sábado, junho 18, 2005

FLASH

Flash


(...) Estava mesmo a beirinha, um pequeno balanço,um pequeno descuido ou propósito, caía da ponte mais alta da terra.

(...) Que dia mais esquisito, o tempo custava a passar, nunca mais chegava a hora que tinha marcado para saltar.

(...) A morte por mais que se pense não tem hora marcada, quando chega, chega e deixa um enorme vazio, que se vai apagando devagarinho, muito devagarinho e a muito custo das nossas vidas, por isso aquele salto não fazia sentido, mas era sua convicção aquela filosofia de vida.

(...) Além do tempo não passar, as nuvens estavam carregadas de ódio, estavam cinzentas, cheias de energia, as dores cabeça... só podia ser energia negativa.
Ficava a dúvida, uma dúvida, porque adorava estar a janela a ouvir trovejar, e a ver os relâmpagos nas suas mais variadas formas? Adoraria algo de mau, de ruim?






(...) O corpo estava humido, humido de suor, não de prazer, apesar da adrenalina que aquele salto poderia trazer.. noutras circunstâncias pensaria que saltar de uma ponte é adrenalina pura, o suicidio em si pode dar, ou trazer, ou transmitir, ou descarregar, ou mesmo.. isso porque não isso, mas nunca vai ter tempo para saborear esse prazer essa descarga essa adrenalina.

(...) Que pensamento se podia ter naquela altura, aliás porquê pensar numa situação daquelas, porquê!? Os pensamentos devem fluir, vaguear, alucinar quando, pois quando... ainda há descernimento para o fazer. Podia sonhar, mas seria um sonho que terminaria num pesadelo.

(...) As nuvens continuavam cinzentas, o estado de espirito acompanhava as nuvens, naquela viagem negativa, uma viagem que à partida sabia que ia ter fim. Havia silêncios por todo o horizonte, por muito que o barulho do dia a dia pairasse por ali, era um enorme silêncio, talvez fosse mais um enorme vazio.

(...) A hora estava quase a chegar, fazia confusão como iria chegar lá abaixo, como iria ser a sua forma, como iria estar, aquelas “coisas” todas, aqueles pensamentos deixavam-no ainda mais ansioso, mas porquê? Porque teria ele tanta ansiedade para chegar lá.. porquê !? se a hora estava marcada.

(...) Ao longe começava a ver os flashs dos relâmpagos, mas o som não os acompanhava, claro que sabia, toda a gente sabe que a velocidade da luz é muito mais rápida que a do som, aliás ele era engenheiro, sabia isso perfeitamente, mas estava muito longe tão longe, que o som não chegava... e visto dali de cima.. era um espectáculo.. sem dúvida fantástico.

(...) A hora estava a chegar, o céu estava avermelhado, podiam ver -se os pássaros a cruzar os vários cabos de tensão que seguram a ponte, ou que a suspendem. Naquela altura estava também suspenso a sua vida, a sua alma, o seu espirito. Estava ali parado e em nada pensava, até que.

(...) chegou a hora... suspirou... chegou a hora, arrumou tudo religiosamente, como se no outro dia viesse a precisar, ou se voltasse ali aquele local, naquele momento susteve a respiração como quem vai mergulhar num profundo sonho de agonia no meio das chamas do inferno.

(...) atirou-se, pulou, saltou, o termo certo voou, do cimo daquela ponte ainda em construção, cá em baixo, quando chegou cá abaixo, quando aterrou no ultimo degrau cá estava ela á sua espera.. não.. não era a morte...
era a sua nova namorada.


Apeteceu-me

“ A vida percorre um caminho, mas nem sempre a vida deve correr.”
Charles de la Folie.

23 comentários:

Anónimo disse...

Os teus textos tem o poder de captar a nossa atenção e lê-los até ao fim :) Beijinhos e bom fim de semana

Anónimo disse...

Escreve muito bem, a sua escrita envolve-nos e prende-nos. Estou pela primeira vez a visitar o seu blog e penso que irá ser um local obrigatório de passagem. Bem haja, cumprimentos.

Anónimo disse...

Estranhas as coisas que escolhemos... ou que algo de dentro escolhe por nós.

Anónimo disse...

Olá!
Vim agradecer a passagem pelo meu blog...
Obrigadíssima pelas palavras, pq realmente a noite tem...

;)

Volta sempre, que eu também.

