domingo, outubro 16, 2005

CINZENTO



(…) Voltava para casa todos os dias a mesma hora, era sistemático, a sua constante era por demais evidente até porque todos acertavam os relógios a sua passagem.
Naquele dia apesar de tudo, era um dia diferente dos outros com chuviscos, com o arco-íris a espreitar, um vento fresco, um cheiro por demais a terra molhada, aquele cheiro que aparece uma vez por ano misturado com o cheiro a castanhas assadas.
Mas… claro mesmo com um dia assim vestido não ouve nenhum sobressalto, a mesma hora, nos mesmos sítios, de casaco comprido, castanho-escuro, com a sua maleta de pele bem curtida oferecida por um dos seus mais fiéis amigos no Natal. O seu filho era o perfeito daquela cidade, era um dos seus orgulhos, não o único, porque aquele era apenas um dos seus 3 filhos o primeiro da sua segunda mulher, uma Romena de um porte estupidamente robusto, mas ao mesmo tempo de finos traços, por onde ela passava, os rostos abriam-se, uma pequena e ligeira musica parecia evadir aquele espaço… era como um novo episódio do dia a dia de alguém, uma energia era solta. Ali contrastavam as cores da felicidade com o cinzento do pragmatismo da nossa personagem.
As janelas começavam a abrir-se as pessoas começavam a sua azafama do dia a dia, o burburinho das “gentes” fazia um efeito sonoro dentro da cabeça “dele” mas lá ia de passo certo e firme rosto cerrado, a sua passagem o barulho dos seus sapatos, uma imitação cara de um bom sapato italiano brilhantemente engraxado, para não dizer metodicamente, mas a cada passo o ranger da pele macia, com solas grossas daqueles tapa extremidades se isso se pode chamar a um par de sapatos, deixava um marca sonora, uma marca como muitas outras no dia a dia desta distinta mas minha personagem.
Aqueles óculos de hastes de casca de tartaruga, pois pele não podem ser, com uma lentes muito bem limpas. A cada dez passos olhava para um dos lados, penso que aleatoriamente, mas a juntar ao seu passo firme, a sua postura, uma postura de um homem elegante, mas desconcertante que olhava sempre para a frente para o horizonte do seu caminho. Os caminhos, esse caminhos que percorria entre a saída de sua casa e a entrada de onde trabalhava.
(…) Passaram dois dias depois, do homem das castanhas ter misturado cheiros com a natureza… dois dias… dois dias na vida de um homem, de um homem não da humanidade, na imensidão da nossa existência, sim passaram dois dias, até para o que não existe passaram dois dias, sobre… pois sobre e sob tudo.
Naquele dia o Tribunal ficou vazio, vazio de muitas coisas, mas ficou vazio do seu homem, lá em cima da sua tribuna, faltava pela primeira vez o juiz ou seja a nossa personagem, cá em baixo um burburinho enorme um diz que disse tremendo.
O que se teria passado, a noite soube-se que tinha sido violenta, uma enorme onda de assaltos a bancos de violações e assassinatos, sim morte a queima-roupa. Nessa noite a Romena, a enorme Romena estava e assim ficou deitada no seu leito, foi violentíssima...


... estava irreconhecível, a nossa personagem estava de cabeça perdida, não sabia o que fazer, logo na noite em que comemoravam os 25 anos de casados, as suas mãos estavam ensanguentadas, onde tocava o sangue evadia e corria, era uma noite de terror. O que deveria ter sido uma noite de festa tornou-se num inferno, num enorme inferno.
O desespero apoderava-se cada vez mais da nossa personagem, de um lado deitada inanimada a Romena do outro ele, a sua rotina tinha sido quebrada, todas as regras tinham sido fracturadas. De um lado a sua companheira em coma alcoólico, do outro ele o Juiz daquela cidade uma das figuras mais importantes daquele burgo, com as mão completamente cortadas quando caiu sobre uma garrafa de champanhe.



Apeteceu-me

“Muitas vezes as cores que saiem da nossa vista não passam do cinzento do dia a dia”
Charles de la Folie


“Girl friend in a coma” Smiths é provavelmente a musica da minha vida, mas… tenho tantas que teria dificuldade em escolher só uma… mas por certo é a mais rápida a fazer-me verter lágrimas.

30 comentários:

Su disse...

como sempre é com prazer que te leio e desta gostei de ler este cinzento/depressivo que termina no vermelho vivo da morte/da rotina quebrada, para cair novamente no cinzento .... gostei
jocas maradas

Anónimo disse...

tão sensível que o menino anda!
lágrima?!
"não, não chores mais..."

Anónimo disse...

Cebolinha, se a menina não andasse a vida a olhar para o seu umbigo talvez se apercebesse que há vida para além de si.
Para Si sem Dó
Muammmmmm

Anónimo disse...

pepino?!pepino?! não me parece
talvez mais alho francês

Anónimo disse...

Bem poderia ser uma história brasileira entre tantas parecidas que nos ocorrem dia a dia.

Anónimo disse...

