terça-feira, março 22, 2005

Paparuca

Paparuca


(...) Era livre sempre foi, chamavam-lhe “Estaline”, por pura ignorância, era livre, adorava ver pessoas livres, adorava sentir-se liberto de tudo.
(...) Chamavam-lhe “Estaline”, por dizer tudo o que lhe ia na alma numa altura em que só o facto de pensar servia logo para tentar acorrentar a dignidade de quem pensa, naquela altura em tempos idos o despotismo imperava, mas os homens, os homens mantinham-se livres e fiéis a si próprios, não corriam contra o seu espirito, apesar de parecer atordoados e adormecidos.
Mas aquele homem nunca se calou, mas tentaram cala-lo, naquele tempo dizem, a sua voz erguia-se em discursos intermináveis, por becos e travessas, muitas vezes ajudado por néctares que abundavam daquelas terras do Ribatejo.
Era um homem baixo, cabelo branco, escorrido e sempre penteado para o lado, pernas arqueadas da idade, bigode branco, não tão pequeno como o que celebrizou outro Ditador de outras paragens, mas era no género, maçãs do rosto bem definidas e roborizadas, não muito, levemente roborizadas, assim como o seu nariz. Os olhos, a parte mais dificil do seu corpo de explicar, era um Arco Íris de emoções, sempre brilhantes, muito brilhantes, como os olhos de um sonhador, eram verde, cinzentos azuis, mas as emoções, aquele Arco Íris de emoções, o que aqueles olhos diziam e transmitiam, ficam guardados para sempre, serenos, tranquilos e Hábeis a esquivarem-se, escondiam amarguras de outros tempos de outros espíritos.
Toda a sua força residia nas suas mãos e também no seu caracter, mas nas habilidade das suas mãos.
Nada lhe resistia, tinham o poder de nada lhe resistir, eram mágicas, atraiam as dificuldades para depois as superar, era um a habilidade incomum, fora do comum, não havia mãos como aquelas.
Tinha um Dom, Um dom que nasceu com ele, um presente uma dadiva, aqueles dotes naturais simplesmente revelaram-se, os Dons aparecem ninguém sabe como, mas tinha-o e sabia-o usar como ninguém.
Quantas pessoas são predestinadas e nunca os descobrem? Quantas pessoa, nunca imaginaram, nem descobriram que têm um Dom? ( não falo daquelas pessoas que tem o dom de irritar e de nos revelarem pouca seriedade)
Aquele Dom revelou-se, não havia fechadura nem cofre que lhe ficasse indiferente que não se curvasse perante tanta habilidade e respeito por aquilo que fazia, o prazer de o fazer até aos fins da sua vida.
Conta-se, que uma família falida, de terras de abundância agrícola, de gentes de outras de outras esferas e aparências, um dia sem eira nem beira chamaram-no, tinham um cofre, um cofre de pé que devia de pesar mais de 500 quilos, feito em sândalo que deitava para fora aquela fragrância tão peculiar e apetecível.
Era um cofre que só por si era uma obra de arte precisava de ser aberto para ser vendido, os donos sabiam que não tinha nada dentro até porque o cofre já estava na família a 4 gerações e nunca ninguém soube o seu segredo, era altura de o despacharem para poderem usufruir de mais uns dias de aparências, quem sabe se não se alimentavam mesmo de aparências.
Hábil com as mãos e de pensamento rápido, porquê perder tempo ali com aquela, família de aparências, comprou o cofre para poder conversar com ele para o poder saborear, para saber os seu segredos bem guardados, ele sabia que era uma obra de arte, bastava tocar-lhe, sentir na ponta dos dedos, passa-las suavemente como se adormece uma mulher, passar lentamente pelas arestas, sentir os seus recortes, redescobrir a entalha daquela madeira que se reduzia aquele brilho e a dignidade de voltar a ser compreendido, ele acreditava que aqueles objectos tinham vida, que se juntavam a ele.
Foi colocado religiosamente na sua oficina, as cores que abundavam eram o vermelho ferro, aquela cor de ferrugem, o chão sujo de muitos anos a levar com limalha, saltava a vista uma pequena fornalha de manivela, que ao ser accionado fazia com que milhares de fagulhas ateassem o fogo ao carvão, para assim poderem moldar o ferro, tornea-lo. O cheiro era uma mistura de ferro com pó, de sabão azul e branco entrelaçado com serradura, havia também um enorme berbequim, que ao perfurar o ferro , vertia um liquido branco parecido com leite.
Mas naquele dia com os óculos, na ponta do nariz , olhos prostrados, naquele enorme cofre, mais uma vez acariciou-o, os botões que continham o segredo eram de abecedário, 24 letras cada um dos 4 botões, giravam no sentido do relógio, não ouve preparação nenhuma, nem nenhum ritual especifico, começou a girar os botões, como quem sintoniza um radio, não demorou muito tempo, 4, 5 minutos por botão, deu a chave calmamente, meteu a mão na alavanca, uma alavanca dourada, grande e pesada, a sua mão robusta, mas sensível, agarrou-a firmemente, puxou-a para baixo, ouviram-se as 6 trancas de aço a destrancarem de uma só vez, puxou a porta, aquela porta pesada. Lá dentro estava uma das maiores fortunas que há memória naquelas redondezas e paragens.
Foi entregue, não a quem de direito, mas a quem de moral teria direito, até hoje sabe-se, que nem uma gratificação nem um obrigado, as aparências devem ter levado a gratidão exigível.
Com ele foi o Dom, foi o segredo de abrir seja o for, ele acreditava que esse Dom era meu, mas faltava-me uma coisa, talento e acima de tudo paciência, o truque estava na paciência, na espera constante do momento exacto, de ouvir o que mais ninguém ouve.
(...)Lembro-me de ouvir uma ultima vez, era domingo o meu avô acabava de acordar de um longo sono, um coma profundo que durou 4 ou 5 semanas, perguntou-me:
Qual é o resultado do Sporting ( foi a primeira e ultima pergunta)
Nesse dia o Sporting ganhou, mas perdeu (Sporting) um amigo.


Apeteceu-me

Entrei em Apneia.

3 comentários:

Anónimo disse...

"Ainda há Leão" :)
fica bem Charles
beijo enorme

Baixinho disse...

Muito bom mesmo.
É caso para dizer... há que "postar" mais
[[]]

Anónimo disse...

eu adoro o que escreves, e apesar de poucas vezes demonstrar isso, ta,bém te adoro... neste momento, tenho saudades tuas!
-*-