domingo, março 20, 2005

"Ela" ai está !

Ai está ela



(...) Era mais que evidente, que aquele grito tinha sido sentido, sentido de dentro, veio de dentro dele e sentido por todos os que o rodeavam na altura, era impressionante a revolta que lhe ia na alma, ao certo nunca ninguém percebeu bem o que se tinha passado, mas aquele grito ficou dentro de todos aqueles que lhe queriam bem, bem e mal, a bom da verdade.

(...) Naquele dia de março, já quase no fim, estava sentado numa cadeira feita de palhinha, daquelas cadeiras que abundam por ai, em qualquer mercado, feira, hipermercado ou casa da moda de mobiliário e afins, em que o preço varia consoante a o sitio onde se compra sendo que o material é sempre o mesmo, mas adiante esta parte não interessa, estava sentado numa cadeira de palhinha ou vime como queiram.
O sorriso abundava no seu rosto, um rosto jovem, sem rugas de quem nunca esperou por grande coisa, mas que esperava grande coisa da vida e de tudo o que ainda tinha pela frente, como disse tinha um rosto jovem, olhos rasgados, quase “ achinesados” uns lábios de traço fino assim como o nariz , um pouco pontiagudo mas nada que desse para assustar, a sua compleição física era pequena, pequena para os seu 15 anos, mas a sua inteligência, o seu raciocínio e a sua forma de estar demonstravam ter muito mais idade do que afinal tinha.
Naquela, tarde, fim de tarde lembrava-se de um livro que uma vez tinha lido, qualquer coisa muito avançada para a sua idade, mas que lhe encaixou muito bem, era um livro de Gabriel Garcia Marquez , “ Ninguém escreve ao Coronel ” uma história de um Coronel que esperou uma vida por uma carta, uma simples carta que lhe dava a reforma, uma pensão, uma indemnização, uma vida toda a espera dessa carta.
E ali estava ele sentado naquela cadeira de vime, com um olhar brilhante, cintilante, reluzente de quem espera alguma coisa, de quem quer mesmo ver o que se espera, mas de quem ainda não sabe o que é a assunção da espera, como quem não sabe que esperar é a ultima forma de esperança, mas afinal aquela era a sua primeira espera a sério por algo que assumiu como sua luta.
A concentração era muita, estava desconcertadamente concentrado, enquanto cantarolava velhas canções de embalar, que a sua mãe lhe cantava, ainda hoje as ouve cantar quando anda descontraída na lide da casa, enquanto esfrega aquele chão de tacos de madeira, para a seguir o encerar, naquele movimento circular com as mãos e panos macios.
O lusco-fusco chegava, naquele dia quase perfeito, uma temperatura amena a roçar o desejo, uma brisa que se sentia como um beijo, um por do sol alaranjado como os pêssegos que se derretem na boca.
Quase imóvel, com os pés puxados para cima, os joelhos encostados ao peito, os braços a abraça-los e queixo prostrados neles continuava na sua espera. A sua mãe que conhecia a sua persistência, levou-lhe um copo de leite e uma sandes feita do melhor presunto que havia lá em casa tinha sido curado pelas suas próprias mãos fazia questão que ele se embriagasse com os prazeres gastronómicos que abundavam lá por casa. Durante algum tempo ficou imóvel com o leite de um lado e o pão com presunto do outro, até que decididamente deu um trinca e ficou a mastigar como se estivesse a mordiscar algo que não existisse, estava vidrado, completamente absorto, abstraído na sua espera.
O cansaço já estava a espreita, até que o venceu. Adormeceu... vieram todos os que viviam na sua casa cá fora ver se descobriam alguma coisa o que se tinha passado, não havia indícios de nada, nada mesmo, não sabiam o que pensar o porquê daquela espera. Delicadamente o seu pai tentou agarra-lo para o meter na sua cama, quando ele acordou espantado perguntou se “Ela” já tinha chegado, ninguém percebeu a pergunta nem quem era “Ela”, ele irritado perguntou: a Primavera já cheguou?
Quando se apercebeu que sim gritou bem alto e de uma maneira que nunca mais ninguém esqueceu.

Apeteceu-me

6 comentários:

Anónimo disse...

(...)esperar é a última forma de esperança(...) e aí está ela(a Primavera)..o começo...
fica bem Charles
beijos

Å®t Øf £övë disse...

Boa semana.
Abraço.

agua_quente disse...

Gostei do teu conto. Muita sensibilidade, uma linguagem bela. A Primavera chegou e eu (a água) também! :) Beijos

D disse...

E com a primavera chegou a tão desejada chuva :D
boa semana carlos beijos

Anónimo disse...

MAS COMO A CHEGADA DA PRIMAVERA É BEM RECEBIDA... E A DA ÁGUA... É PRECISO É TEMPERAR A DITA... NÃO VÁ ESCALDAR

Unknown disse...

Ela ai está belo titulo.