Um texto super-interessante e cativante e, acima de tudo, muito bem escrito. A personagem da tua história é apenas uma das centenas de pessoas que tem vida dupla e quase que arrisco dizer, personalidade múltipla. Infelizmente (ou não, depende) há muita gente que, na sua esfera privada, é totalmente diferente do que é públicamente; às vezes, autênticas aberrações nascem de gente cuidada e de bom nível social e educacional.

augustoM disse...

Carlos, gostei francamente do texto. O juiz representa aquele homem quadrado onde a rotina é que comanda a vida e o improviso não tem lugar, por isso resolver qualquer situação fora da rotina, é como encontrar o próprio caos.
Um abraço.Augusto

heidy disse...

Bolas! Mas tu tens cá uma pontaria. A musica é linda!!!
O teu texto levou-me ás minhas aulas de filosfia, onde fui "injectada" de material sobre kant, e o seu sono dogmático. :p Acho que todos nós andamos a dormir actualmente: basta ver o que se passa no nosso dia a dia, parecemos sonâmbulos. Mas enfim... pode ser que algo nos acorde deste sono dogmático, talvez um novo david hume... qui ça!

besos

Maria Carvalho disse...

Uma música a ligar lindamente com o teu texto! Beijos

amiguita disse...

Em que estado ficamos? DEpressivo ou emotivo?

Não chores tá, os homens não choram, lol

Beijinhos Tânia

Å®t Øf £övë disse...

Carlos,
Gostei desta associação da musica com o texto. De muito bom gosto. Parabéns.
Confesso que esta musica a mim não me diz nada de especial, contráriamente à "Reel around the fountain" também dos "The Smiths". Esta sim faz claramente parte da banda sonora da minha vida.
Quanto ao teu conto, gostei bastante da história veridica que aqui retratas. Quantas vezes nós não temos certas rotinas que já nem reparamos nelas, e de repente elas são quebradas por algo de inesperado que acontece, e aí nós sentimo-nos completamente perdidos e atordoados.
Boa semana.
Abraço.

Anónimo disse...

eu gosto do arco iris.
e nao faço ideia pk acabei de dzr isto...

bjinho*

Madeira Inside disse...

Olá!!
Gosto muito deste teu blog e se não deixo comentário tão regularmente, é porque o tempo não me permite!!
Este é um tema muito delicado e, infelizmente, acontece muito!!
Acho que há soluções para tudo....

Beijinhos

agua_quente disse...

Fantástico, o texto! Gostei muito. Sensível, é? :)
Beijos

Micas disse...

Fantástica escolha músical, perfeita sintonia com o texto. Gostei imenso. Bjs

Anónimo disse...

Até dentro dos Smiths há muito mais por onde escolher!

Esquece o cinzento e vem rir um bocado com esta entrevista do Pinto da Costa logo após o derby...

Eric Blair disse...

Não é propriamente a da minha vida, mas faz-me lembrar uma fase tresloucada da minha vida ... o que é sempre recomendável.

Anónimo disse...

Morrisey... gosto muito.
Já fui muito feliz a ouvir os Smiths, fica sabendo.
Aquele abraço.

moon between golden stars disse...

Anda cá...
Deixa-me envolver-te num abraço...

Freddy disse...

Adoro essa música e Smiths... Mas cortar os pulsos n dá dto a morte certa...

Abraço da Zona Franca

Fragmentos Betty Martins disse...

Olá Carlos

Um excelente texto, que toca o "cinema noir"

Os Smiths, também é a meu gosto, repleto de emoções!

Beijinhos

Choninha disse...

Venho agradecer a visitita ao meu manual e dizer-lhe que também eu já passei por aqui sem, contudo, deixar rasto...

Gosto desta música! ... mas não me faz chorar, pelo contrário faz-me sentir feliz!

A música e as emoções, muito haveria para dizer mas agora não tenho tempo!

Beijo

Concha Pelayo/ AICA (de la Asociación Internacional de Críticos de Arte) disse...

Precioso texto. Ciertamente. Para abreviar....sobre la DUDA/DUVIDA.
Dudar es lo que nos hace crecer.
Dudar de uno mismo:
-de lo que se dice
-de lo qu se ve
-de lo que se siente y piensa...
cómo no dudar si somos un mar de dudas...dudar es crecer, desarrollarse, dudar es amar...porque cuando se ama se duda también...y se fortalece el amor.
Gracias por entrar en mi nuevo blog.

Maria Manuel disse...

Sangui_no_lento!

Elsa disse...

(faltam-me aqueles bonequinhos de olhos esbugalhados para aqui pôr) bolas!!!
... e ... não me fales em castanhas assadas por favor que já me estou a ver amanhã (hoje já é tarde) a dar a volta à cidade à procura do vendedor... lol
beijos

Kabum disse...

Bom post! :D

Raquel Vasconcelos disse...

Forte, tenebroso... e porque não real? Centenas de histórias por aí à solta... essas sem melodias... a acabar nos vermelhos reais da vida...

Luís Filipe C.T.Coutinho disse...

Se este texto tivesse cheiro seria uma mistura de tudo aquilo que se perde num momento, e que no momento seguinte já se esqueceu...

abraço

Anónimo disse...

UM REGRESSO E UMAS ENTRADAS ÀS ESCONDIDAS.

Anónimo disse...

é favor:
www.nauseabudogrelo.blogspot.com

o Solhas(o iluminado)