segunda-feira, julho 06, 2009

Cálculo cénico

(…) Permanece imóvel, por um segundo apenas. Um pensamento desequilibra toda aquela quietude orquestrada pela sua frieza. Uma lágrima percorre-lhe o rosto, como aquela nuvem melancólica que a sombreia. Refresca a garganta com a sua própria saliva, em pequenos movimentos de ansiedade. A respiração altera-se, o peito consome-se num movimento repetitivo – como o deslizar da água do mar sobre a areia fina da minha praia –. Mais um passo, mais um pensamento que se exclui da minha consciência. E por ali fico imóvel, como sempre.

(…) Quando descobriu que dia era hoje, descobriu também que toda a sua vida tinha passado sem – ele – dar conta. Mais um dia a juntar a um passado escondido pela ânsia de viver o próximo, esgotando sempre a possibilidade de permanecer no presente. Nada disso faz sentido, se não existirmos. Apesar da existência por si só, não representar nada, nem mesmo o enorme vazio em que a vida assenta.


(…) Estava pintado em tons alaranjado, e assim permaneceu, naquele fim de tarde, o empíreo! Tinha um cheiro diferente de todos, fundia-se pela imaginação. Os sons, acompanhados pela aragem – que corria e corre – emancipavam-se do desespero provocado por mais um sorriso encenado. Há um palco vazio, um ponto sem retorno e uma vontade de representar a sua própria desistência. Uma premonição da vida que se segue.

(…) A queda era evidente, a altura considerável – devido à sua não idade –, mesmo que isso representasse o tempo e não a celsitude. Suspirou antes de se mover daquela quietude perturbante. Pela primeira vez, naquele segundo, formatava um esboço de um sorriso. Contido, mas supunha-se que existissem outros seguidos, plenos de um vício que é sorrir. A dor, dava lugar a mais um vazio, agora pertencia-lhe a obrigação de o preencher.

Apeteceu-me

“Calcular o tempo entre a vontade e o querer além de utópico é impossível” Charles de la Folie

4 comentários:

Anónimo disse...

É fascinante como as tuas palavras preenchem vazios e se encaixam onde são precisas.

Anónimo disse...

Gosto deste teu "cálculo cénico", e gosto do " vício que é sorrir".
Ah... muito interessante o que se escuta ao "abrir" o teu blog. Já li o teu "Vazio de cores", o teu "Como Matei o Ministro" e o teu "Ladrão de Livros" e concordo com o que dizes, o "Ladrão" espelha a tua crescente maturidade na arte da escrita.
Fico feliz, mais um na forja...para quando?
um abraço

Mais um Lugar de Mim disse...

As nossas conversas é que andam mal calculadas... que cena! Mas um dia destes "a gente" acerta!
Beijinhos "miudo" talentoso!

Luna disse...

E esse cálculo é necessário para?...
:-D
Excelente escrita.