quarta-feira, fevereiro 09, 2005

Ponto Final

Ponto Final



(...) Eram para ai uma cinco da manhã o frio apertava, naquele pequeno espaço que o Miguel tinha para trabalhar, chamavam-lhe escritório, ficava bem chamar-lhe, aquele nome pomposo, que mais não era que uma sala onde a musica corria como fonte de inspiração, melodias desgarradas, suaves com uma violência que só os seus ouvidos conseguiam imaginar.
Viam-se os fluxos de sons de cores violentas e garridas, a entrarem pelos canais auditivos, nessa altura a cabeça do Miguel parecia, um enorme raio X, com correntes coloridas a circularem-lhe pelo Cérbero, estavam ali os estímulos para a sua escrita, para o seu trabalho, aquelas musicas eram escolhidas ao acaso mas a sua imaginação dava-lhe o toque e requinte de malvadez.
O Miguel era um escritor de casos “Estranhos” casos complicados que se complicavam ainda mais aos seus olhos, uma pequena historia, passava de mero episódio do dia a dia, a historias rocambolescas, férteis em impossíveis passagens pela imaginação do Diabo, chegavam a ser geniais tal era o empenho e o brilhantismo com que os seus dedos percorriam as letras do teclado.
Naquela noite, ao som de uma concertina, uma melodia desmedida com ajustes de sintetisadores, e com batidas inexistentes, escrevia mais uma « estória », o frio apertava, estava embrulhado num cobertor, a cabeça coberta pelo capuz da sua camisola, as mãos geladas batiam com força no teclado, a velocidade das sua escrita, das suas mãos a deambular pareciam fazer luz encandescente a seguir o seu rasto, sem nunca conseguir acompalha-la (a mão e a escrita) pareciam uma sombra mas, despegada do seu gémeo.
Raramente fixava as palavras que apareciam no monitor do seu computador, mas naquela noite, estava a tentar perceber uma palavra que tinha escrito, que tinha saído sem nunca a ter pensado, sem nunca se lembrar que ela existia, uma palavra inexplicável , tão indecifrável que nem me atrevo a escreve-la, por varias razões, por falta de compreensão, por medo dela, por aquilo que pareciam ser inevitáveis vontades da própria compreensão e da própria palavra que parecia ter vida.
O olhos começaram a fixa-la a palavra começou lentamente a encher o ecrã, a desfocar e a crescer, a ficar enorme até ficar uma letra só, depois seguiu-se um bailado violento de troca de letras com a mesma palavra, por vezes parecia um jogo de sinónimos , pareciam querer dizer alguma coisa, algo de irreal existia por ali, seria uma mensagem, seria a terrível dor da solidão, seria a verdade da razão do trabalho do amontoar de « estorias » naquele Cérbero.
De repente, começou a ver os seus olhos a ficarem focados no monitor, a crescerem estavam vermelhos, viam-se os milhares de canais a encherem-se de sangue, veias minúsculas a serpentearem pelo reflexos dos olhos, entrou em apeneia, mergulhou olhos abaixo a procura de referencias das suas perplexidades, naquele momento estava irresoluto, as suas ideias estavam reféns da sua indigência, faltava-lhe algo ele sabia que lhe faltava algo para o fim ser diferente de todas as outras histórias, esta era aquela « estória », como se costuma dizer a que separa os bons dos muito bons, aquela história que pode definir o teu grau de humildade, só os génios tem capacidade para serem humildes os outros vivem da hipocrisia que teimam em confundir com humildade.
No corrupio e na complexidade do seu Cérbero que ele as vezes teimava em dizer parecer-se com os indistintos, só que colocados de forma diferente. Esta era aliás a única piada que costumava contar a si próprio, nunca se ria, mas sorria, sorria muitas vezes, aquele sorriso quase patético que, por vezes embalados por goles de puro whisky, quando irrompe goela abaixo, a queimar tudo a sua passagem, até aterrar e acamar no estômago, o rosto como reflexo, ganha formas, as sobrancelhas franzem os olhos cerram, as maçãs do rosto ganham covas, a testa fica enrugada e os dentes agridem-se tal é a força e a pressão que fazem, depois quando este percurso do whisky chega ao fim o rosto abre-se e fica aquele sorriso patético, de dever cumprido.
Enquanto se media por dentro, percorria as varias fases do seu eu, o frio fazia-se sentir cada vez com mais força, as mãos estavam paradas sob o seu colo a uma pequena distancia do um outro mundo seu, de uma outra viagem de um outro pesadelo, mas naquela altura com o corpo curvado, de olhar fixo, no monitor, ele sabia que estava a curtas distancias de muitas coisas, mas o que interessava era aquela « estória » era a palavra indecifrável
Os seus olhos ensanguentados, começavam a desaparecer, parecia um rewind, as letras pareciam estar a fazer a dança ao contrario, começavam a sair uma a uma, até voltar ao texto original e a tal palavra ficar arrumadinha, no seu lugar, onde agora tudo parecia fazer sentido, e foi ai, que o cansaço e o sono no meio de uma melodia bucólica do Jonh Lee Hooker, fez com que o Miguel caísse, prostado em cima do teclado e naquele momento, a historia ficava completa, a « estória » que fazia dele um génio estava terminada, foi assim colocado o PONTO FINAL.


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4 comentários:

Micas disse...

Auto-biográfico??? beijos

Unknown disse...

Podia ser, mas fala de uma pessoa genial, pelo menos na sua escrita, não é por certo auto biografico.
beijos

Unknown disse...

Sara se a Palavra é fim ??? não sei bem, não me debrucei bem sobre isso, mas o fim...o fim o meu objectivo era que ele caisse esvaido no seu cansaço, e caisse de forma a que o ponto final fosse colocado e asua obra prima terminada...mas acho que o homem não morreu coitadinho...se calhar matei-o quem sabe..rsrsrs

Micas disse...

Não te substimes ;), fico à espera do próximo capítulo ;) Beijos