terça-feira, maio 03, 2005

Fábula sem sentido

Fábula sem sentido


(...) Nada de especial, não era mesmo nada de especial apenas alguém com muita vontade de sorrir, era uma criança, sim uma criança e ao seu lado estava outra e mais outra e outra e muitas mais, eram mesmo muitas, mas sorriam, todas elas sorriam, não era vontade, sorriam mesmo,ao mesmo tempo estava um silêncio ensurdecedor.
Não conseguia compreender porquê, não entendia aquele silêncio, via-se, notava-se perfeitamente as crianças a brincarem, a brilharem, a falarem, a divertirem-se, conseguia ver, uma roda com uns 10 meninos intercalados, com a girafa Badana, o macaco sapato, o tigre Balulas, e as manas tolinhas, eram todas lindinhas.
Mas estava ali parado a olhar, não entendia, não entendia nada, muito menos o que se passava ali era uma fábula a maneira antiga, (não de La Fontáine), mas não tinha som, não tinha sentimento, aquilo que via, parecia qualquer coisa que não trespassava para o mundo onde estava.
Parecia um animal numa jaula, andava de um lado para o outro a procura de soluções, a tentar perceber o porquê de não sentir nada, de não ver, de não ouvir as crianças, os seu gritos as suas falas, as suas fantasias, não as ouvia, nem as entendia.
Ali mais ao lado, balançavam uma enorme corda duas meninas, de costas voltadas uma para a outra, saltava a avestruz Saltitona, e a hiena Fedorenta, estranho... também não sentia o seu cheiro, era mesmo muito estranho, lá no meio da praça a cadela Assunção e o cão Ão ão, faziam um concurso de buracos, enquanto tiravam a terra que nem loucos, o canguru Frufru acalcava-a com saltos, enormes, grandes saltos.
Só lhe apetecia chorar, não entendia o porquê de não entender as crianças, de não as ouvir, de não saber o que ali se passava e porque apareceram de repente aqueles animais todos, não era normal, não parecia sequer um sonho, não era, por certo que não era, não podia ser, estava a ficar quase irado, irritado, quase a ficar com vontade de gritar, de se fazer ouvir, mas cada vez que tentava dizer alguma coisa aos meninos, as palavras não saiam, a sua voz não emitia qualquer ruído, qualquer som, parecia que estava num enorme vácuo, numa outra dimensão.
Estranho que alguns animais pareciam passar por ele e dizerem-lhe adeus, havia vários orangotangos, um que se chamava Barnabé e o outro rapé, empoleirados em cima de uma nuvem, atiravam fatias da nuvem aos meninos e depois, escondiam-se, a nuvem era cortada como as melancias, quem adorava era o porco Silvio e o bode Silvério, comiam o que sobrava e agradeciam a quem lhes dava.
Era alegria a rodos, mas ali o nosso amigo continuava a não perceber, não queria acreditar, continuava sem acreditar no que se estava a passar, o que se passava com ele, nunca nada daquilo lhe tinha acontecido, nada mesmo, nem parecido, estava tentado a gritar novamente, mas já estava cansado muito cansado, de tanto tentar perceber aquele mundo, que tinha despertado ali sem mais nem menos, sentia-se como se estivesse pendurado num estendal de roupa a secar, ou numa vitrine de exposição de bolos ou qualquer coisa assim meia estrambólica, as forças começavam a faltar, estava quase a desfalecer sentia um cansaço enorme a percorrer-lhe o corpo, a alma os sentidos, começava a ver tudo a dobrar a quadruplicar, fazia lembrar as maquinas de filmar antigas com 4 zooms, antes de cair olhou para o lado e viu numas bolhas de sabão enormes, outras pessoas como ele, com as mão cravadas nas paredes das enormes bolhas que emitiam ou transmitiam, ou largavam ou... a espaços visam-se pequenos arco Íris.
Olhos esbugalhados e uma visível preocupação sem percebere o que se estava a passar.
Uma ligeira brisa, um chocalhar e um remexer das enormes bolhas, mais uma folha desfolhada, daquela história sobre a infância perdida, dos meninos que se recusam a crescer e dos grandes que nunca foram meninos, o sapo palhaço lá estava a rir-se, agarrado a lula ramelosa, ao grilo rameiro e á cobra esguia, que nem uma enguia.
Nesse dia algo de importante aconteceu lá para os lados do arco Íris, um enorme sorriso depois de um bocejo do Sol.


