terça-feira, março 29, 2005

Sobre(aviso)vivência II

Sobre(aviso)vivência


(...) Estava um dia solarengo, com uma claridade fora de normal, mas estava um frio incomum, muitos graus negativos. A luta ali pela sobrevivência era barbara.
Estávamos nos confins do mundo, onde os peixes, os pobres peixes lutam contra a corrente, o salmão que luta rio acima para desovar e morrer, uma morte descansada depois de deixar a sua marca,é o seu ciclo de vida, onde depois tudo volta a acontecer, descem ao oceano, para voltar rio acima, desovar e morrer, mas nem todos sobrevivem aquela caminhada constante.
Aquele não era um dia especial, nem tinha nada que fosse digno de realce, mas era um dia... mais um dia, todos os dias eram mais um dia, mais 24 horas, mais uma série de minutos, de segundos, mas nada com que fizesse que a vida parasse, que o ciclo de vida deixasse de funcionar assim como ele era.
Não sei se era uma pradaria, se seria uma estepe gelada ou se seriam ambas a mesma coisa, eram e era um local, onde se podiam ver as alcateias de Lobos lá ao fundo, sempre juntos em perfeita união com... e naquele espaço, mais perto do rio podiam-se ver dois ou três ursos de grande porte com um ar simpático, podia-se imaginar o cheiro nauseabundo que deviam emanar, um cheiro a peixe podre amadurecido com o cheiro normal que um animal deita, se juntarmos a esta formula o seu tamanho, o seu notável e distinto tamanho, imagina-se o cheiro, o bafo que a “ Besta” emana. Mas não seria por certo aquele cheiro que ia deitar por terra a esperança daquele espaço, nem o cheiro, nem o frio, nem a luminosidade, de 24 horas sobre 24 naquela altura do equinócio, também ninguém sabia, se aquela terra iria se prostrar perante algo ou alguém, talvez fosse esse o mal, ninguém saber, ninguém se importar, nem saber, nem querer ou quererem saber, a indiferença, a indiferença da humanidade de se importar com qualquer coisa, fazia-me lembrar os cilindros que acalcam a terra e endireitam as estradas por onde passam “pisam” e “repisam” tudo.
Mas naquele momento pouco importava, até porque o ocaso, o crepúsculo, por ali durava pouco, mais que uns minutos, uns infindáveis minutos e maravilhosos minutos, uma contradição imensa, como aquela vida que por ali perfilava, era uma contradição imensa, a natureza é contraditória, mas isso faz parte do ciclo da vida, ao contrário das contradições humanas, o homem não devia contradizer-se ou por outra, a duvida devia fazer parte constante do homem, é na duvida que se chega a certeza, ao ritmo de vida, ás palavras que se ordenam em forma de poema, a vida é isso, a natureza não é mais que um enorme poema cheio de contradições.
Naquela estepe, ou pradaria, onde os lobos não tinham noite para uivar, onde os ursos não tinham arvores para trepar, onde os peixes subiam o rio para morrer, a vida passava num suspiro, enquanto os murmúrios do vento frio, do vento que enregelava qualquer humano pela forma gélida de agir e de pensar, pareciam dizer aqueles murmúrios que ali o tempo não queria parar, mas também não conseguia avançar, estava atravessado, entalado, não emperrado, a engrenagem movia-se ao ritmo normal, mas o tempo esse parecia não fazer mossa, mais uma contradição, mais uma daquelas contradições, que ninguém se importa.
Mas naquela pradaria, naquela estepe, tudo se movia com uma graciosidade, a antiga luta pela sobrevivência, entre seres mais fracos, onde nem sempre o topo da cadeia alimentar acaba por prevalecer, onde os predadores também se abatem, era bonito ver as lebres de pelo quase branco, onde se confundiam com os milhares dentes-de-leão a espreitar sobranceiramente e atentamente como quem dança a espera da luta final. Também os lobos, que em quatro passos paravam para observar tudo a sua volta, mais quatro e mais quatro, infinitamente mais quatro, assim como os ursos, como os salmões, como os esquilos, os castores que faziam enormes represas de fazer inveja a qualquer contradição dos humanos.
A vida ali era levada ao estremo, ao estremo do dia a dia, a milhares, milhões de anos de dias que sobrepunham a dias, estranho mesmo, porque eram sucessivos quatro passos e depois observavam tudo a sua volta, a vida modificava-se, a paisagem crescia, mudava, moldava-se e aqueles quatro passos... mantinham-se.


Apeteceu-me

"Sinto o peito rasgado de tão perto que estive do fundo" Charles de La Folie

3 comentários:

agua_quente disse...

Fascinantes os teus mundos, as tuas paisagens. Os teus medos? Fascinante ler-te. Beijos

Anónimo disse...

Não entendo o que vêm nesta personagem, não me parece ser nada de extraordinário, MAIS UMA DESILUSÂO.

Anónimo disse...

e mais uma vez senti-me transportada para o sitio que descreveste, quis estar lá, fazer parte daquele sitio.quis talvez ser um salmão, coelho, ou urso.