sexta-feira, julho 01, 2005

SEM DESTINO

Sem Destino

(...) Dias confusos, muito confusos, com e sem vontades de acreditar, que estava ai um novo dia uma nova vontade e ai chegaria por certo uma nova saudade, era saudade para ser celebrada sabe-se lá por quem, e porquê, mas afinal era só mais um dia de trabalho.

(...) Os cheiros misturavam-se, entravam em grandes conflitos, saiam de todo lado,- dos corpos imundos, do álcool “ranhoso” que por ali se vendia, do suor que elas deitavam de horas a fio por ali em perfeitas acrobacias eróticas, ou nem por isso havia um cheiro intenso a alfazema, alfazema barata do barbeiro. O Bafio que por ali emanava era calculado, calculado pela pouca roupa que vestiam, esse cheiro era a dimensão das lantejoulas, se é que se podia chamar lantejoulas, porque já poucas sobravam, tal eram os anos e os corpos que aquelas indumentárias já tinham passado. E porque passavam e porque percorriam, e porque uma infinidade de vezes, as vezes que nós precisamos de interrogar sobre nós, sobre as nossas duvidas.
Era uma casa muito pouco católica, muito mesmo, tinha parado no tempo, elas mudavam, consoante os hábitos, os clientes eram clientes á antiga, levavam sempre uma flor na lapela, perfumavam-se com lavander e desfaziam a barba no barbeiro, sempre muito bem desfeita, como mandava a tradição, neste caso mais o tempo, era assim há muito tempo, era assim que fazia o seu avô, que ensinou ao seu pai e agora, agora parava por ali na sua geração, porque aquela casa onde frequentava com grande parte dos seus clientes, nunca lhe dera uma mãe para o seu filho para lhe seguir as pisadas. E agora, agora já era demasiado velho para o fazer, até para se habituar a partilhar o seu espaço com alguém, já conhecia todos os cantos á sua solidão, aos seus silêncios porque havia agora de desfazer aquilo que lhe tinha dado tanto trabalho a fazer.
Um homem com uma vida assim, podia ser um rezingão, uma pessoa amargurada, de mal com a vida, mas não. Era uma pessoa de piada fácil, de conversa fluida e de muitas histórias, era conhecido pela sua descrição, para ele havia sempre uma solução, os problemas eram sempre resoluveis, recorriam mais a ele do que ao Padre lá do Burgo, até porque não confiavam nele (padre) como poderiam confiar numa pessoa que frequentava aquela casa ás escondidas? Mas o barbeiro, aquele homem de face rosada, com barba branca muito rala, era um sábio um grande sábio, á noite não havia pequena que não o consultasse, talvez por isso nunca lhe quisessem levar dinheiro, mas ele insistia, costumava dizer que toda a gente que frequentava a barbearia era sua amiga, mas se não lhes cobrasse, morreria a fome, era um exagero, mas era a realidade. Só havia uma pessoa que lá ia que não gostava dele, era reciproca aquela sensação de ódio, mas ele sabia, que era mais um e o facto de Ter a lâmina perto do seu pescoço não lhe fazia a mínima diferença, tentava esquecer o que se tinha passado a 40 anos atrás....

(...) Naquele dia confuso, chegou a lâmina mais perto do que nunca, a lâmina que passara a noite a afiar, aquele fio cortava até o ar que se respirava, cortava, não estava ninguém por perto, ninguém que o demovesse dos seus intentos. No ar podia sentir, sentia-se aquele frio que arrepia, que dá vontade, de uma pessoa ajoelhar-se redobra-se, e rebolar-se com dores, mas estava ali com o pescoço do seu inimigo a mercê, de um repente, de um gesto brusco, balbuciou uma roucas palavras, enquanto com a lâmina dava o corte fatal, naquela relação de ódio que durava à 40 anos, ... fizeram as pazes, foi um abraço sentido de 40 anos, quando lhe foi roubada a possibilidade de arranjar uma mãe para o filho que nunca teve.


Apeteceu-me


"Há inimigos que nos ocupam mais tempo que os amigos" Charles de la Folie

A musica é dedicada ao meu amigo BINO do Abrupto Sexual.

O Matador - Royal Suite

32 comentários:

Raquel Vasconcelos disse...

Um dia tudo passa, sobra apenas a mágoa de sabermos que eles existiram o suficiente na nossa vida para gastarmos o nosso tempo a pensar neles...