Apeteceu-me


"Os passos bem medidos nem sempre têm conta certa" Charles de la Folie

20 comentários:

Vênus disse...

Carlos,
"Nesse dia algo de importante aconteceu lá para os lados do arco Íris, um enorme sorriso depois de um bocejo do Sol"

Gosto da tua forma de contar essa história, fica entre o sonho e o real...
Doces bocejos de algodão doce..
BJS

Anónimo disse...

"E no fim do arco-iris está um pote de ouro..."
Abraço cunhadão.
P.S. Enviei-te o código

Anónimo disse...

o que é melhor não querer crescer, ou nunca ter sido criança? prefiro a primeira. tava muito magico :)

Lyra disse...

Uma fábula com todo o sentido!! Porque o essencial é invisivel aos olhos :-)

Anónimo disse...

O post commento-o o mais tarde pois não tenho cabeça para ler e nem sei como escrevo. Venho só dizer que gosto da música :)

Dra. Laura Alho disse...

As tuas viagens fazem-me perder no tempo. Gostei particularmente desta.

Senti-me menina *

Anónimo disse...

pior que não crescer é nunca ter sido criança, dizem.
realmente há por aí muito peter pan. conhecemos alguns e já sentimos, muito recentemente, os efeitos caóticos da resistência ao crescimento e à responsabilidade. a brincadeira de criança não incomodaria se não lesasse ninguém.
kero deixar bjs ao canário, ao cão e à tartaruga. calma... beijos não pegajosos, tá?

Anónimo disse...

Aqui está o comentário ao post, numa só palavra: delicioso.

Anónimo disse...

Por não ter MAU FEITIO anuncio que já não há barreiras à felicidade. Foram todas derrubadas. Por desconhecimento, não cairam mais cedo

Anónimo disse...

Teresa: abençoada por não teres mau feitio! Eu às vezes não me suporto a mim mesma... Mas assim é que é! Entrega-te aos sorrisos!

Anónimo disse...

é o que tento fazer. e já agora, obrigada pelos elogios aos meus artigos

Anónimo disse...

Teresa :) desconfiava que eras "a" Teresa... Elogios sinceros nunca se agradecem! Agora pergunto directamente: para quando o TEU blog?
Já agora... qual o teu segredo para manteres a calma perante ... tu sabes a que me refiro (não teres mau feitio, chamemos-lhe assim)? Também gostava de ser feliz...

BlueShell disse...

É assim...quando deixamos que se vá o que de criança há em nós! nóa, adultos, deixamos de entender..porque já não é o nosso mundo...não pertencemos ali...perdemos a oportunidade...e jamais voltaremos a entender as crianças...jamais poderemos, deveras "comunicar"...pois as palavras não "saem"...
como se nota..adorei o texto, Carlitos.
Jinho, BShell

Anónimo disse...

Sem menosprezar os outros, foi o texto mais belo que aqui li. Os balões do sonho, o não ouvir vozes porque já não se sonha, o querer sonhar, a imagem do estendal da roupa, o desespero e por fim o acreditar... Soube bem :) Beijo grande :)

Anónimo disse...

E o "Peter Pan" ataca de novo. Lindo demais. Acabei de imprimir para o ler logo á noite com a minha filha. Porque eu não sei brincar, porque não me lembro de ter sido criança, e ela de certeza que me quer ensinar a não estar smpre a ler e a ler-lhe mas a saber brincar com ela. Fica bem,

Anónimo disse...

Encante a forma doce e simples como descreves os momentos e as situações...fico aqui a saborealas de forma lenta para que não terminem facilmente...Um beijo doce
MissLadyMystery -> http://MundoDosSonhos.blogs.sapo.pt

D disse...

"Nesse dia algo de importante aconteceu lá para os lados do arco Íris, um enorme sorriso depois de um bocejo do Sol. "

Estremeci.

:)

Micas disse...

Todos gostamos de sentir a criança que há em nós.Uma autêntica delicia este texto. Gostei imenso

Anónimo disse...
Este comentário foi removido por um gestor do blogue.
Unknown disse...

Não me lembro de omitir que eras minha mulher, se é ai que queres chegar. Não me lembro de omitir, que era o pai dos teus filhos.
Mas lembro de me pedires nem para os expor aqui, nem a eles nem a ti.