:)

Menina Rebelde... disse...

Ola,

Vim tb agradecer a visita pelo meu pequeno blog.
E a primeira vez q por aki passo... adorei o texto... o suspense fez com q eu o tivesse q ler ate ao fim... o final... inesperado. Bom trabalho.

Bjoca

moon between golden stars disse...

Cumprimentos lunares...

Bem parece que nao sou a única estreante a visitar esta república com este ar fresco e apetitoso...
E as palavras que se entranham... como as cores, que inevitavelmente fazem parte da nossa vida... e que sim, como dizes parecem ter voz...

"O Universo é feito essencialmente de coisa nenhuma.
Intervalos, distâncias, buracos, porosidade etérea.
Espaço vazio, em suma.
O resto, é a matéria.
Daí, que este arrepio,
este chamá-lo e tê-lo,
erguê-lo e defrontá-lo,
esta fresta de nada aberta no vazio,
deve ser um intervalo." (António Gedeao)

Gostei muito do teu blog... voltarei sempre, de certeza que sim... vou tomar a liberdade de te linkar... assim ficarás preso ao meu universo mágico da lua e das estrelas...

Bons apetites... :)

Um abraço grande

Anónimo disse...

Final surpreendente!
Beijos e bom final de semana!

Maria Manuel disse...

Este Charles de la Folie é um filósofo e pêssegos ! ;)

Å®t Øf £övë disse...

Carlos,
Muito bem escrito este teu texto.
Aquilo que pareceia ser um texto morbido,tornou-se no seu final numa magnifica história com um desenlace lindo.
Bom fds.
Abraço.

Anónimo disse...

2...quando aterrou no ultimo degrau cá estava ela á sua espera.. não.. não era a morte...
era a sua nova namorada."

Mil razões para se viver... esta é só uma...

Abraço e bom fim de semana :)

bertus disse...

...ok, ok.
A rapariga aparou-lhe a queda e beijaram-se longa e desvairadamente.

Apenas uma questão: foi na terceira ponte sobre o Tejo?

Bom fim de semana!!

Amaral disse...

Está visto que tenho de voltar muitas mais vezes!
Fazes-nos suspender de curiosidade, mas a magia final tranquiliza-nos. Uma namorada de sonho, a sua nova, como importa que seja…

Anónimo disse...

Carlos:
Encontrei, lá no Meu Porto, uma tua pergunta e vim respondê-la: eis minhas mãos, a registrar meu passeio por tua escrita. Eis meus olhos, encantados por tuas letras. Eis-me aqui, deixando a promessa de voltar.
:o)

Míriam Monteiro - http://migram.blog.uol.com.br

Francis disse...

Escreves bem!... acabas de despertar em mim o desejo de me atirar duma ponte (na esperança de ver quem me saí em rifa)! :-)
Força!!!

Anónimo disse...

Um mergulho para a morte ou para o amor? Gostei da vertigem. ****

Wakewinha disse...

Fiquei presa pela magia das palavras, e com vontade de explorar o que falta ainda ler... ;)

Anónimo disse...

Mas vocês só comem frango?
Pareço eu quando quero impressionar alguém... a receita é sempre a mesma. LOL
Texto brilhante, as always. Gostei de sentir a liberdade do vôo e o abraço que o espera no final.
**

Anónimo disse...

Belo texto! Adorei, adorei, adorei!
Bem escrito, ritmado e alegre, com o sal da descrição e a pimenta da experiência nas quantidades certas!
Já agora... Eu também sou assim! Gosto de fazer sempre as mesmas coisas, porque sei que as faço bem!
Um grande abraço

Rosa Cueca disse...

Não olhes para o abismo quando saltares :)

Micas disse...

Há sempre uma Luz ao fundo, neste caso em forma de "namorada nova"! Excelente texto.

maresia disse...

eia lecas pah! isto fez-me lembrar o zé maria, vi num quiosque aqui perto que se tinha tentado suicidar na ponte 25 de abril. será que é a mais alta do país??

Anónimo disse...

Frango?
E sardinhas?
Hum...acho que vou até aí...

Anónimo disse...

lollll descobriste mais uma das minhas "brincadeiras bloguísticas" ( ou deverei dizer o meu problema ? ).
Ando preguiçoso para postar, mas por outro lado estou nos bastidores a melhorar o template do Abrupto. Um abraço, Carlos.