Tenho alguns ainda no fio da navalha... e no entanto... por vezes dou-me ao devaneio de imaginar qual deles (ou delas) realmente me deve fazer perder esse tempo...

Há um... sim.. que seria o crime perfeito, porque nunca me conheceu, nunca me viu nascer...
Abalou a minha vida sem passar por ela. Mas passou pelas dos que me era queridos e matou-mos...

Acabas, com a tua história, de me dar finalmente o mote para o livro que desejo "imaginar"!
Poderei matá-lo, ou não...

Olha... um muito obrigada!


Ah! e gostei do conceito do teu texto :) e do comment que deixaste um dia destes... que "falava" de cerejas :) Foi honesto, real e soube bem!

impulsitem disse...

segundo pêssego! ai, que felicidade tão grande!

Raquel Vasconcelos disse...

Home! tu estás completamente proibido de me comentar sem sentimento! Ou seja... Faz-me sentido ou eu tenho um ataque de fúria!
Senão vais ver o que é um blogger furibunda!

:)

A sério, comenta sem ser obrigado :)

impulsitem disse...

er, ... compreendes?

Paula disse...

bela estória...
obrigado pela visita ao meu horizonte...;)

Freddy disse...

Fogo, a costa da Caparica é onde? Na Austrália...? É q o post aparece já com a data de amanhã...Será este blog um triângulo das Bermudas da blogosfera...?

Abraço da Zona Franca

bertus disse...

"...mis manos calientes
tu carne entre mis dientes"

...a princípio, impressionou-me a lâmina naquele movimento arrastado (a fazer render o peixe...) até chegar ao pescoço da vítima. Depois o sangue; jorrando em catadupas, ensopando o tapete de arraiolos que custou uma nota preta e o soalho. Quando corpo ainda em estertor, cai no chão, já um gajo está habituado à cena.
De tal modo que até ganhei vontade de ir jantar.

Cá vou eu: vrummmmmmmmmmmm!!

bertus disse...

...a tempo: em español "dentes" são mesmo "dentes" cariados e tudo, como em português...

É sempre bom não influenciar ninguém negativa e gramaticalmente sobre a língua de Cervantes; ninguém sabe o que nos espera num futuro mais ou menos próximo...

augustoM disse...

Carlos, para ir à casa das meninas, naquele tempo, os homens primavam na apresentação, na ilusão de que com isso fosse possível conquistar algum afecto para além do lado mercantil do próprio lugar.
Era talvez uma prova da sua masculinidade, a busca de algo que se perdeu em casa, compensação para a solidão ou a tentativa de reencontrar alguma da juventude perdida.
A relação destes homens com as mulheres da casa das meninas foi sempre muito peculiar.
Possívelmente para o barbeiro a interiorização de ter o seu inimigo indefeso à disposição da sua vingança, tenha sido para ele um momento de sublime satisfação, não o fazia porque não queria, achava-se vingado, mão materialmente mas por se ter libertado da obsessão.
Um abraço. Augusto

Anónimo disse...

aqui na minha bola de cristal vejo um cofre. a chave não a encontro, por enquanto. a bola de cristal não me mostra o que o cofre guarda. pode ser um tesouro, ou uma bomba prestes a explodir.
a madame ursula recomenda a presença da brigada de minas e armadilhas.

Raquel Vasconcelos disse...

Pronto pronto :)

Pleaseeeeeeeeee... posso ter acesso à música?
Pleaseeeeeeeeeeeee

:))

Anónimo disse...

Oh, Carlos... epah... tu... aii... como me surpreendes com esses teus textos, esses finais, essa imaginação, essa capacidade de imaginar, de sentir e de criar suspense...

Fiquei sem palavras! Restam-me os silêncios como sinal de muito agrado. Muito mesmo.

P.S.: a ida à Costa está + próxima... quero as sardinhas e os pimentos e o caril e tudo aquilo com q vocês se sandaram a lambusar sem me convidar!!!!! Ah, pois é!
Depois o casalinho retribui - fica a promessa por ele. LOL

isa xana disse...

sou nova ainda... não tenho nenhuma sabedoria... as pessoas uqe não gosto continuo sem gostar e perco meu tempo (isso mesmo, perder tempo) a pensar neles. mas com o tempo sei que deixaraão de ter importância e até me zangarei um pouco comigo mesmo por ter perdido meu tempo a pensar nos desafectos..

sempre a tua escrita está óptima. a descrição é o teu forte, digo eu=p a descrição dos ambientes exterior e interior do ser

beijitoss

Anónimo disse...

