Carlos,
Dizer que me encantou e prendeu este texto é pouco...
Digo apenas que dele retive o seguinte parágrafo: "Sentia-lhe o cheiro, só podia ser. O meu olfacto sentia aquele odor que fui imaginando ao longo da nossa troca de missivas. Aquela fragrância só poderia ser emanado por ela. Na direcção do cheiro, nada, apenas um imenso nada, um enorme vazio de coisa alguma. Havia esperança."
Dir-me-ás tu a razão de me debruçar sobre estas tuas palavras?
Digo-te eu que "encontrei" um espaço a visitar mais vezes... e por agora mais não digo...

Bino disse...

Voltaste :)
Depois venho ler o teu post.
[[[[[[[[]]]]]]]]]

Maria Carvalho disse...

Gostei imenso de te ter lido! Os desencontros da realidade. É isso mesmo. Um texto completo. Beijos.

Cherry Blossom Girl disse...

Assim é a vida e os seus des(encontros). Linda imagem, belas palavras.
Parabéns.
Um beijinho gd
***

Menina Marota disse...

Os (des)encontros dos nossos sonhos e dos nossos desejos...é ténue a linha que os separa...
É sempre um prazer ler-te!

Um abraço e bom fim de semana ;)

Carla disse...

É sempre um prazer passar por aqui para te ler.

Uma nova semana tomou o seu lugar, o tempo esse corre sem parar...
Bjx e boa semana

Anónimo disse...

acho que a minha unica constante é o sonho mesmo...

augustoM disse...

Então que tal as férias? Espero quetenham sido óptimas.
Todos nós sonhamos, mas como os sonhos são uma tentativa de fugirnà abstracção, corremos sempre o perigo da desilusão. Vamos ter um jantar, se estiveres inressado em conhecer uma malta gira, é só inscrever-te.
Um abraço. Augusto

Dulce Gabriel disse...

E eu ando desencontrada do teu livro...
De resto gostei deste texto.A sério...gostei mesmo!

pisconight disse...

Isto andava um pouco parado demais, mas felizmente regressaste!!
O texto está excelente!!!
;)

Anónimo disse...

É a linha divisória.
Texto excelente!

Anónimo disse...

Música 5 estrelas!

Carla disse...

De passagem e a correr para te desejar um bom fim de semana
beijinhos

Avó do Miau disse...

Um abraço amigo da Daniela Mann

Marisa Fernandes disse...

Viciantes palavras emaranhadas em teia! Belo texto!
Foi a primeira vez que visitei este blog, mas certamente não será a única. Adorei!*

Carla disse...

Feel this... just a blowing kiss...