quinta-feira, outubro 20, 2005

O Cachimbo


(…) A noite estava cerrada, só mesmo lá ao fundo se viam luzes, pequenas luzes que se misturavam com as estrelas.
Naquele momento, o cheiro a mar dava lugar ao cheiro intenso do cachimbo, estava habituado fumar o seu cachimbo no silencio da noite e das aguas razoavelmente calmas…
Não era o caso naquela noite, as vagas eram enormes, o barulho do rebentar das ondas contra o casco da pequena embarcação de pesca intenso, os pensamentos de outros tempos, davam lugar ao cepticismo do que se estava a passar.
Mas o medo, o medo não andava por ali, tinha fugido à mais de 30 anos, tinha dado lugar ao respeito, ao respeito pelo mar e pela natureza.
Estava perto de chegar a casa ele e mais 5 marinheiros, cinco experientes marinheiros a sua tripulação. O barco estava carregado ao fim de 6 meses seguidos no mar, a faina estava garantida e nos próximos 6 meses as suas famílias não iam ter falta de nada, mas era preciso passar mais aquela dificuldade, para as suas famílias não sentirem a sua falta para o resto da vida.
A borra do cachimbo incandescia fortemente cada vez que o pensamento era mais activo, debaixo daquele oleado amarelo que se via ao longe iluminado pela intensidade da golfada de tabaco.
No porão, perto do frigorífico onde estavam mais de 30 espécies de peixe, que por certo iam fazer as delícias de muitas famílias, dormitavam 4 dos 5 marinheiros, a noite podia ser complicada e era precisa toda a energia possível. Naquele sitio, naquele muito pequeno espaço o cheiro a peixe entranhado com o cheiro a suor de seis meses era impossível e insuportável para o mais comum dos mortais, mas no dia em que aquelas seis almas saírem dali as saudades de voltar vão ser de uma dificuldade doentia.
A noite vai alta e alta vai a embarcação, conforme as luzes da sua pequena aldeia se aproximam, as vagas parecem que vão tombar a embarcação, mas ela onda após onda aguenta-se estoicamente.

Ouve-se grito, um enorme grito, os homens acordam, quando chegam perto do capitão vêm um homem cansado, testa franzida, o sobrolho entreaberto como que vai dizer algo de muito sério, tira o cachimbo da boca com a outra mão, esfrega, acaricia a sua barba, meio branca, meio cinzenta, os homens olham-no olhos nos olhos em sinal do enorme respeito que por ele nutrem.
A voz parece estar embargada quando ele lhes diz, ele conhecedor daquele mar como ninguém:
- Homens parece que a coisa vai correr mal, muito mal mesmo, vamos chegar a terra ainda de noite e não vamos ter ninguém a nossa espera.


Apeteceu-me

"A Saudade por vezes é inimiga do concreto" Charles de la Folie

20 comentários:

Wakewinha disse...

Que pena por estar sem tempo para te ler mais profundamente! Prometo voltar, sim?

Entretanto fica um beijinho e um sinal da minha visita!

Bino disse...

Mais que o da Caparica, gosto de observar o mar de Sesimbra (mar da Califórnia e tal). Especialmente quando após a rotunda em Santana, viramos logo à esquerda e poucos kms depois, vamos dar lá ao alto, donde se pode observar o oceano e a vila de Sesimbra lá em baixo.
Mesmo de inverno é porreiro. Adoro ver o mar mesmo em dias de chuva . Já outra coisa é entrar nele, há dois anos que não vou à praia, porque eu não sei nadar, o Bino não sabe nadar... yo.
Aquele abraço, my friend.

Elsa disse...

nem me faças lembrar em mar.... ...eu quero o Verão de Volta!!!!!
bjs

Palas disse...

Gostei do texto,fez-me lembrar Hemingway

Su disse...

gosto do modo como escreves....
gostei da musica....
e mais que uma onda, e mais que uma maré....rompendo a saudade..o homem do leme.....

jocas maradas cheias de mar

Anónimo disse...

fikei com as ideias meias trocadas...

(as pessoas nao vêem so o k kerem ver?)

bjinho*

Bino disse...

É claro, um dia destes temos de combinar.
Abraço.

Anónimo disse...

Cada vez mais algumas pessoas andam demasiadas destraidas para terem sensibilidade. Gostei do conteudo deste post. Beijinhos.

heidy disse...

Eu nem digo nada! ainda não estava a ouvir a musica e já estava a pensar nela. :p Mas isso sou eu e as minhas manias... (3 desejos, lá estarei... oh se se tou...)
Não vou dizer mais nada, só ouvir, acho que esta diz tudo!
" E mais que uma onda, mais que uma maré, tentaram prendo-lo, impor-lhe uma fé..."
Bigado.... :) hoje fizeste-me sorrir. :)

beijoka

Talk Talk disse...

Tens uma forma de escrever bastante cativante.
Um abraço.

Maria Carvalho disse...

O teu texto está tão bonito, Carlos. As imagens reais, e uma música que arrepia cá dentro!! Adorei. Beijos para ti, bom fim de semana

heidy disse...

Pah, por tua causa, cheguei a casa e coloquei o dvd do concerto. o que me levaste a fazer! és a tentação... lolololol
Tu forçaste-me! :p

besos

Maria Manuel disse...

Sobre o livro do Zé: ainda me faltam cerca de 600 páginas para te poder dizer alguma coisa... se lá chegar... se não chegar, estará tudo dito...

Bj

agua_quente disse...

Muito belo este texto em todos os seus pormenores. O fim é surpreendente mas isso já é a tua imagem de marca! :)
Beijos

Anónimo disse...

Soubeste retratar bem o quotidiano dos homens do mar, um mar companheiro que lhes garante a vida mas ao mesmo tempo lhes acena com a morte; não faltou o ritual do cachimbo (do tabaco, em geral) o único aconchego afectivo em alto-mar; O peso afectivo e familiar está, de resto, bem presente no comentário do capitão: "...e não vamos ter ninguem à nossa espera." Bonito, mesmo.

Nina disse...

Adorei o texto..as imagens estão simplesmente lindass :)

Beijinho e BOM FDS

Francis disse...

Excelente texto. Como sempre.

Fragmentos Betty Martins disse...

Olá Carlos

Uu gosto da tua escrita! Mas hoje o que li aqui; é uma viagem com cheiro a maresia. Homens do mar de feições curtidas da vida dura, mas de corações nobres.

Excelente o teu texto

Beijinhos

pisconight disse...

Pois é, de tanto cá vir começo a ficar sem o que dizer.
Gostei (mais uma vez...) do texto e da música também.
E como é bom recordar o mar...
;)

augustoM disse...

O meu comentário resume-se nisto: estive para ser marinheiro, mas o meu destino não incluia o mar, minha maior paixão.
Naveguei muito à vela, mas em embarcações de recreio com 12 metro, e aos 50 anos tirei a Carta de Patrão de Costa, parecia o pai do curso. Foi a única coisa que consegui, mas já na meia idade. Realmente é como dizes, o mar não mete medo mas sim respeito, sei bem o que é navegar com uma ondulação de 5 a 6 metro, é um gozo sem par em qualquer desporto radical.
Um abraço. Augusto