Muito obrigado pela Música (granda som, curti á brava). Depois volto aqui, ando muito ocupado cá no stand. Por causa do aumento do IVA, tem sido só mostrar e vender chassos (mais mostrar que vender) antes do aumento de preço. Um abraço.

Anónimo disse...

Sem destino estou eu...

Anónimo disse...

por vezes é bom ir sem destino, e o homem amargurado tem sempre uma solução, mas mesmo no destino há sempre solução para tudo menos a morte.

Fragmentos Betty Martins disse...

Bolas!!! pensei que terminasse com um triste destino sangrento, mas não!

Belíssima história (como sempre) repleta de adornos, que a tornam fantástica :)

Beijo grande

Guillermo de Baskerville disse...

Acreditar no destino, seria como acreditar que uma gota de água nascida na mais alta das montanhas do fim do mundo, acabaria um dia no meu quintal. Possível!
Acreditar numa coisa sem destino, seria pensar nessa gota de água estática e isolada no meio do nada, sem que o ar sequer soubesse da sua existência. Não existe! Não existe, porque se torna um sistema fechado. E como não interagimos com ele, não lhe atribuimos existência.

Sujeitar-se ao destino é apenas dizer que existimos!
Depois vive-se!

Indibiduo disse...

Como diz o outro:

" Eu preocupo-me é com os amigos, pois com os inimigos posso eu."

SL disse...

Excelente história...gostei de te ler ao fim de uma sexta-feira de tanto trabalho.
Jinhos e bom fim de semana.

lique disse...

Às vezes essa sensação de poder é suficiente para nos livrarmos de uma obsessão. Como sempre, gostei muito de te ler. beijos

agua_quente disse...

Ai, que susto me pregaste! Pensei que fosse ver o sangue a escorrer e o homem degolado... pronto, foi só imaginação minmha! :)) Beijos

Daniel Aladiah disse...

Caro Carlos
Boa escrita e uma boa história, qual fumaça de chamas reais.
Um abraço
Daniel

Micas disse...

Não gosto de andar sem destino, mas adoro ir sem destino, porque sei que o horizonte é apenas uma linha imaginária...
Quanto aos inimigos não perco mesmo tempo com eles sabes, é que a vida são dois dias e um já vai a meio ;))
Grata pelo endereço da página, vai dar jeito sim senhor ;) Bom fim de semana

Humor Negro disse...

Excelente link para a coisa Carlos! Obrigado e um abraço.

Humor Negro disse...
Este comentário foi removido por um gestor do blogue.
Raquel Vasconcelos disse...

PS: Pois... O molotov tem nome de pudim mas é mais a virar pó urso ;) hehehehe

carmuue disse...

"já conhecia todos os cantos á sua solidão, aos seus silêncios"

é... gostei...(suspiro)
gostei ainda mais da reconciliação... nem sempre é possível, mas é bom que ainda hajam reconciliações...

Anónimo disse...

nem a barba desfazes e poes-te com merdas emproadas nos sitios dos outros.há mesmo palhaços pa tudo e tu es o rei deles.prova da merda que das aos outros.

Heloisa B.P disse...

-EXCELENTE HISTORIA!!!!!
E.. se ISTO e' a "amostra" dos "Disparates" que nos anuncia,colocar AQUI, entao, FACA FAVOR DE NAO SE INIBIR E "PLANTAR" AQUI TODOS OS "DISPARATES" QUE LHE PASSAREM PELA CABECA!!!!!_Eu, virei expressamente a procura DELES!!!!!
_Venho tabem AGRADECER AS "CEREJINHAS"!!!!!!!!!!
_Gostei de encontra'-LO la' no meu modesto espaco!
_VOLTAREI, sempre que me seja possivel!
_CORDIAIS SAUDACOES!
Heloisa B.P.
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Zuka disse...

Bom texto!
Mas confesso que durante as primeiras frases comecei a pensar que era uma descrição da feira que está a decorrer na fil, eheh.
Abraço

Soul, Heart, Mind disse...

Afinal já tinha lido...
Kisses...