quinta-feira, março 24, 2005

Sobre(tudo)vivência

Sobrevivência

(...) Era um dia difícil, um dia com uma densidade enorme de humidade, de árdua respiração, lá dentro o calor era abrasador parecia brotar, nascer, aparecer, por debaixo daquelas placas de zinco que faziam de telhado. De casa pouco ou nada tinha, a não ser umas paredes finas, feitas de pedaços de madeira que apareciam por aqui e por ali. Portas não tinha, muito menos janelas era um luxo demasiado grande.
Lá fora naquele imenso jardim de Deus, naquela terra que parecia ter mão divina, onde o calor, aquela humidade quente que entrava pelas narinas e queimava a traqueia, era como que se bebesse de um só trago uma daquelas mistelas feitas a base de aguardente de cana, tipo grogue, só que mais forte, aquilo a que os índios chamaram de água de fogo.
O cenário era paradisíaco, o mar batia levemente na areia, milhares de coqueiros pareciam acenar para o oceano calmo e azul, as nuvens estavam altas, a aragem quente quase que não se fazia sentir, ali estavam aquelas pobres casas no limiar do que alguém pode ter para sobreviver.
Mas ali o tempo corria de uma outra maneira, de uma outra forma, a um outro ritmo, ali, a sobrevivência tinha um outro significado, não queria dizer chegar vivo a um outro dia, não, ali sobrevivência, tinha a ver com dignidade, a dignidade de se estar vivo, de ser feliz, de que a natureza nunca lhes falte nem as suas dadivas. Os pensamentos corriam e escorriam poesia, formas de viver só possível onde a inveja, a ambição, a cobiça, a ganância, não estejam presentes no dia a dia, onde essas palavras se atropelem por si mesmo e desapareçam pelo infinito da ilusão.
Ali, onde agua desce escarpas magnificas e que corre na esperança de voltar ao processo inicial de nascer e transformar-se.
Naquele dia difícil, dia de difícil respiração, em que o horizonte continuava fora do alcance daquela gentes, onde o sonho comandava a história, uma história feita de pequenos nadas do dia a dia, onde os velhos passavam aos mais novos os ensinamentos, os antigos ensinamentos que passavam de geração em geração, de gente em gente, onde os mais pequenos corriam a praia de uma ponta a ponta, a explorar antigos esconderijos de danças mágicas, pequenos segredos que chegavam pelo mar e correspondiam a tentações enfadonhas.
Era ali que os dias corriam ao sabor da vontade e do prazer, fazer amor por ali, era um acto continuo de sobrevivência, bastava andar por ali para se fazer amor, ali naquele lugar, o acto de fazer amor não tinha a ver com o convencional, nem com o gerar crianças, tinha a ver com aqueles dias, com a maneira como se viviam os dias, bastava ver o sorriso de cada um, para entender o que é fazer amor ali, naquelas paragens, era um acto de sabedoria, um acto continuo de saber viver cada dia, cada vontade, cada prazer, era um grito continuo de liberdade de poder andar de peito aberto pela asas da nossa existência e voar com a insistência de quem sabe o que quer.
Havia ali, notava-se, naquele dia de difícil respiração em que as regras não eram ditadas mas sim saboreadas, porque as regras não existiam mas sim o respeito por tudo, pela própria existência, só se “roubava” a natureza o essencial para os prazeres da sobrevivência, nem um peixe, nem uma fruta nem uma raiz, nada era desperdiçado, o desperdício não era julgado, porque ali ninguém julgava ninguém, os julgamentos ficariam para outras “gentes” em que eles acreditavam, seres superiores que os tinham criado, gerado e ensinado a serem o que eram, a ter aqueles princípios dignos de um sobrevivente, era essencial sobreviver-se daquela maneira, como era fantástico descobrir aquela pequena ilha no meio de nada, onde poucos ou mesmo ninguém saberia da sua existência.
Naquele dia de difícil respiração onde o calor abrasador, fazia o suor parecer uma cascasta, em corpos bronzeados, onde o suor se confundia com óleos naturais. Naquele dia, quando ouviu a sua mãe a pedir-lhe gentil e suavemente para arrumar os bonecos e a sua ilha que estava na hora de jantar, descobriu o significado da palavra UTOPIA.


Apeteceu-me

6 comentários:

Anónimo disse...

Calma finalmente..acho que a confusão de hoje passou por ora..até ver rsrsrsr...
Charles o teu texto..td ele, mas um paragrafo em especial "O cenário era paradisíaco, o mar batia levemente na areia, milhares de coqueiros pareciam acenar para o oceano calmo e azul, as nuvens estavam altas (...)" lembra me outras paragens..outra praia dos coqueiros..uma ilha distante (a minha ilha)...
beijo enorme

Anónimo disse...

para desilusão de TODOS, afinal decidi aparecer.
NÃO SÃO PRECISOS CALHAMAÇOS DE LÓGICA PARA FAZER ALGUMAS DEDUÇÕES. UMA, POR EXEMPLO, SE HÁ UMA SOBRINHA, HÁ UMA TIA, CERTO?
AS OUTRAS NEM VALE A PENA EXPLICITAR: SÃO TÃO ÓBVIAS COMO A DEDUÇÃO ANTERIOR.
TENHAM UMA BOA NOITE VIRTUAL

Anónimo disse...

COXOS DE CABEÇA, CLARO

Anónimo disse...

Passei para desejar-te uma FELIZ PÁSCOA

Abraço :-)

Wakewinha disse...

Carlos,

Vim desejar-lhe boa Páscoa com ovos e amêndoas à mistura, e dizer que continuo a contar com o seu apoio Na Blogosfera até amanhã, Sábado, 26|Março! Vote Wakewinha, ok? Estamos quase lá.

Beijinho*

Unknown disse...

não entendo o que se passa